Já odiei quem agora amo

Na época, a expressão solteirona era como cravar um punhal no coração de uma mulher. Ela sentia os trinta se aproximar, enquanto tentava diminuir se agarrando aos vinte, usando da força de sua beleza. Isabel era isso. Linda! Mas ainda não havia se casado. Não era falta de pretendentes, uma vez que havia tido uns três namoros sérios, sem contar os outros que ficavam pacientemente numa fila de espera aguardando a primeira chance. Isso de certa forma tranqüilizava Isabel que sempre soube que casamento não é brincadeira e, portanto, deveria caprichar ao máximo na escolha. Ela estava ciente de que dessa escolha dependeria sua felicidade, uma vez que fora educada de que casamento é só um.

Isabel esteve bem perto de fazer a escolha por, pelo menos três vezes, mas na hora H, ela percebia que o futuro marido tinha em meio aos vários traços da personalidade, pelo menos um que se chocava de frente com sua maneira de ver a vida. Ela desistiu em todas estas vezes. Mas tinha o tempo a seu favor e beleza de sobra.

Foi assim até o dia em que ouviu pela primeira vez, "cuidado para não ficar solteirona". Na hora ela riu. Era só um disfarce. Quando seu interlocutor se retirou, ela franziu a testa e chorou de raiva. Como aquela pessoa ousava em dizer-lhe algo tão ofensivo. Mas ela calaria a boca daquele infeliz. No menor espaço de tempo possível, ela estaria de véu e grinalda, pois, tinha consigo uma convicção para que se casasse, bastava que ela quisesse.

No dia seguinte, tentava reatar com o último noivo e acabou tendo uma desagradável surpresa. Ele lamentava sua decisão tardia, mas se casaria com outra no mês seqüente. Desejou-lhe felicidade, mas era apenas da boca para fora, por dentro, despeitada dizia pra si mesma: "miserável, cachorro, amanhã me procurarás arrependido, mas será tarde".

Poderia esperar que se arrependesse, mas ela estava preocupada em calar a boca de quem insinuou que poderia ficar solteirona. Foi quando procurou o penúltimo noivo e este a decepcionou ainda mais. Disse que ela havia sido o grande amor de sua vida, que foi difícil esquecê-la, mas agora que tinha conseguido rir dele próprio, do quanto fora estúpido arrastando um caminhão por uma só mulher, ele agora descobriu que o caminhão não precisa ser arrastado basta apenas ser dirigido e que carroceria sempre existiu para isso, para que ficasse cheia de mulheres. Isabel não teria sentido ódio mortal dele se ao final não tivesse dito: "quer ser mais uma entre elas? É só subir".

Soltava fogo pelas ventas quando se retirou e não conseguiu dizer nada. Procuraria agora o primeiro noivo. Ela havia contrariado o destino. Aquele era o homem de sua vida, mas muito inexperiente, quis buscar nele uma perfeição que não existe em ninguém. Agora sabia que nem ela mesma era perfeita. Ainda disse pra si mesma: "como fui burra, ele sempre foi o homem ideal, eu poderia ter me casado há muito tempo e ter evitado tantos aborrecimentos. Vou procurá-lo".

Até que enfim, foi bem tratada. Ele a recebeu com sorrisos e abraços e quando Isabel perguntou se havia outra mulher em sua vida, ele foi enfático dizendo que não. E para deixá-la ainda mais esperançosa acrescentou que mulher na vida dele, só uma. Só ela. Ela retribuiu tais palavras ditas com tanta sinceridade e carinho, com um abraço e em seus olhos havia lágrimas quando agradeceu o apreço.

Poderia terminar assim sua busca, não fosse a aproximação daquele outro rapaz. Quando o primeiro noivo viu o rapaz, tratou de se desvencilhar do abraço de Isabel e dirigindo-se ao mancebo falou: "Querido esta é a moça a quem devo minha descoberta. Quando ela me deixou, não entendi nada e perguntava o que eu tinha de errado para que ela desistisse de um casamento tão próximo. Sensibilidade feminina. Ela generosa ainda me disse que eu não tinha nada de errado, que apenas havia descoberto que não me faria feliz. Sofri um ano, até que você, querido, entrou na minha vida e revelou o que ela havia enxergado há tanto tempo".

Isabel perdeu o chão. Sua sorte é que havia dois rapagões em quem pôde se apoiar, enquanto caminhavam para o restaurante, onde estava combinado o jantar. Desta vez sofreu menos e, ao final do jantar, se surpreendeu sorrindo e noutras horas até gargalhando, das graças que os dois faziam e quando pensava na palhaça em que se tornara naquela noite.

Pensando em tudo isso, Isabel nem sentiu o tempo passar e que mais uma vez chegara o dia de seu aniversário. Só foi se dar conta quando aquele grupo de amigos invadiu sua casa com bolo, velinha e champagne. Dentre aqueles amigos estava aquela pessoa que era odiada por ela e nem tinha consciência disso. Aquela mesma pessoa que um dia teve a infelicidade de dizer-lhe: "cuidado pra não ficar solteirona".

Justamente aquela pessoa foi dando um jeito de ser a última a sair. Quando se viu a sós com Isabel falou: "fiz questão de ficar por último para dizer olhando nos seus olhos, que agora aos trinta anos estás ainda mais bonita e não é só isso, tenho algo a lhe confessar. Eu te amo. Esperei tanto tempo pra essa confissão porque sempre me achei com poucas chances, no entanto agora, temendo por sua opção de não se casar, criei coragem para pedir sua mão em casamento, quer ser minha mulher Isabel?".

Nos segundos que se seguiram, um turbilhão de coisas passou pela cabeça de Isabel, inclusive descobria o verdadeiro sentido da frase dita por ele no passado.

Seria ela que não havia entendido direito ou ele que se expressou mal?

Fosse o que fosse aquela expressão a havia feito sofrer tanto que ela não podia perder mais nenhuma fração de segundo com ela.

Foi quando do alto dos seus trinta anos viu que aquele era o homem de sua vida, afinal, numa simples frase fez com que ela tivesse a certeza que nenhum dos homens que passaram por sua vida poderia mesmo fazê-la feliz.

Ele só merecia ouvir aquela resposta: sim!

Pena que não posso dizer que foram felizes para sempre, mas que estão juntos até hoje. "Felicidade para sempre" é coisa tão utópica que nos sentimos infelizes ao reconhecermos nossa incapacidade de alcançá-la.

Outra coisa aprendi com a história de Isabel. Pode acontecer de um dia brincarmos de odiar quem amaremos por todos os dias de nossa vida

Paulinho Boa Pessoa
Enviado por Paulinho Boa Pessoa em 19/12/2008
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