Sem mais palavras

O Escritor não conseguia mais pôr palavras no papel. As palavras ele as possuía. Eram simples, fáceis, vinham em sua mente de todas as maneiras e ele as recebia na ponta de seus dedos ágeis. Mas agora ele não sentia o prazer. Tinha idéias sobre amor, paixão, sexo, dor, violência, inveja, traição, amizade. Eram os temas mais comuns, mas seu corpo não desejava escrever. Não sentia necessidade.

A janela de sua casa era a visão do mundo que ele conhecia. Pensava que depois dali não havia muita novidade. O mundo não era tão grande assim. Quais minhas possibilidades?, imaginava. Não queria ser como os outros e ao mesmo tempo queria ser qualquer um, com os mesmos desejos repetidos que nunca se cansavam. E até mesmo seu corpo cansado e gordo lhe era enjoado. Olhava para si com desgosto. Suas palavras não eram mais suas.

O Escritor sabia que o mundo sempre se repetiria e ele não poderia tolerar isso. Ele só não saberia o que fazer. De tudo tentara viver, mas nenhuma vontade disso vinha-lhe mais.

Buscou nos amores perdidos uma resposta para suas anestesias. Ligou para suas amantes, as antigas, aquelas que participaram do momento de grande satisfação como o mundo que ele experimentara na juventude. “Como eu era? Descreva-me como eu era, meus pormenores, os detalhes dos sonhos que eu lhe relatava na cama, as revoluções que eu planejava, todas as batalhas que eu desejava travar e como eu esperava lidar com as vitórias e derrotas que, com sinceridade e orgulho, eu já previa”, perguntou o autor para cada mulher de sua vida que pode ligar.

Elas contaram-lhe o óbvio: era realmente um sonhador que passava mais tempo a pensar nas cicatrizes que ganharia do que no amor que eles faziam. Estava sempre a pensar em um futuro e tornava-se estranho ao pensar no passado: a infância me é dolorida, fui mimado e odeio a falsa felicidade que sentia, você costumava dizer. Quanto mais antiga fosse a relação que ele teve com a mulher que ligava, mais fantasiosas eram as descrições que elas faziam sobre o comportamento do Escritor: queria mudar o mundo da forma como nenhum adolescente sonhador jamais conseguiria; nunca se cansaria ou desistiria dos seus sonhos; não iria trair seus sonhos rebeldes; jamais tornaria-se um pessimista e jamais deixaria de acreditar que a vida tinha um pouco de esperança.

O Escritor alegrou-se com as palavras das mulheres, mas havia evitado contactar-se com as mais recentes ex-amadas. Alguns casos eram demasiados recentes para que um contato tão inesperado fosse tido como normal. Passou vários dizer a tentar escrever suas experiências de juventude e procurando por toda sua casa uma coragem perdida para telefonar, apesar disso, sentia-se novamente jovem e cheio de esperanças a retormar a vida que possuía. Enfim, ligou para mais uma das primeiras namoradas e esta disse-lhe sempre admirar-lhe a coragem em fazer o que sua cabeça determinava. O Escritor desempoeirou a coragem e guardou a timidez que adquirira com a solidão de tantos anos sem amigos e decidira ligar para sua última namorada. Pediu desculpas pela ligação, queria ser cauteloso. Ela não se importou. Talvez se ainda dele gostasse, teria sentido raiva por sua ligação. “Afinal, como eu era?”, disse, por fim. Você não era muita coisa, ela disse sem piedade e muito menos compaixão tampouco pensou em qualquer sentimento que pudesse sentir, só quis ser sincera com alguém que era-lhe indiferença, você muito me amava e desejava-me de uma maneira violenta, como se temesse minha partida queria tudo para agora e jamais permitia planos. Também enchia-me a paciência com um amor ao seu passado, lembrando-se sempre dos seus velhos tempos de adolescente sonhador. Passava horas a sonhar com isso e até mesmo me esquecia, mas ao lembrar-se da minha presença, logo não queria me perder para nunca e, se fosse possível, casaríamos e teríamos filhos no mesmo dia. Depois, esqueceu-me e apaixonou-se por outra por quem ouvi falar ser do mesmo jeito.

Escritor desligou sem nada dizer. Voltava ao seu papel em branco que pensou que refletia exatamente a sua vida. Branca e vazia. Sentiu-se triste por não se apaixonar mais pelo mundo. Sentiu-se feliz, por um segundo, por achar que sua analogia sobre o papel e sua vida eram algo inteligente, depois entristeceu-se por, afinal, achar aquilo tudo um grande clichê. Desligou as luzes e dormiu para esquecer.

Petrus Evelyn
Enviado por Petrus Evelyn em 07/01/2009
Código do texto: T1372972
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