O namoro

Lúcio surpreendeu Maria ao contar que tinha criado coragem para ir falar com seu pai. Como Lúcio era uma pessoa brincalhona e levava tudo na gozação Maria não acreditou. Mas um belo dia, como dizem os contos infantis, a campainha tocou na casa dela. Sua mãe, Helena, atendeu a porta e foi logo dizendo:

- Posso ajudá-lo? Se for vender alguma coisa, eu não tenho dinheiro.

- Não se preocupe, gostaria de conversar com a Maria.

- Um momento que vou chamá-la.

Helena tinha uma voz muito irritante, pior do que taquara rachada. Usava uns óculos meia lua que sempre olhava por cima deles quando estava desconfiada de alguma coisa.

Fechou a porta e deixou-o sozinho, do lado de fora da futura casa, esperando por longos cinco minutos. Nesse momento queria que acontecesse alguma coisa, do tipo um avião poderia cair ao lado da casa dela, uma guerra poderia explodir, assim teria motivos para não falar nada. Lúcio tinha muito medo dos pais de Maria. Eram daqueles pais caretas, clássicos, tradicionais, que um beijo mais acalorado seria motivo para acusá-lo de assédio. Mas era um dia importante, tanto para um quanto para o outro. Pular fora agora seria covardia. Sempre imaginou como seria. Ele de um lado, o pai dela de outro, preparando a espingarda.

- Você veio falar o que para mim?

- Vim pedir a mão da sua filha.

- Um, dois, três, fogo!

Cinco minutos depois, aparece a dona Helena e sua filha. Maria já era pálida de natureza, mas na hora em que viu Lúcio na frente de sua casa foi como se um copo de leite ao seu lado teria aparência amarelada, porque sua palidez o ofuscaria.

- Um momento que vou pegar a chave do portão – disse ela.

Aproveite e traga um capacete, uma joelheira, uma cotoveleira e ligue para o meu seguro de vida – pensou ele.

Quando Maria voltou deu aquela olhada de canto para a mãe e abriu o portão. Lúcio fez o que um homem em seu lugar faria, entrou. A olhada que ele deu para Maria dizia tudo: A mãe é contigo!

- Mãe esse é o meu namorado.

A casa caiu. A cena passou a Lúcio em câmera lenta. A mãe entrando na casa, pegando a vassoura, o rolo de macarrão e dizendo “um, dois, três, fogo!”. Mas a única coisa que ela disse foi:

- Você não é da família dos Souza Silva, não é?

Os Souza Silva eram uma família problemática no bairro. Onde tinha confusão havia um Souza Silva. Se fossem coloca-los em uma escala por pessoas que já tinham matado, estariam disparados na frente de qualquer outra quadrilha. A família da Maria não suportava os Souza Silva. Casar-se com um deles era sinônimo de pessoas piores do mundo. Claro que era uma concepção um tanto exagerada.

- Não dona, graças a Deus.

- Ótimo – disse ela por cima dos óculos – Aurélio deu uma saída com a Fernanda. Foram na casa da Cristina ver a Antonia que não estava passando bem por causa do André que demorou a chegar da casa do Marcos ontem à noite.

Pronto! Conheceu a família. Aurélio é o pai de Maria e Fernanda sua irmã. Cristina é a cunhada do Aurélio, casada com o André. Vieram passar as férias do meio do ano na casa da Cristina. Marcos é amigo muito antigo do André. Aqueles amigos que servem para encontrar mulher. Bom, só esse fato explica porque a Antonia estava não estava passando bem. Troque o “não estava passando bem” por “estava com ciúmes” e vai entender o que digo.

Mas voltando ao grande pedido. Lúcio entrou na casa e ficou no sofá esperando o futuro sogro chegar. Estavam os três na sala no maior silêncio. Lúcio pensou em comentar sobre o tempo, mas viu que não era o momento certo. Helena deixou toda a responsabilidade para Aurélio. Maria não sabia o que fazer. Até que o barulho de pneus cantando na frente casa soou. Aquele barulho era o som da morte para Lúcio. Estava orgulhoso por chegar até ali, conversado com a mãe. Mas o pai era outra coisa. Seus ouvidos estavam atentos. Ouviu a porta abrir, os passos dele, a porta da casa se abrindo, o rifle sendo montado. Até que apareceu uma careca na porta da sala, depois a cabeça e por fim o restante do corpo bizarro do senhor Aurélio. Era gordo do pescoço para baixo, mas tinha uma cabeça pequena. Estava vestido com uma roupa social. A primeira coisa que Lúcio queria fazer era rir, mas depois resolveu tomar a iniciativa.

- Pai, esse é o Lúcio, meu namorado – disse Maria antes de tudo.

Claro que Lúcio ficou com cara de bobo. Aurélio apenas olhou e seguiu o rumo para seu quarto. Minutos depois volta com uma bermuda e um chinelo de dedos. Passa reto e vai à cozinha. Senta, liga a televisão. A cara de bobo do Lúcio transformou-se em cara-de-quem-não-sabe-o-que-fazer. Olhou para Maria e perguntou se queria que ele fosse embora. Ela disse que não havia necessidade e o que era para ser tinha que ser. Lúcio levantou-se e foi até a cozinha. Aurélio olhou, mas nem mexeu a cabeça. Puxou uma cadeira e apontou. Lúcio entendeu o convite e sentou-se. A maneira em que estavam dava a impressão de que Aurélio era o padre e Lúcio quem ia se confessar.

- Vai jantar aqui hoje? – disse Aurélio com o controle da televisão na mão.

- Não senhor, preciso ir rápido para casa, minha mãe limitou meu horário.

Pensou que essa desculpa de que o horário estava limitado pela mãe foi uma estratégia muito boa. Com isso o pai pensaria que ele era um moço que respeita muito a ordem da mãe, o que faria com que ganhasse um “grau” com o sogrão. Depois percebeu que foi a pior coisa que tinha dito. O pai poderia pensar que o moço recebia ordens da mãe ainda, era um bebê. Só faltou perguntar se já tinha trocado a fralda. Mas a reação foi completamente inversa ao que Lúcio pensou.

- Se for falar alguma coisa espere o intervalo do jornal. E lembre-se, o intervalo dura apenas um minuto.

Foi uma tortura. O intervalo nunca chegava. Dona Helena foi à cozinha descascar batatas. Pegou uma faca que tinha um tamanho normal, mas naquele momento a faca era o instrumento mais perigoso e transformou-se em um facão. Claro, tudo na imaginação do Lúcio. Finalmente o intervalo chegou, sem demora encheu o peito de ar de tomou coragem:

- Posso namorar sua filha?

Caramba! Ele conseguiu. Tinha falado, agora falaria duas, três, quatro vezes se fosse preciso. A resposta do pai veio tão rápido quando a pergunta

- Um, dois, três e começou o jornal.

Ô angústia. Mais um bloco de noticias e agora era sobre os cachorros da Índia.

Depois de muitas unhas ruídas o pai se manifesta:

- Namoro só aqui em casa. Não quero vê-los pelas esquinas. Tem horário para tudo. Passeios só depois de um ano. Ah e claro, beijos que demorem mais de três minutos serão considerados como assédio.

Assim foi o inicio do romance entre Lúcio e Maria. Eu escrevi o inicio, por que o final foi completamente rápido. A fase dos passeios nem chegou a existir. Aurélio fez uma investigação sobre a vida de Lúcio pouco tempo depois de o namoro ser oficializado. Pouco tempo, digo, cinco minutos depois que ele foi embora naquele dia. Helena só olhou por cima dos óculos como sempre fazia. Tinham descoberto que Lúcio era o pior de todos os homens e nem foi preciso muito para isso.

Quando Lúcio saiu da casa de Maria, o pai só disse:

- Cuidado com a Lilica.

- Quem é Lilica?

- Esse “pitbull” atrás de você.

Lúcio correu como se estivesse fugindo da policia, parecia um profissional no ramo de fuga de policias, o que gerou suspeita. Na correria a carteira caiu. Lilica trouxe até Aurélio como se estivesse pensando – Fiz a coisa certa. Apenas cinco minutos, inclua o ultimo bloco do jornal, bastou para que ele visse que Lúcio era a pior pessoa do mundo. Apenas leu seu nome na identidade.

Lúcio Alcântara Souza e Silva

Eduardo Costta
Enviado por Eduardo Costta em 18/12/2008
Código do texto: T1342400