A porta no céu
Até os 12 anos de idade fui perseguido por um medo irracional da morte, alimentado por um estranho e atroz pressentimento de que teria morte prematura, de que jamais atingiria a idade adulta. De noite, tinha pesadelos horríveis. Sonhava com cemitérios, urnas funerárias, e acordava gritando, encharcado de suor. Quando a minha mãe falava em tom preocupado e baixinho com alguém, eu ficava inquieto, angustiado: “Estaria ela falando a respeito de alguma doença grave que eu tinha, da certeza da minha morte iminente?” E só sossegava quando a via de novo alegre e despreocupada. Não suportava a visão de enterros ou de mortos, não passava perto de cemitérios. Se o fizesse, teria pesadelos horríveis à noite, com toda certeza.
Certa vez, ouvi o meu irmão mais velho, o José, contar uma história estranha e sobrenatural para a minha mãe. Disse ele que uma menina, olhando para o céu, tinha visto uma porta e que morrera misteriosamente quando completaram exatos 8 dias da visão. Sempre impressionável, gravei a história no meu subconsciente e evitava a todo custo olhar para o céu, com medo de divisar a porta fatídica. Mas existe uma espécie de mórbido masoquismo no caráter neurótico e eu, contra a vontade, muitas vezes olhava demoradamente para o céu. Em certas ocasiões, eu via, - oh, temível descoberta! – uma abertura entre as nuvens, parecendo uma porta. Seria a porta do céu? Se fosse, a minha sorte estaria selada!...Voltava para a casa triste, sentindo-me como um condenado à morte. Quase não comia nem dormia direito até completar 8 dias da suposta visão da porta do céu. Como não morria no oitavo dia, ficava aliviado e feliz. Até o próximo alarme falso.
Mas não parecia alarme falso uma abertura brilhante que eu, menino de 8 anos, vi no céu de São Luís do Maranhão, perto das festas de Natal e Ano-Novo. Aquilo, sim, com certeza era uma porta!
Baixei a cabeça e caminhei tristemente para casa. Dessa vez eu estava mesmo condenado... Minha mãe viu-me entrar assim e perguntou:
- Que foi, Tonico, que aconteceu? Brigaste?
- Não, senhora...
- Então, por que estás assim tão triste, menino?
Não respondi e comecei a chorar copiosamente. Minha mãe alarmou-se mais:
- Meu Deus, o que te aconteceu, fala!
- Mamãe, eu vi a porta!
- Que porta, menino, que porta? - claro, a minha mãe já estava completamente esquecida daquela conversa do José sobre fatídicas visões de portas no céu.
- Nada, nada, mãe, na verdade estou com dor de barriga.
- Então, te deita e espera aí que vou lá na casa da tua avó, buscar umas folhas de boldo para te fazer um chá. Além do mais, preciso ajudar na arrumação do presépio. Daqui a 8 dias será Natal.
- O que a senhora disse? Quando é Natal?
- Daqui a 8 dias.
- Mamãe, meninos morrem no Dia de Natal?
- Claro que não! Papai Noel quer que eles estejam bem vivinhos para brincarem com os presentes que ele deixa.
- Graças a Deus, mamãe, graças a Deus, não vou morrer mais! - e eu saltitava como um cabrito, numa alegria que não tinha mais tamanho.
- Claro que não, estás doido? Onde é que já se viu morrer de uma simples dor de barriga?