Inércia

Foi assim mesmo. Ano após ano, a cada verão nascia um filho. E a cada parto, a certeza: eram retardados. Já nasciam sem chorar. Apenas um gemido, como um débil protesto por estarem vindo ao mundo daquele jeito incapaz.

Num cômodo à parte, um estrado com colchões ia acolhendo os retardados, incapazes de se mexerem sozinhos. Todos ali, lado a lado como bonecos eternamente inertes.

Eram quatro, três rapazes e uma moça. Mas pareciam tudo a mesma massa disforme e exigente.

Ela, a mãe, já nem sabia direito o que era uma pessoa normal, que falasse, andasse, risse, chorasse. Deixara de receber visitas há muito tempo e nem a assistente social ia mais àquele fim de mundo onde seu marido resolvera levá-los para morar.

Ia levando assim, sem reclamar, pois não conhecera vida mais fácil e eram seus filhos, apesar de tudo. Amava-os.

Ao lavar a moça, certa manhã, notou que seu ventre estava um pouco mais proeminente que de costume.

_"Gases, por certo. Não vou dar feijão por uns dias", pensou ela.

Mas o ventre crescia a cada dia, independente da comida que fizesse. Lá no fundinho, ela sabia o que era aquilo, mas se recusava a acreditar e deixou por aquilo mesmo.

Não falou com o marido, não falou para ninguém. Não sabia o que fazer, mas agora sofria demais cada vez que via aquele ventre crescido.

Crescia o nojo pelo marido e se negava a ter qualquer intimidade com ele, e se já falava pouco, agora emudecera completamente.

E o silêncio pesado daquela casebre só foi rompido certa manhã por um gemido, quase choro, que mais parecia um protesto.

E silenciosamente ela foi até o estrado onde estavam seus filhos e ajudou sua filha a ter o bebê, que ela sabia ser filho de seu marido.

Ela ainda não sabia como, mas iria fazê-lo pagar por isso. Ah, se ia!

Por enquanto, precisava ainda dele...