Fragmento [Conto de Menina]

Penso e dito

Um tempo histórico

Um tempo perdido

Nos cantos de encosta

Na Serra da Barriga

Sempre me diziam que era tudo mentira. Que a Cruz responderia... Catequizaram-me! Açoitaram meu nobre Ser-outro! Diferente. Posta no esgoto, de canto, enquanto me impunham um estranho. Estranho! Tipo estranho até a ele mesmo. Olhos e nariz não condiziam. O cabelo e a cor da pele datavam do século XV, talvez antes. Disseram que o sentido que tanto buscam está nele. Utilizaram-no para tudo: exploraram, catequizaram, estupraram, escravizaram. Fizeram guerra, invasões, genocídios! Exterminaram povos, culturas, tribos. Pessoas que não precisavam desse sentido. Ridículo! Fizeram pouco de mim. Minha alma... Diziam que eu não a tinha. Mas poderia recuperá-la, caso seguisse a cartilha. Como? Tudo o que fizeram foi para a Morte! Quer que 'assim seja'? Diziam: "Não, minha filha. Ele a ama. Necessita de ti, de sua resignação para que se salve. Sua alma é a chave para abrir a porta dos caminhos eternos da felicidade."

Tenho dito

A busca de sentido

Sem sentido, não faz sentido.

Tenho dito!

Disseram-me que eu era inferior. Não... nunca poderia alcançar a felicidade, a salvação eterna. Que estava fadada a ser sempre serva. Rebaixada. Que a felicidade eterna era para poucos. Inferiorizada. Meus cabelos, minhas roupas... Diziam que era merecedora da chibata.

Selvagens ditam as regras

Na Cidade de Pedra

Na Chibata de Metal e Concreto

Dizem que a vida deve ter um-são. Buscam a salvação após a morte.

Estão Mortos! São Fantoches perambulando pela escuridão do dia no qual criaram sua própria armadilha. Que ridículo! A salvação eterna já deve ter começado, pois, já estão mortos! Mortos! Como autômatos nojentos vagando sedentos por esperança, vociferando suas palavras fúnebres pelas curvas funestas do mundo. Dizem que haverá um juízo final. Quando? Depois do fim? Quando? Pois, se isso não é um fim, tudo isso é eterno.

Personagens mortos

Em tumbas reúnem turbas

Que fogem do Sol, do Céu e da Iluminação

Na plenitude efêmera da busca de um-São

Deitaram-me no chão gelado, tentaram me arrebentar. Catequizaram-me para que não me voltasse à 'rebeldia'. Estupraram-me para que perdesse o prazer da vida. Proliferaram autômatos-ratos pelos becos escuros, escusos da luz e amantes do brilho fugidio que se imposta acima dos tolos.

Fantoches e autômatos

Ratos na busca da luz

Para caverna iluminada...

Às luzes nunca ascendem!

Sim! Sim! Sou livre!

Vivo sem Sentido.

Vivo cada momento com enorme intensidade

Vivo!

No meio da morte sedenta de mim

Estreito o mundo

Esguio

Esquivo os passos

No meio do mar de falsos... Faço cada momento perecer novo. Os autômatos não mais se vêem. Aquilo que esperam para depois da morte... Ah! Já começou!