Amante poliglota

"...Não importas se sou homem, lobisomem ou coisa assim,

Eu quero é me entregar aos prazeres e aos amores sem fim..."

Sexta-feira, final de tarde, modinha de carnaval cantada por pessoas entorpecidas de cervejas em pleno centro da cidade. Ali se encontravam os melhores botecos, os chopes mais gelados, a cachacinha mais pura, o melhor tira-gosto, as apetitosas mulatas, tudo de bom para um fim de tarde de sexta-feira, final de expediente, da semana...

Francismário era um desses freqüentadores, trabalhava numa agência marítima multinacional, tinha um bom cargo; "sou delegado e cargas e descargas marítimas com muita honra!", gabava-se quando estava alterado pelo efeito do álcool. Um sujeitinho metido, que se achava o máximo; aparentava ter uns 40 anos, um tanto calvo, baixa estatura, meio rechonchudo. Oh, sujeitinho feio! Mas tinha dinheiro, alto poder aquisitivo e vivia sempre nas baladas e boemias.

Certo dia, estava em um desses embalos, quando de repente surge uma jovem, não, uma mulher, melhor, um "avião", bela, charmosa, ar de beldade misturada com vulgaridade. Tinha os cabelos ao vento, dona de um par de seios que saltava à blusa, coxas torneadas e pele morena bronzeada de sol. Como o leitor pôde notar, estamos numa cidade praiana, de grande concentração de turistas. Não esquecendo o porto, que é a coqueluche dessa cidade!

Pois bem, todo bom caiçara que se preze, adora dar boas vindas. Francismário não era diferente, principalmente quando se tratava de mulher bonita, e logo aproximando da "beldade": - Posso lhe pagar uma cerveja? Espero que aceite, uma forma de desejar boas vindas à nossa cidade.

- No entiendo mucho bien lo Português, pero, tanta gentileza acepto, mui gracias! mono!

Um chope foi servido; a bela moça degustou aquela bebida clara, espumante, em duas goladas, tamanha era sua sede.

Foi lhe servido outro chope. Ela tentou recusar, porém as insistências vindas de todos do sexo masculino, que ali se encontravam, fez com que aceitasse.

Entre uma rodada e outra, o "mono"como se referiu a "desinibida" a Francimário, e lógico que ele não entendeu o significado, achando que fosse algum elogio! Perguntou seu nome: -Jeisa Bennitez! Chilena, psicóloga especialista em recuperação de atletas profissionais, nas horas vagas também se arriscava a praticar esportes. No seu caso, vôlei de praia.

"...Não importas se sou homem,lobisomem ou coisa assim,

Eu quero é me entregar aos prazeres e aos amores sem fim..."

Recomeçam com a mesma marchinha, aquilo já estava ficando insuportável.

Era gritaria pra tudo que é lado, cerveja então meus amigos... Um horror!

Um celular toca, é o da "melindrosa"; o que se ouve é sua voz delicada explicando, ao menos era o que parecia, em Francês:

- Oui, si? Pardon monsieur... Non! Je suis en traìn de bóire une bière... Ou puis je te trouver? En est t u sûr? Très bien merci... Au revoir!

( Oi, sim? Queira desculpar...não! Estou bebendo cerveja ... Onde posso te encontrar? Tem certeza? Bem, muito obrigado... Até à vista!)

Vendo a "Nefertite" conversar em Francês, Francismário enlouqueceu, foi paixão à primeira vista, se fosse segunda, terceira... Tinha se apaixonado do mesmo jeito. Procurou não perder mais tempo com papinho furado de boas vindas, cervejinha por conta, etc e tal, partiu para o ataque. Convidou-a para conhecer a orla portuária a bordo do seu iate, quis levá-la a mais cara joalheria daquela cidade, ofereceu pagar toda a estada da "baby girl", a essa altura não importava mais nada, tinha se rendido à sedução ninfo-multi-lingüística, tonto!

- Jô propuno uno acuerdo, dizia ela: - apareça en lo hotel Salomon, en la suíte 304 amaná as 23:30, aguardo en quel lugar; hasta vista! - no esqueças llevar uno cigarro habano!

(Eu proponho um acordo, dizia ela: - apareça no hotel Salomão, na suíte 304 amanhã às 23:00, aguardo naquele lugar; até´a vista! - não esqueça de levar um charuto cubano! )

Que diabos essa moça vai querer fazer com o charuto? Bom, nem imaginar!

Próximo dali havia um belo transatlântico ancorado no cais, pela bandeira supunha- se que fosse francês. No cassino do navio, muitas pessoas se espremendo em volta das mesas de bacará, nas roletas...

- Jean Pierre, sua vez!

- Ganhei!

Sujeito de muita sorte esse Jean Pierre, um verdadeiro expert em jogatinas. Dizia-se advogado, mas não sabia legislar. Um quarentão tido como conquistador nato. Sempre rodeado de mulheres bonitas.

Na segunda rodada de apostas na mesa do bacará, eis que surge quem? Ela, a

"glamourosa"!

- Posso tentar a sorte com vocês?

Como se já se conhecessem, o quarentão e a "fogosa" entreolharam-se não uma, mas várias vezes; notava-se nos dedos nervosos, bocas secas, sudoreses entre eles... Seguiram nesse jogo de provocação e sedução até de madrugada.

- Estou no hotel Salomão, na suíte 304, amanhã às 23h30. Traga fogo hein!

Por volta das 08h00 da manhã, "belezura" costuma correr seus 10 km diários no calçadão da praia, faça chuva ou faça sol, lá estava ela; sempre de roupa de lycra, garrafinha de água na cintura, assim seguia ela... Respiração ofegante, suada... Uma BMW conversível se aproxima, diminuindo a velocidade, quase parando, muito próximo ...

- I swear to you if I ad could, I'd run with you tomorrow morning!

(Juro que se eu tivesse fôlego correria amanhã com você!

- Just walk, brit in fact ...!

(Talvez você não queira só correr, e sim...)

Seguiram com um blá, blá, blá, até que:

- Yes, I'll be there... Yeah...tomorrow. Salomon Hotel... Room 304, at eleven thirty pm, got it! Do I have to bring any incense?

(Sim, estarei lá! Hotel Salomão , suíte 304, amanhã às 23h30! Mas tenho que levar incenso?)

Mike Smith, empreendedor no campo de hotelaria, estava em férias, dizia-se solteiro, 48 anos.

Era impossível estacionar próximo do hotel Salomão; as ruas de acesso fervilhavam de turistas, uma loucura!

Havia um carro todo aberto com o som a toda altura, algumas jovens bêbadas dançavam uma música que era mais ou menos assim:

" ...Não importas se sou mulher, jacaré ou coisa assim..." O resto da música vocês já conhecem!

23h00 horas, um homem de estatura baixa e trajes hediondos perguntava para a recepcionista do hotel onde ficava o quarto 304, e foi encaminhado para lá pelo mensageiro.

Meia hora depois outro homem, falando Francês, subia para o quanto 304. O manobrista sorria maliciosamente, embora já tivesse visto algo semelhante antes.

Logo em seguida surge um terceiro homem; - room 304 please?. Era um negro bem vestido, O americano!

A suíte era enorme, bem mobiliada, de frente para o mar, um luxo!

Todos sentados num enorme sofá de couro de cor salmão entreolhavam-se sem entender nada.Perguntavam-se em pensamentos: será que estou no quarto certo?

De repente surge um grupo de mulheres, todas com roupas coloridas, inúmeros colares nos pescoços, algumas tocando uns instrumentos estranhos, desafinados, onde entoavam uma cantiga esquisita; tinham vozes roucas e gemidos diabólicos. Lembrava uma ritual satânico. Sinistramente a porta é trancada, os visitantes em pânico gritavam, um garçom argentino,"bichinha alegre", que entrara por engano naquela confusão gritava também, era uma verdadeira torre de babel!

Foi anunciada a hora do sacrifício. Fracismário chorava como criança, nem de longe lembrava o malandrão das baladas no centro da cidade. O Francês, pasmo, repetia uma frase: "pardon mademoiselle! Pardon mademoiselle!". O garçom, " uma bichinha Argentina", se atirou no colo do afro-americano berrando: Las insanas! Las insanas!; O americano, todo urinado de medo, apertava a bicha latina, gaguejando um, "Oh my god! Oh my god!.

Tiraram-lhes as roupas à força, deixando-os só de cuecas, opa!, tinha uma calcinha também! Foram levados ao banheiro por todo aquele mulheril. Todas estavam em êxtase; eram mais de sessenta pessoas exprimidas naquele pequeno compartimento apertado.

Nossos gentleman estavam literalmente encurralados.

As luzes se apagam, surge a líder da"mulheradofobia"... Uma fagulha acesa numa das mãos, um enorme charuto cubano na outra mão, um cheiro insuportável de incenso, somado à fumaça agridoce do charuto que se esvaia por todo aquele recinto, sufocando os não acostumados com o odor da morte. Francismário desmaiou nos braços do francês, que por sua vez sofria de claustrofobia, e teve um siricutico nervoso; o americano tinha trauma de piromania e se mordia todo. El garçom maricon procurava apalpar, quer dizer, controlar a situação. A rainha das trevas, a líder, pedia que fossem maçarocados tudo que lembrasse virilidade, opa! Tinha alguém dentre eles que não é viril! - Não importa! Disse a líder. -Tem genitália masculina, vai entrar na dança!

O momento mais tenso foi quando o charuto se aproximou dos "trapalhões" , as mãos femininas, cada vez mais agressivas, manuseavam aquele "instrumento de tortura" com muita habilidade. Frases de sodomia eram ditas pelo grupo e obrigadas a serem repetidas pelo quarteto psicose; uma das frases era: " Somos fracos e patéticos, amantes de nós mesmos", imagine, caro leitor, essa frase em multilínguas ao mesmo tempo. Ave Maria!

As demais frases não posso publicar nesse site!

Eis que se ouvem sirenes na entrada do hotel, os hóspedes, revoltados com todo aquele fuzuê, reclamaram ao gerente do hotel, que sua vez chamou a polícia, que prontamente atenderam algumas horas depois.

As moças, transloucadas, evacuam rapidamente a suíte 304 pela escadaria da saída de emergência , onde havia dois furgões que as esperavam no ss do hotel.

Quando a polícia arrombou a porta, encontrou quatro indivíduos no banheiro em crises nervosas. Objetos espalhados por toda parte;cuecas, calcinha, batom, gel, toalhinhas, resto de incenso, fumaça, Cheiro de tabaco... O colossal charuto tinha sumido, o que seria a prova do crime, não se sabe quem escondeu, e aonde...

Recuperado do pânico, os playboys tentaram subornar os policiais, ofereceram-lhes dinheiro, - vamos abafar isso, ninguém precisa ficar sabendo! dizia Francismário.

O Coronel Gumúcio, homem honesto,e respeitado, levou todos em cana por tentativa de suborno, vandalismo e orgia sexual. Saíram algemados para a delegacia, onde passaram a noite no xilindró.

Jeisa, satisfeitíssima, acabara de concluir sua mais audaciosa pesquisa para o seu doutorado de psicologia, toda aquela experiência, filmada e documentada, seria exposta no XXI Congresso Internacional da Supremacia Feminina defronte aos stress e o sentimento do medo. Sucesso total!

A notícia se espalhou por todo o mundo; O garçom, aquele mesmo, escrevera um livro, explicando como viver em uma noite de "Cleópatra e seus súditos garanhões em pânico".

A mulher de Francismário pediu divorcio. Ele virou chacota de todo o porto, envergonhado, pediu transferência para o Piauí.

Jean Pierre nunca mais pagou de conquistador, virou apicultor na Guiana Francesa, refugiando dos comentários e zombarias dos amigos.

Mike Smith pousou nu para uma revista gay norte-americana, decidiu investir em Resorts GLS.Teve um afair com o ex-garçom, agora, escritor de livros de auto aguda e consultor de moda importante.

Maria Duarte e Silva, psicóloga que usava o pseudônimo de Jeisa Bennitez, passou a lecionar numa grande universidade, tornou-se numa respeitada profissional na sua área, defensora dos direitos da mulher, prestava palestras em vários países, dominava quatro idiomas, frutos de uma infância difícil, a qual teve que trabalhar muito cedo como vendedora de livros (dicionários) nos grandes centros comerciais da cidade, onde muitas vezes fora humilhada por homens inescrupulosos, burgueses sórdidos e malandros de plantão.

Hoje, quando escuta em seu luxuoso carro uma certa música de carnaval, "Não importas se sou homem, lobisomem e coisa e tal..."

Sorri, por ter dado uma lição naqueles pobres diabos que se achavam tão importantes (machos), mas no fundo eram todos uns otários.

- Au-revoir!, so long!, hasta la vista! e até mais!... Ah, amante poliglota...

- (Até à vista!, até logo!, até à vista!)

Sérgio Russolini
Enviado por Sérgio Russolini em 06/01/2009
Reeditado em 17/08/2022
Código do texto: T1370074
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