***Alem do véu***XII
*Uma lição dolorida*
Lígia se casou, mas seus sonhos ruíram sem ao menos terem tido uma mínima oportunidade de se tornarem realidade.
Após o casamento Lígia não apareceu mais para trabalharmos na horta, tão pouco veio nas reuniões, ninguém sabia dela. Num certo dia aproveitei que Amir, ia à ao outro vilarejo onde tinha pacientes e fui com ele até a nova casa de Lígia. A casa ficava no alto de um morro íngreme e estreito. Tive de ir a pé, pois a carroça não passava por ali, Amir quis me acompanhar, mas como ele ia perder muito tempo o convenci a me deixar ir sozinha, mesmo o lugar sendo um tanto perigoso.
Ao chegar esbaforida na casa, fui recebida por um homem alto e moreno.
---Pois não massá?
---Bom dia messir. (senhor) Falei de cabeça baixa. –Estou à procura de Lígia.
---Sim? Disse o homem rudemente.
---Ela se encontra?
---Sim.
---Messir é o esposo dela? Perguntei fingindo não perceber seu desagrado em me atender.
---Sim, sou sim, e tu quem és?
---Hainan messir, uma amiga de sua esposa.
---Pois saiba massá, que minha mulher não tempo há perder com amigas.
---Mas... messir, eu vim de longe para visita-la, e...
---Muito obrigado, pela visita. E dizendo isso, entrou na casa batendo a porta em minha cara.
Fiquei sem reação, já ia batendo na porta novamente quando ouvi gritos dentro da casa.
---Lígia! O que lhe falei sobre receber visitas? Gritava o homem.
---Mas eu... não sabia de nada. Respondeu Lígia com uma voz que demonstrava medo.
–Eu não sabia que alguém...
---Cale-se. Gritou novamente o homem e em seguida ouvi barulhos de objetos sendo quebrados. Meu primeiro impulso foi o de entrar lá dentro e livrar minha amiga daquele homem, mas o tempo que vivera naquele país me fizera ser mais prudente, e com o ódio ardendo dentro de mim, tomei a estradinha de volta.
Com a ajuda de Amir descobri os dias em que Celso, o esposo de Lígia trabalhava, e as escondidas passei a visitá-la sempre que possível, ajudava-a da maneira que podia, levando alguns alimentos e remédios que ela escondia debaixo do colchão. Quantas vezes a encontrei deitada na cama ferida com as surras que levava de Celso, nesses dias eu ajudava-a a limpar as feridas, a passar ungüento e tentava faze-la comer.
---Você tem que sair daqui Lígia, não pode continuar com esse homem.
---E para onde iria. Dizia minha amiga desolada.
--- Poderia ficar um tempo escondida na minha casa, e depois a gente dá um jeito.
---Lá seria o primeiro lugar que ele iria me procurar, não, eu que fiz a burrada de me casar com ele, agora tenho que agüentar.
---Não! você não tem que agüentar nada. Em vão tentava convence-la, mas não adiantava Lígia já havia desistido de lutar.
Depois de uma dessas visitas, quando voltava para casa fui barrada em frente a uma das lojas de um dos shiar. Tentei me desvencilhar e continuar meu caminho, mas um dos homens que estavam em frente à loja me agarrou o braço com força e disse:
---Aonde vai com tanta pressa massá? Temos um assunto a resolver.
---Não tenho nada para resolver com você, disse me debatendo, tentando me livrar daqueles braços de ferro.
---Corajosa você, falando assim com um homem.
Uma aglomeração de pessoas ia se formando ao redor da loja.
---Tire o véu, anda tire o véu, quero ver sua cara. Disse o homem me sacudindo.
Tremula de medo, obedeci. Este me puxou com força. –Que bonita é você heim! Deve ser só por isso que seu maridinho aceita sua insolência, mas nós vamos te dar uma liçãozinha, para você aprender a respeitar os homens de verdade.
---Mas eu não fiz nada de errado eu...
---Cale-se! Disse o homem me puxando pelos cabelos com uma das mãos, e com a outra segurou meu queixo com força e virou-me para as pessoas que assistiam à cena.
---Sabem essa mulher, essa forasteira que acha que pode fazer o que quiser aqui, ela invade as casas alheias, incentivando mulheres descentes a agir igual a ela. Hoje vamos lhe dar apenas uma lição, mas da próxima vez, o castigo será bem pior; Entendeu?
---Eu lhe perguntei se entendeu. Disse virando-me para ele com toda a força, arrancando um punhado de meus cabelos. –Responde, sua vadia.
Cuspi-lhe na cara. Um tapa violento cortou-me o rosto, cai de quatro no chão.
Naquele momento entendi tudo, Celso descobrira as minhas visitas a Lígia e me entregara aos shiar. Um chute em minhas costelas me tirou o pensamento e o ar, tentei respirar mas foi impossível, era como se algo bem pesado houvesse passado por cima de mim, mais um chute dessa vez em uma das minhas nádegas, mais uma vez fui ao chão. Com muito esforço me levantei, de meus olhos escorriam lágrimas de dor, meus cabelos desgrenhado encobrindo-me a face. Olhei para o homem que me batia, este sorriu com satisfação, de repente vi meu próprio punho cortando o ar e acertando em cheio aquele homem, outro punho cortando o ar, mas não era o meu e sim o dele quebrando-me o nariz, depois de chutes, socos e tapas, fui mandada embora dali, com as vestes e a pele rasgadas, voltei para casa me arrastando, com sangue saindo por varias partes do corpo.