A mãe

O gosto por perfumes e a paixão por sapatos! É o que respondo imediatamente quando alguém pergunta o que herdei de minha mãe. Porém, é uma resposta rápida e descuidada, já que os bens que ela deixou vão de uma estante lotada de livros até o hábito de lavar os pés com água de almíscar...

Nunca houve a vez em que eu a tenha visto sair de casa sem estar impecável. Fazia as próprias roupas, colecionava perfumes e ouvia ópera. Não usava “sapato baixo” e orgulhava-se de possuir habilidade para dançar “de salto 15”. Era um acontecimento vê-la vestir-se para o baile anual do Bogari Clube em Petrópolis, “Baile da Saudade”. Os vestidos eram longos, esvoaçantes e ela rodopiava vestida com eles, rindo alto! Foi uma mulher alegre e triste, um mistério, como devem ser as mulheres inesquecíveis...

Gostava muito de música clássica. Há uma obra que ela idolatrou: “Scheherazade e as mil e uma noites”, de Korsakov. Nunca vou saber o que a fazia chorar ouvindo um dos tantos LPs que formavam o tesouro adorado, em caixa que chegou pelo correio, através de um catálogo chamado Borges & Damasceno. Eu posso tentar imaginar o que a tocava na música exótica do russo, mas só posso tentar...

Minha casa era enfeitada por delicadas peças de Murano e imagens de anjos em porcelana, os móveis eram comprados em lojas de usados e reformados com todo o cuidado por ela. Tínhamos na pequena sala um enorme lustre de contas de cristal que era limpo religiosamente nas manhãs de sábado, usando uma solução de água morna e vinagre. Ela nos convencia a ajudar nos lembrando da mágica que luz e cristal projetavam na parede!

Não estudou além do banco do colégio, não fez qualquer curso técnico. Tudo o que sabia aprendeu nos livros que leu com voracidade. Gostava de ler em voz alta, fazendo gestos com as mãos e dando pausas dramáticas para provocar expectativa na platéia de olhos vidrados. Na estante, livros como Guerra e Paz, de Tolstoi e a Divina Comédia Humana, de Dante ficavam esperando, ela dizia, que nós dominássemos suas letras!

Mas a maior de todas as paixões foi sem dúvida o cinema! Cada um dos atores que aparecia na tela de nossa tv era descrito em biografia minuciosamente: Gary Cooper, Joan Fontaine e a irmã Olivia de Havilland, Laurence Olivier, Charlton Heston, a belíssima Ava Gardner, a tristíssima Marilyn Monroe, o homem “mais bonito do mundo” Victor Mature, o “mais sexy do mundo” Yul Brynner... Eram ídolos e motivo de longas conversas a respeito do glamour do cinema e do tanto que influenciavam em sua vida.

Foi uma mulher de estatura baixa, branca como uma boneca de bicuit, de formas curvilíneas e extremamente bonita. Tinha olhos que aguardavam para decidir a cor de acordo com a vontade do sol, verdes como a pedra do anel que usava, azuis como o céu perto da montanha, cinzentos como a névoa da serra... Os pretendentes foram muitos nos dez anos de viuvez, mas não chegou a nos deixar ver qualquer um dos namorados que teve, fazia questão de nos fazer crer que houve um amor eterno por nosso pai. Teve filhos tarde, morreu cedo. Não conheço ninguém que tenha tido o seu nome: “Elívia”!

betina moraes
Enviado por betina moraes em 29/12/2008
Código do texto: T1358725
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