Réquim II

Dois violinos desafinados soavam no Jardim de Corpos Perdidos. Poucos metros dali, entre véus negros e lamentações, dois amigos sentados no frio, olhando fixos para garrafas vazias de cerveja. Óculos escuros escondiam os olhos vermelhos de lágrimas derramadas.

“Havia em seus olhos mil pedidos de desculpas e uma inexplicável súplica por socorro”, repetiram. Eram as últimas palavras escritas por seu amigo poeta, a tradução da dor de quando, entre as costelas – justo no lugar daquela retirada por deus para fazer a mulher – pelas costas, uma faca atravessou seu coração.

Sentados, os vértices restantes da Ébria Trindade refletiam os caminhos tomados e os a seguir. Morrera o mais passional de seus amigos, traído pelo amor. Por muitos anos se lembrariam daquele momento.

Um novo brinde e veio a saudade. Não era saudade de sua forma exagerada de amar – Sr. C. garantia que nunca havia amado. Não sentiriam saudade da sua arte, afinal o Sr. P. R. e o falecido nunca chegaram a um acordo sobre se o que ele fazia era arte ou não. Os risos – escondidos nas lembranças partidas – exaltavam os espíritos brincantes daqueles três patetas. As noites em claro, passadas entre tragos de absinto. As histórias vividas na fumaça dos cigarros acessos entre suspiros de amor perdido.

No peito dos dois camaradas apertava a falta que faria a lealdade mútua, a liberdade para revelar o que as máscaras escondiam do mundo. Repetiram o mote: “Nos encontramos pra beber, ou bebemos para nos encontrar”.

Beberam uma última vez, os três reunidos. Sr. C. prometeu nunca deixar que aquela traidora esquecesse do que fez. Sr. P.R. jurou que todos saberiam quem era aquela mulher de belas formas e língua torpe, em cujos lábios doces seu camarada perdera a razão por conte de uma meia dúzia de mentiras amargas. Eu – deitado num caixão apertado, sem um cigarro pra fumar, com a goela seca e os meus companheiros a tragar – feliz por saber que nunca nos casamos, mas só a morte nos vai separar.

Aos amigos inseparáveis, verdadeiros irmãos.