***Alem do véu***II
*No jantar*
Geralmente fazemos nossas refeições em nossos quartos ou em pequenas salas própias para isso, mas quando temos visitas a nossa Senhora gosta de recebê-los da melhor maneira possível; O grande salão, como nós o chamamos só é usado nessas ocasiões, de fato uma imponente sala com sua decoração de espelhos e cristais que chegam a ofuscar as vistas de quem se detém a observá-la por muito tempo, mas não é o salão que me chama a atenção, tão pouco o magnífico banquete servido e sim como Surah, nossa senhora e grande sacerdotisa se entrosa com os visitantes, mesmo sendo estes de costumes tão diferentes, mesmo sendo estes que mais nos criticam, estes que tempos atrás tentou nos expulsar do nosso tão amado condado.
Estamos em onze na mesa, eu, mais duas sacerdotisas, Surah, e os sete visitantes, inclusive seus criados.
---Estou impressionado, este lugar é realmente maravilhoso.
---Obrigado meu jovem, de fato amo minha terra, e sim acho minha casa maravilhosa.
---Eu não entendo se aqui só tem mulheres, como vocês têm filhos? Perguntou a jovem mais nova.
---Lisa por Deus, não faça esse tipo de pergunta! Bronqueou-lhe a senhora que a acompanhava.
---Tudo bem, a criança fez uma pergunta bem lógica, disse Surah com um sorriso, --Hainan, explica para pequena Lisa como as coisas funcionam aqui.
---Sim senhora, e assim passei a falar dos nossos costumes não só para aquela criança como também para sua família que subitamente silenciaram atentos a minha resposta, --Nós aceitamos mulheres de qualquer lugar que queiram viver conosco, agora, se algumas de nossas mulheres desejarem ter filhos, elas são livres para saírem e acharem um conjugue para isso, e se após ter o bebê ela quiser voltar será aceita, tanto ela, quanto a criança, a não ser que o bebê seja um menino, nesse caso será aceito só a mãe.
---Desculpe, mas posso fazer uma pergunta também? Falou o rapaz que dissera estar impressionado com o lugar.
---Claro, respondi.
---Quando estávamos a caminho daqui, antes de passarmos pela ponte, na margem do rio vimos homens por lá e algumas mulheres, eles pertencem ao condado de vocês?
---Sim, os ribeirinhos, são homens que prestam alguns serviços, como vigiar as plantações, transportar mercadorias, enfim, e em troca deixamos que vivam à margem do rio, quanto às mulheres, bem... Se acontecer de uma mulher escolher um homem para conviver com este, é para lá que ela tem de ir, entende? Não permitimos que homens morem permanentemente aqui ou no vale, só na outra margem do rio.
---Nossa! Mas, deve ser horrível para elas morarem ali, quer dizer eles vivem em cabanas e não tem nenhuma estrutura. Dessa vez quem falou foi a moça mais velha, que através da transparência do véu, pude ver que tinha belos olhos negros, aparentava ter cerca de uns vinte e cinco anos.
---É uma escolha delas. Respondi.
A moça ia dizer alguma coisa, mas Surah nos interrompeu.
---Agora quero saber de vocês, não são os únicos a procurarem abrigo aqui, a maioria prefere evitar nosso condado e seguir adiante, mas, quando estão para lhe faltar provisões, ou quando precisam de reparos, ai vem para cá, quero saber o que de fato está acontecendo com o país de vocês.
Quem tomou a palavra foi o senhor mais velho, provavelmente o mestre daquela família.
--- Desde que o nosso fasulah, o nosso líder morreu, estamos em guerra, os regentes não entram em acordo, não cumprem com as ordens de do grande Dior, uma lástima, uma verdadeira lástima.
---Neste caso porque então, não elegem um novo líder? Perguntou uma das sacerdotisas.
---Não, não devemos, quem escolhe o líder é o grande Dior o nosso deus. Disse o senhor balançando enfaticamente à cabeça, como se a simples idéia fosse um sacrilégio, embora eu tenha certeza de que de fato tal atitude para eles seja mesmo um sacrilégio.
---E como Dior, escolhe esse líder? Perguntei com um quê de sarcasmo na voz.
---O primogênito, de um sexto filho de um sexto filho da linhagem do próprio fasulah é o escolhido. Respondeu o jovem.
---E por acaso, existe pelo menos esse sexto filho? Perguntou Surah, para o rapaz.
---Sim, na verdade existe um sexto filho de um sexto filho, falta apenas o primogênito, mas isso ainda vai levar um tempo, porque...
---Porque, eu sou o sexto filho de um sexto filho, ou melhor, filha. Interrompeu Lisa a garota, aborrecida.
---Por Dior Lisa! Quantas vezes lhe falei para não interromper um homem, sabes que isso é um tremendo desrespeito e se estivéssemos em nossa terra serias severamente castigada.
Disse o senhor tão bravo que de sua boca escapava gotículas de saliva.
---Mas como não estão... Disse Surah com toda calma. –Me desculpe senhor Abner, mas aqui os costumes são outros, aqui as mulheres podem falar ou interromper alguém quando lhes convier.
---Eu que peço desculpas senhora. Respondeu de cabeça baixa, mas ainda fuzilando Lisa com o olhar.
---Aceito suas desculpas Abner, mas, espero que se lembre disso enquanto aqui estiver, e... ah! Gostaria de pedir algo com sua permissão senhor.
---Sim, podes pedir o que quiser senhora, que faremos, afinal se não fosse por sua gentileza em nos receber, não saberia o que seria de nós.
---Muito bem, gostaria de pedir, enquanto aqui estiverem que as mulheres da sua família estejam desobrigadas a usarem essas vestes com esses véus.
---Gosto de ver o rosto das pessoas senhor, emendou, ao ver a cara de espanto que Abner fez.
---Si... Sim, que assim seja então.
---Ótimo, e como estava dizendo mesmo Lisa, você é o sexto filho de um sexto filho?
Antes de responder Lisa lançou um olhar nervoso para Abner e depois para o jovem que a incentivou a prosseguir com um aceno de cabeça.
---Sim, e é por isso que fugimos, os regentes querem me matar, pra que eu não venha ter um filho, e eles venha perder o cargo deles, uma perda de tempo, uma vez que eu não quero ter filhos.
---Por que não? Perguntei curiosa.
---Pra ser um fasulah?! Não, melhor não. Respondeu com desdém.
Tamanho ódio transpareceu no olhar de Abner, que imediatamente me arrependi de ter feito tal pergunta.