***Alem do Véu***IX

*Exasperação*

Mudamos para um vilarejo, mais agreste que o anterior, ali não havia água, ou mesmo banheiro, quando perguntei a Amir se era possível furar um poço, ele sacudiu a cabeça desolado e disse:

---Não, não dá água, a região aqui é muito seca.

---E o que faremos? Perguntei um tanto espantada.

---Compramos, a água aqui é comprada.

---E o povo daqui tem ilim (moedas de bronze) para isso?

---Não, não tem, mas ai eles trocam o que tiverem, ou trabalham.

---Pra quem? Quem vende essas águas?

---Meu amor, vamos deixar isso pra lá, vamos mudar de assunto, esta bem? Disse isso pegando algumas caixas com os nossos pertences, levando-as para o quarto.

---Fui atrás dele, sabia que estava escondendo alguma coisa.

---Não, Amir, não quero mudar de assunto, quem vende essas águas, e pra começar porque elas são vendidas?

---Você não vai desistir, né? Disse, colocando as caixas no chão e sentando-se nelas.

Ele me olhou de um jeito, como quem pede desculpas e falou:

---Esse vilarejo, é controlado pelos shiar.

Shiar? Já ouvira aquela expressão, antes que eu perguntasse, Amir continuou:

---São guerreiros, que deserdaram, ou mesmo fugiram do antigo fasulah, eles comanda tudo por aqui, a palavra do regente ou do próprio fasulah não significa nada, para esse povo.

---Isso quer dizer, que as regras aqui não são tão rígidas? Falei esboçando um sorriso de esperança.

---Não, você não entendeu, as regras continuam as mesmas, se não for pior.

---Mas... pior? Perguntei num murmúrio, deixando-me cair sentada na cama.

---Eu sinto muito Hainan, eu queria que fosse diferente.

Meneei a cabeça de forma afirmativa, afinal também queria que fosse diferente.

---Certo. Falei --mas, você ainda não me explicou direito esse negocio de ter de comprar água.

---Ah! sim, bem... Os Shiar controlam tudo, eles são os donos das poucas mercearias e lojas, e também da única mina de água que aqui tem.

---São donos da mina?!

---Sim.

---Mas, isso é absurdo, a mina é da terra, portanto é de todos, não pode ter um dono. Eu não queria acreditar naquilo.

---Eu sei, mas o que se pode fazer?

---Me diz uma coisa, então porque viemos para cá? Não havia outro lugar para morarmos, quero dizer... Vamos ficar aqui até ajeitarmos as coisas, e depois vamos para outro lugar?

---Temos de ficar aqui, porque é o lugar mais seguro.

---Eu não entendo. Disse com toda sinceridade, --Como assim, aqui pode ser mais seguro?

---Lembra quando falei que revogaram sua pena?

---Sim, mas o que isso tem haver...

---Mudaram de idéia.

---O... o que? Engrolei, ficando mais assustada do que já estava.

---Hainan... Ele tinha dificuldade para falar.

---Estamos fugindo é isso? Minha voz estava tremula, as lagrimas começaram a brotar em meus olhos. –Ah, Amir, eu... porque mentiu pra mim? Porque disse que era só mudarmos de lá?

---Eu não menti, de fato eu consegui convence-los, a não te... a não te...

---A não me matarem. Terminei a palavra por ele.

---Nem diga uma coisa dessas, por favor.

---Mas, então? Porque mudaram de idéia?

---É que ontem, bem... Ele passou as mãos pelos cabelos, respirou fundo, me deixando cada vez mais tensa.

---O que houve ontem, Amir. Insisti.

---O bebê, que você fez o parto, ele... ele morreu.

As palavras ficaram presas, as lágrimas que até então não havia deixado cair, rolavam por minha face e de minha garganta saiu um grito de dor e outros sentimentos tão difíceis de descrever, Amir me tomou em seus braços, me dizendo palavras tranqüilizadoras.

---Não foi sua culpa, você fez tudo o que podia você sabe que fez tudo o que podia. Hainan, olhe para mim.

Soltei-me de seus braços, tampando com as mãos o rosto. –como? Ele estava bem, como foi que...

---Ele teve febre, a taxa de mortes infantis aqui é absurdamente altas e...

---É claro! E a culpa é de vocês. Gritei.

---Como? Perguntou Amir, sem entender.

---São de vocês sim! Com suas regras ridículas, do raio desse lugar que não tem casas de cura, vê se na minha terra alguém morre de febre! Se eu tivesse passado a noite lá, se eu pudesse usar minhas ervas sem ser acusada de bruxaria, ninguém tinha morrido tudo tinha ficado bem, mas não! Quase fui linchada na porta da mulher. A culpa é de vocês, desse país ridículo e dessas pessoas mais ridículas ainda que vendem até a água!

Estava furiosa, sei que Amir não tinha culpa de nada, mas eu precisava gritar, precisava extravasar toda a dor que estava sentindo.

sutini
Enviado por sutini em 25/01/2009
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