à Margem
à Margem
Abraçada ao nada, sua herança, envolta de fragilidade, coberta pelo sereno e os raios de sol apenas, a moça andava e andava...
Viam-na passar, transparecendo uma certa paz e aceitação em seu silêncio e olhar parado. Despertou alguma curiosidade e, também em silêncio alguns que a viam louvaram-lhe honras em pensamento –“...Oh! que santa criatura...” Na medida que o filho em seu ventre crescia ,mais assemelhava- se à Virgem Maria. Seu José porém partira e, ela prosseguia com seu vestido longo, branco e já mais justo de tecido fino.
Em silêncio sua fome calava, sua dor escondida de si e não do mundo pois despido de visão não carecia...
Seu doce silêncio derivado da fraqueza física já não gritava por gesto e pão...O grande sofrimento e a fome calaram-na. Suas forças estavam preservadas para que de seus ossos o feto nutrição retirasse ...
Eram de fé seus atos ? Mas fé no que se não viram-lhe a face nem deram-lhe o perdão !
Era um corpo, uma vida seguindo a intuição, e o rastro de uma estrela...
Nove meses de estrada e chegou ao leito do rio, pariu, chorou enfim sua fome e bebeu das águas do amor que jamais existiu...
Foi a deusa da sobrevivência sua parteira.
Acercaram-se da margem inúmeros peixes atraído pelos fluidos do parto...
Um pulou em seu colo ...
Soube ela então, que havia um lar e o mar a sua espera;
à margem do rio, que a ninguém e todos pertence, fizera-se mulher e nova criatura.
Brotou um brilho em seus olhos, levemente esverdeados, juntou ao seio a filha recém nascida e, um sorriso banhou-lhe a alma com admiração ; misteriosas as conexões, os ciclos da vida...
virgínia -vica além mar