Onde está a literatura?
Logo após descobrir que seus pais pouco interesse tinham em sua vida e confundiam carinho e atenção com uma boa mesada e presentes constantes, o Jovem começou a interessar-se pela estante empoeirada onde podia ir e encontrar na indiferença dos livros uma distração para sua vida monótona: sua vida sem resumo era, absolutamente, ir à escola pelas manhãs, estudar por algumas horas à tarde e divertir-se assistindo televisão em parte da tarde e da noite. A última atividade já deixava-o emborrecido, conhecia todos os programas e já sabia o que neles iriam acontecer. Seus finais de semana eram menos previsíveis: ia para a igreja com seus pais e, às vezes, encontrava-se com algum primo um tanto distante e os dois, o Jovem ainda mais, divertiam-se. Descobrir os livros preciosos que haviam em sua casa o despertou e logo sua rotina mudaria.
Desistiu, para sempre, de assistir as missas nos fins de semana. Declarou aos pais que a religião era o ópio do povo e que dessa droga ele não queria mais provar. Seu pai não se importou, a mãe reclamou um pouco, tivera educação religiosa, mas acabou aceitando a situação e, logo, ambos não estavam mais indo para a igreja também.
Sua revolução cultural, rapidamente, teve sua primeira derrota: os pais, ainda donos daquele jovem, não permitiram que ele saísse em busca de aventuras e colocasse o pé na estrada com alguns amigos. O Jovem reclamou, bateu o pé, chorou escondido antes de dormir, mas cedeu. Poderia esperar mais alguns anos antes de aventurar-se.
Descobriu, então, que tudo que sabia era que nada sabia. Todos aqueles anos de leituras (passara-se tantos anos que não vale lembrar) deu-lhe a conclusão de que mais longe estava, a cada dia, de uma verdade possível. Mais algumas leituras poeirentas e solitárias, fê-lo decidir que cada homem, ele, em especial, deveria renegar todos os conhecimentos descobertos por todos os homens, em todas as épocas, e analisar, a partir do nada, o que seria mais verdadeiro para si. Decidiu-se por tomar esse rumo, não por satisfação com a escolha, mas por desânimo com a vida. Antes de partir e zerar tudo que estudara, esperançou-se: encontrarei outros escritores. A idéia pareceu-lhe excelente e teve orgulho por um momento. No outro momento, teve decepção consigo mesmo, onde encontrar os escritores?, pensou e pensou: Há aquele lugar que pessoas interessadas em literatura se encontram. Mas, não. Ali não devo ir. Por que não? Não há motivos para não ir. Por fim, foi.
O lugar que fora era cheio de mesas. Os escritores e simpatizantes, sentavam-se nas mesas e discutiam assuntos que lhe interessassem. Alguns estavam sempre a mudar de mesas, para aproveitarem mais, discutindo vários assuntos. A maioria apenas observava.
Jovem chegou e não teve atenção. Sentou-se numa mesa e queria participar daquelas conversas, perguntou o tema e disseram-lhe: “Estamos a definir quais autores são literatura e quais não são”. Questionou quais as bases que utilizavam-se para a definição e responderam que o conhecimento do melhor argumentador era a base, o que convencesse os outros, mesmo por força do cansaço de uma discussão sem sentido, ganharia e poderia definir, para si, o que era literatura. O Jovem jamais pensara naquilo. Leu tudo que era-lhe possível e, mesmo quando desagradável ou supostamente inferior, nenhum dos livros que lera fora desqualificado como não-literatura. Tentou pôr a idéia para alguns à mesa, dizendo-lhes que livros são literatura e só. Humilharam-no: “Saia daqui, apedeuta. Não conheces literatura, ignóbil. Não lestes nem uma vírgula da vasta literatura real e clássica que meus alvos dias de trabalho intelectual permitiram-me conhecer”. Todos os outros concordaram com o comentário que recebeu diversos elogios como o “mais inteligente” de todos os ditos àquela mesa.
Procurou, com as sobras da esperança que guardara da manhã que acordou feliz, alguém ali que criasse a literatura que tanto se discutisse. Foi em todos os lugares e nada achava. Encontrou alguns grupinhos pequenos de pessoas que colocavam em um mural suas poesias e aguardavam opiniões dos mestres sentados às mesas, estes nunca liam. Sentiu pena dos grupinhos: não por eles serem ignorados, mas por eles ainda acreditarem que os que se vangloriavam de seus conhecimentos eram capazes de julgá-los. Depois pensou que sentir pena tornava-o tão hipócrita quanto aqueles que passavam o dia a julgar os outros, criando definições e conceitos absurdos. Depois esqueceu de tudo isso e queria sair dali. Olhou para todos por uma última vez e foi para casa, escrever sobre suas estupidezes.