O presente de Anita

Ano de 1885, o realismo dominava a literatura, a ciência vislumbrava as almas idealistas com idéias de grandes transformações e lá estava ela, pequenina, esperando o pai que havia viajado e estava retornando da Europa. O pai viajara de navio a vapor de primeiro mundo; confortável, veloz e de grandes proporções. Certamente, se a viagem ocorresse dentro da normalidade, logo, ele estaria em casa. O coração de Anita batia forte, era muita ansiedade. Tinha muitas saudades do pai que já estava fora há três meses a negócios de família e por outro lado sabia que o pai lhe traria pelo menos um presente. Aquele presente que havia pedido a ele por carta. O presente que causaria inveja a todos os amigos e familiares e que era o sonho de toda menina no mundo.

O tempo passava e enquanto esperava, lia as cartas que recebera, enquanto o pai estava na Europa. Todas estavam datadas, portanto guardava-as em seqüência, aliás tinha uma verdadeira coleção de cartas e fazia questão de se reunir com a mãe e a avó todas as noites e lê-las à luz do lampião. Tantas foram as leituras que já havia decorado quase todas e elegido aquelas de que mais gostava. Doze anos de idade, começava a vivenciar as primeiras paixões, mas a paixão pelo pai ainda falava mais alto. Em todas as cartas, Abelardo exaltava o seu amor por todos e sempre citava o nome de Anita. Será que ele cumpriria o prometido?

Seis horas da tarde, Marinalva, a mãe, chama a filha para acompanhá-la até a estação, mas antes é preciso que Anita se arrume.

- Quer ajuda para se arrumar Anita?

- Não precisa mãe. Vou vestir aquele vestido que ganhei no natal.

- Temos quinze minutos para nos aprontarmos. Não vá se atrasar.

- Prometo que não.

- Então vai logo menina!!!

Anita subiu correndo as escadas para se arrumar.

Menos de quinze minutos depois, a mãe já estava esperando no andar de baixo. Anita apareceu, estava linda, com um vestido azul-claro rodado, todo bordado. Os cabelos cacheados caiam sobre os ombros e apesar do decote, Anita mantinha o seu jeito infantil de ser. Saíram ambas apressadas para não se atrasar na estação. Chegaram às seis e cinqüenta da tarde. Já estava escurecendo quando avistaram a locomotiva chegando ao longe. A fumaça saindo pela chaminé e finalmente o apito já conhecido na cidadezinha, a partir daí a locomotiva foi diminuindo a velocidade até parar. Ambas olhavam o tempo todo para a porta de saída da locomotiva na expectativa por Abelardo. Enfim, em meio à fumaça da locomotiva, desceu Abelardo, elegantíssimo e ambas suspiraram fundo. Anita correu primeira e Marinalva, assim deixou que acontecesse, pois a filha estava morrendo de saudades do pai e ela certamente teria muito tempo para conversar com ele. Abelardo trazia consigo uma mala grande e após o reencontro, os três seguiram no caminho para casa. A cidade era pequena e tiveram de parar muitas vezes pelo caminho para conversar com velhos conhecidos. Anita, porém, fazia questão de que chegassem logo em casa.

Ao chegar em casa, todos queriam conversar, colocar os assuntos em dia. Anita, porém, queria saber de seu pedido e Abelardo, vendo a ansiedade da filha, retirou da mala uma caixa, enfeitada e amarrada com o mais belo laço já visto por Anita. Anita começou a abri-la. Abria a caixa com muito cuidado, pois não queria estragar a caixa ou o laço. Enfim chegou ao presente. Era lindo... Uma caixa toda enfeitada... Semelhante a um piano. Abriu a caixa. Dentro havia uma bailarina. Colocou-a sobre a caixa aberta, deu corda e começou a tocar aquela música maravilhosa “Canção Para Elisa de Beethoven” e a bailarina seguia dançando. Dava corda de novo e a música tocava e a bailarina dançava. De repente virou para o pai, beijou-o e disse:

- Obrigado papai. Eu ti amo.

- Também ti amo filha.

- Esse é o melhor presente que já recebi.

- Fico feliz, pois trouxe da Suíça, especialmente para você.

Pegou o presente e subiu para o quarto. Colocou-o perto da cama e ali ficou durante horas olhando para aquela caixinha, ouvindo a música e observando aquela bailarina dançar. Em certo momento, levantou-se, fez alguns gestos delicados, arrumou o cabelo, o vestido e dançou pelo quarto ouvindo aquela música... Girando e girando... Sem parar. Não demorou muito a cair no sono e nem sequer percebeu a presença do pai que passou para dar-lhe o primeiro beijo de boa noite após o retorno da viagem.

Sessenta anos depois, 1945, Anita sentada na sala.

- Marcela, espera que vou ligar de novo para você e a Marta observarem.

- Liga logo vovó! A senhora demora muito.

Anita sorriu e ao ouvir aquela música novamente, lembrou dela mesma, quando ganhara aquela caixinha de música aos doze anos de idade e o quanto ficara feliz com aquele presente.