O luto do urubu
Era meio dia. O sol, aliado ao vai e vem dos carros, aquecia o asfalto. No acostamento, uma cena fúnebre. Um urubu velando seu par, ou companheiro – alguns animais eu nunca sei se é macho ou fêmea e vice versa.
Mas o gênero não importa, pelo menos naquele instante. O urubu, o vivo, estava em pé, asas fechadas, pescoço erguido e bico em direção ao norte - como não sou bom de direção, norte aqui é para frente -. Parecia um pingüim em sentido militar.
Em seus ouvidos - urubu tem isso? – soavam aquela música tocada em funerais militares. “Paaaaaaam paraaaaaaaaam. Paaaaam paraaaaam”, era calibrado no compasso dos carros passando.
Suas negras penas estavam firmes. Não se rebelavam com o vento.
O defunto era considerado jovem, afoito, tão afoito que atravessou a BR-101 sem olhar para os lados, o que resultou em seu óbito. Era do tamanho do daquele que o velava.
Mas, concentremo-nos no vivo. Os mortos, que fiquem com os mortos. Os seus olhos estavam lacrimosos. Mas seu bico - se fosse lábios, sua língua os lambia de olho a olho - revelava o outro lado da reunião, o banquete.
Prestada as homenagens, é hora de se alimentar. “Urubu companheiro, que minha barriga o tenha”, dizia se fartando.