COMO NASCEM AS BRUXAS

Disse Maria João a uma criança que precisou ficar velha e andar com o nariz apontando o chão para desfazer da paixão pelas vitrines e descobrir a intensidade da força extrema de uma raiz! Foi assim que passou a mergulhar no mundo das formigas e fungos ao redor das antigas árvores do parque, enquanto distraía durante o banho de sol. Pegou afeição igual a quando se tem um novo amor, deu nome a cada uma das volumosas raízes estupendas que emergiram de um chão variante em suas cores e aromas. Com o tempo, a intimidade permitiu ir ouvindo vozes que pareciam mais canções de outra cultura do que palavras em sua língua natal. Foi sabendo mais do que os outros, e teve a impressão muitas vezes de que as braçadas afundadas na terra lhe contavam segredos...

Um dos segredos que teve a impressão de ouvir falava da importância dos pequenos organismos envolvidos no crescimento de uma semente. Depois, ficou sabendo o quanto são necessários os olhos amorosos dos observadores acariciando uma árvore em crescimento. Ainda dentro do mundo de canções em outra língua, cercado de segredos, descobriu espantada que cada árvore tem uma função e que cada função está ligada a nós.

Muitas vezes desejou contar a sua acompanhante, a enfermeira, o fundamental sentido da vida dentro de uma mudinha miúda, ou de um representante do império Eucariota, mas deixou para lá. Bobagem falar! Havia falado a vida toda com seus alunos nos anos e anos de magistério ao redor da matemática e, no entanto, muitos nunca a escutaram e outros nunca tomaram conhecimento de sua particular existência. Não, melhor observar do que falar. Se houvesse aprendido antes a “ver” poderia ensinar aos alunos também a solução da observação. A enfermeira provavelmente não ia querer ter que “ver”...

A evolução máxima do relacionamento entre ela e o mundo incrível das entranhas terrestres veio com a descoberta de uma abertura profunda em um tronco muito antigo de uma velha senhora árvore. Figueira Brava. Parecia-lhe uma poltrona e não houve como resistir em se acomodar no conforto anatômico do trono vegetal. Deu dinheiro a enfermeira para que fingisse não vê-la aconchegar-se dentro da árvore. Passou algumas tardes sentindo o úmido da madeira e o cheiro infestado de história no interior de sua amiga. Aprendeu muitas palavras que jamais supôs existir e ensinou também, porque tudo são troca e gentileza entre os que se admiram mutuamente.

Muito do que ela havia aprendido durante a vida inteira ficou sabendo que era inútil. Segundo suas conversas com a sábia, o mundo não era complicado, as estrelas não eram solitárias e as pessoas não precisavam juntar nada. A princípio ficou chocada, depois foi aceitando que era uma criança no colo daquela velha senhora aprendendo o mecanismo de viver. Prestou atenção em tudo e começou a perceber que era real a nossa percepção errada da vida. Ria muitas vezes com seus poucos dentes das desventuras pelas quais passavam seus semelhantes. Só levava a sério crianças, com elas parava horas e horas e ensinava a ouvir as vozes dos vegetais. Nasceu ali, nos braços de sua mãe.

betina moraes
Enviado por betina moraes em 30/01/2009
Código do texto: T1414021
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