A história de um João ninguém

No dia 9 de janeiro, de 1957, em uma quarta feira, duas horas da madrugada, em uma maternidade ali em botafogo, bairro do Rio de Janeiro, nasce: João Carlos Machado Alves, gordinho, meio que nervoso, o nome foi do médico que fez o parto, a mãe dele não tinha a menor idéia do que chamá-lo. João é assim chegou mas parece que ninguém sabe. O pai dele o registrou no dia l6, pra não pagar uma multa que acabou pagando.
Seis meses depois estava em um hospital, doente e a beira da morte, com coqueluche, sarampo e pneumonia, três doenças de uma vez só, o medico informou que não havia nada à fazer. – então vai morrer em casa, disse dona Maria, e João voltou pra casa.
Aí surgiu em cena dona Severina (madrinha), nordestina, que conhecia muitas ervas e curava as pessoas, dizem até que ela tinha enfrentou o bando de Lampião, não sei se foi verdade, mas João gostava muito dela. Também ele gosta de todo mundo.
Dona Severina pegou João e resolveu cuidar do menino, sei que algum tempo depois, ele já estava se movimentando todo agitado, dona Maria levou o menino ao médico, que ficou espantado, o garoto estava vivo, e bem vivo, foi a primeira vez que a dona morte (Zé Maria para os íntimos, e bota íntimo nisso, bateu em sua porta e até sentou em sua cama, batendo um longo papo com ele, e depois foi embora, prometendo voltar mais tarde),
Alguém pensou que ele ia se entregar assim com toda a facilidade, acabou de chegar e já vai embora? João, não.
Lembro de algumas coisinhas do passado dele, que aconteceram, até acho interessante, gostaria de lembrar de mais, aí eu escreveria um livro, ele entrou na escola em uma explicadora, chamada dona Tereza ou algo parecido, ela o ensinou a ler, escrever, fazer contas, etc. depois foi estudar em uma escola pública, Escola Ceará, fica na rua dona Emilia, onde aos domingos, tem uma feira. No bairro de Inhaúma.
No primeiro dia de aula, como sempre era muito tímido. Uma colega da rua bem mais velha, Márcia, o levou a pedido de sua mãe, e o deixou em um canto e foi cuidar da própria vida, enquanto cantavam os hinos (isso existia, cantavam o hino nacional e o cidade maravilhosa, e também o do japonês que tinha quatro filho, pelo menos era assim que ele cantava), hoje talvez fosse o hino do creu. João ficou em um canto escondido, e como hoje, ninguém ligou. Ao saber do que estava acontecendo, sua mãe ficou uma arara, foi buscá-lo, deu uma bronca no sujeito que tomava conta das crianças (inspetor) - como pode um menino ficar aqui e ninguém procurar saber o que esta acontecendo? Dona Maria, levou João pra casa e o levou no outro dia para a professora.
Ele tinha entrado no segundo ano, tinha sempre uma prova pra saber as condições do aluno, C.A? Isso nunca pertenceu aqueles daquele tempo, só surgiu tempo depois.
Os professores iam todos os dias dar aulas, antes e depois do feriado, falta? Duvido, que isso acontecia, existia a prova oral, que todos tinham que participar. Um dia em uma reunião de pais e professores, com a participação dos alunos, claro. Dona Marli, professora de João, olhou pra dona Maria e mandou -- Dona Maria o seu filho é muito inteligente, mas ele não quer nada, e entregou o mapa da sujeira. João tomou o primeiro tapa na cara ali mesmo, a surra veio em casa, mas o professor tinha moral, e contava com o respeito e apoio dos pais, em sua maioria, e os pais gostavam e queriam que seus filhos fossem alguém na vida coisas que muitos não conseguiram ser.
O primário vou repetir, pri má rio era de seis anos, depois admissão e aí, fazia prova para o ginásio quatro anos, quando terminava o ginásio, havia uma prova, para o cientifico mais três anos, pra tentar a faculdade, com professores comparecendo, quase todos os dias, com a aprovação quase total dos pais.
Ás vezes a professora, olhava para um deles, e dizia fulano (a), leia a página tal, da mágica do saber (que tinha tudo, foi o melhor livro de ensino que já vi na minha vida), e o colega, ou o João mesmo, levantava sem xingar, reclamar, falar nada e lia a lição que a professora mandava (não, tia, não), ali mesmo recebia a nota. Ás vezes era o ditado, que se escrevia quando a professora ditava. Ta pensando que você ficava com o que escreveu, ela recolhia tudo e levava pra corrigir em casa, e a nota, também saia dai. Acho que as professoras tinham mais tempo, ou se importavam com os alunos, vai entender essa gente.
Uma vez uma professora, dona Neide, que adorava um aluno chamado Eliosmar, prometeu que daria um álbum ao aluno que tirasse a maior nota, e a prova era sobre as capitais do mundo, João adorou o álbum, principalmente aquele, que tinha tudo conhecido naquela época, e decorou todas as capitais, e tirou dez, lembro-me como se fosse hoje a dona Neide entregando pro João o álbum, como ela estava triste e até prometeu ao Eliosmar que encheria um pra ele, João ficou mais feliz ainda.
As provas continuaram existindo, pra que ninguém pense que isso era para ajudar ninguém, teste de conhecimento, essa era a educação existente, no antigo Estado da Guanabara.
De repente o pessoal resolveu destruir o ensino, foi o começo do processo que a ditadura queria transformar o povo mais ignorante, afinal é fácil controlar uma mente sem cultura, como o Estado da Guanabara era o centro cultural, era preciso começar o processo de destruição, e acabaram com o estado da Guanabara e tudo passou a ser Rio de Janeiro, e a educação da “Guanabara”, ficou sendo aquela evoluída que era ministrada no Rio de janeiro, cuja capital era Niterói, niquiti city para os íntimos.
Daí por diante, ficou mais fácil, a mágica do saber não tinha uma figura sequer, os livros que chegaram, só tinha isso, já pensou ter que aprender o que é um triângulo, e encontrar no livro um desenho do mesmo, moleza.
Vamos voltar ao nosso personagem, lógico que este ensino futurista, só chegou quando o João não precisava mais dele. Já tinha estudado aqueles anos todos. Inclusive estudou em um colégio chamado; João Alfredo, que ficava ali atrás do Pedro Ernesto, passou neste colégio, sem fazer prova alguma, é que a quantidade de inscrito era menor, que as vagas. Mais tarde conseguiu transferência o Olavo Bilac, em são Cristóvão, perto do campo do Vasco da Gama, onde terminou contabilidade.
Naquele tempo pra se conquistar uma garota era mais difícil que agora, às vezes tinha que ter lábia, e jogo de cintura pra, dominar mãe e pai, não tinha essa de enganar, não.
Lembro-me que ele era apaixonado pela Kéia, (nome inventado pra ninguém saber quem é), o pai era aquele sujeito, durão e muito mal educado. -- comer minha filha só depois de casar, ou então tem que me matar primeiro. João convidou a menina para um cinema (existia em todos os bairros),em Inhaúma era cine cruzeiro, ou poeirinha, e saíram. Quando estava no amasso, e ia tentando, aquilo que hoje chama de pega, quem aparece? O que aquele sujeito estava fazendo ali? João se perguntou – então qual o filme que vocês vieram ver? Ele sabia, claro, --se meu fusca falasse. É mole... que coisa, como o tempo mudou.
Ele olhou pra João e mandou logo, -- então meu rapaz, o fusca está amassado? – ele nem respondeu. – então porque está amassando minha filha, por acaso ela é um carro? João pensou, carro? Sua filha é um filé de borboleta só que ele gostava muito daquela magrinha, e o velho não ia ficar o tempo todo agarrado, uma hora teria que soltar. E eles se encontraram muitas vezes ainda João disse que foi até bem legal. Mas como ela todas as pessoas passaram em sua vida, não deixou saudade, nem guardou muitas lembranças que pudessem alterar a sua vida, e nem ao menos mágoas, sempre tinha uma explicação para atitude dos outros. Um dia enquanto voltava pra sua casa em Nova Iguaçu, ele viu a Kéia até a reconheceu, bem mais velha, mais sofrida, deixou pra lá e nunca mais a viu, João é assim, chega, fica um tempo, vai embora, ninguém nota, ninguém viu e só se deixa pra lá. Os garotos da rua onde morava, iam ao terreno de um cara, que chamavam de Paraíba, e roubavam frutas, um dia ele saiu com um cacho de banana, depois de derrubar a bananeira. Quando foi chamado pra roubar um táxi, pulou fora e passou a andar sozinho. Certa vez falando sobre isso, me disse que não ia roubar ninguém, não se interessava com o que era dos outros, as frutas estragavam no pé, mas o taxista, ele não roubaria. O que era dos outros aos outros pertenciam. Ta certo.
Quando entrou no exército, pra defender a pátria, que coisa, foi logo pro contingente: explico contingente era aquele grupo de soldados que tinham algum estudo acima dos demais, eram pré-escolhidos, não tinha sorteio, a ditadura queria a ignorância, mas não ia colocar um analfabeto nos seus escritórios.
Imagine! João no exército, ele, um cara que é sempre contra tudo, se todo mundo é a favor, ele era contra, não quero nem saber, este sujeito dizendo sim senhor, não senhor... Ainda teria que cortar seus cabelos, que estavam nos ombros. Ele era e é roqueiro até o ultimo fio de cabelo.
No primeiro dia, apareceu um Sargento (Carpinete), mandou todo mundo ficar em posição de sentido, mas ele me contou que estava mesmo sentido, aliás, sentido não, sentindo vontade de sair correndo, o sujeito disse: – aqui é assim, sim senhor, não senhor, e quero ir embora, se disser quero ir embora, vai ficar detido (poucas opções não é?). Mas ele foi até o final, não podia dar o braço a torcer, João não, era uma verdadeira carne de pescoço! Tinha um soldado Paulo Martins, que cantava pra ele a música: de uma família tradicional, nasceu um menino que era mesmo infernal, e assim por diante.
Nesta época um presidente, nem lembro quem era um desses da ditadura, foi à China, ele nem se importava com isso, inclusive achava que ninguém tem direito de descriminar ninguém. – só pra provocar, na hora da forma, de manhã pediu: -- permissão pra falar, -- permissão concedida. – senhor! O que nosso presidente foi fazer em um país comunista? Foi um tiro, eles ficaram sem resposta nenhuma. João até pensou que tinha exagerado, um soldado do contingente, sim porque não eram ignorantes, fazendo esta pergunta, podiam dizer que ele era alterado, mas não era, questionador, sim. Bagunceiro jamais.
João achou que passaram o dia pesquisando uma resposta, à pergunta.
Na forma da tarde, eles explicaram, que ele foi fazer apenas acordo comercial, afinal o Brasil necessitava entrar em acordo com todos os países. No fundo tinha conseguido o que queria, tiveram que responder pra para um João ninguém o que questionavam dos pensadores, foi uma noite feliz, principalmente quando ele pensava naqueles rostos cheios de arrogância, vermelho e sem graça.
Passava trote de uma sala para outra, colegas, também faziam, os soldados do grupo eram: Paulo Martins, Macedo, Machado Alves, Cardoso e Miranda, uma vez o soldado Cardoso, recebeu um telefonema, dizendo que era o comandante, pensando que era trote, embrulhou e mandou. – comandante é o carvalho. Cadeia 10 dias, na forma da tarde o sargento Jaime, segundo João, um péla saco, disse que alguém estava passando trote e por isso o outro havia sido preso, o que não era verdade, o Cardoso foi preso porque xingou um palavrão para o comandante, que era até um pouco parecido com Hitler, só o bigode era diferente. E falou que o soldado que estava fazendo isso, se entregasse, João deu um passo à frente e se entregou dois dias detidos, porque se entregou, senão dez dias também.
No final de semana seguinte, lá estava ele, junto com o Cardoso limpando a sujeira dos outros, mas se vingou, estava pra dar baixa, e o comandante tinha um coqueirinho, pequeno, cortou o mesmo lá embaixo, mas foi sem querer, foi quando estava capinando, quase na raiz, e depois colocou de volta, cobrindo. Quando voltou pra apanhar o certificado de reservista, o coqueiro tava lá em pé, com as folhas murchando.
Neste tempo de quartel conheceu a Marcela, moça de interior, ele gostava da menina, mas não deu certo, porque se achava um sujeito sem futuro algum, e a menina era de família, não faria isso. Há bem pouco tempo, morando em Inhaúma, ela falou com a mãe de João que já namorou ele, quando a reviu, até sentiu uma certa saudade, depois de tantos anos, mas acho que não daria mais certo.
Passou um tempo, foi trabalhar em uma seguradora, em uma seção onde sua irmã Irene havia trabalhado anos atrás, em um arquivo que era um verdadeiro lixo, acho que nunca ligou para isso. E continuou os estudos.
Foi lá que conheceu sua ex-esposa, Mariana, apesar de eu achar que o inferno nunca acaba, mas pra ele, ex é ex mesmo.
Feia, magra, desnutrida, grossa, agressiva, calma, ele não fala mal do prato que comeu, eu que achava que era um jaburu, ele gostava dela, achou que era uma guerreira, e era mesmo. Pelo menos pros interesses pessoais, lê-se dinheiro, posição.
Quando começaram a namorar, o pessoal da seção dela ficou horrorizados, você tá namorando aquele cara, ele tem cara de mau, se soubessem o que ela ia fazer, também ele fechava a cara pra não dar chance de ninguém se aproximar.
Ela chegava a chorar quando via alguém em dificuldade, mas nunca a vi levantar uma mão pra ajudar ninguém, aliás, ajudava uma instituição de caridade, só pra abater no imposto de Renda, nem ao próprio pai ajudou que ficou abandonado, até pela própria esposa. Defeito todo mundo tem, ele nem reparava isso, fazia parte dele, aliás, ninguém faz nada por ninguém, você faz por você. Afinal, ele gostava dela mesmo, ninguém é perfeito, nem João.
Começaram a namorar, e como sempre, João que nunca aprendeu se dedicou ao máximo a distinta criatura, fez o que achava certo, por isso nunca se arrependeu de nada em sua vida. Todo o final de semana partia pra Nova Iguaçu, era lá que ela morava. Conheceu a mãe dela, uma das piores fofoqueira que já viu, falava mal de todo mundo na rua, só os filhos dela eram maravilhosos. Aliás, até das noras ela falava mal, do João não, contava pra todo mundo que sua filha tinha um namorado que gostava muito dela, e assim por diante, quando João descobriu essas coisas, já estava mais do que separado da esposas.
Também tinha Dona Esmerinda, que João adorava, ela era pra pessoas, como se fosse um guru, estava desorientado, a Esmerinda, ajudava, a Mariana gostava muito de ir lá, afinal como gostava de ombro alheios. Confessa que sente saudades dela, mas escolheu um outro caminho e deixou pra trás o que já tinha ido.
Acabaram se casando no dia l6 de fevereiro, ela já morava em uma casa que ele fez no terreno do pai. No princípio foi até legal, ela era muito negativa, nada prestava, ele pensava diferente, achava que o mundo é muito maior que as idéias dela, se faltasse dinheiro, ela chorava, se não fosse promovida, reclamava, aliás, ela reclamava de tudo. Mas ele nem ligava, nem se importava, não concordava com ela mas dava incentivo para que não esmorecesse . Só percebeu que ela era um saco, depois de muito tempo de separados, quando ele já não se importava com que ela falava daí por diante ela fez parte de um passado bem longínquo. Quando certa vez ela discutiu com um colega de seção, achou que João tinha que parar de falar com o cara, ele seguiu e nem se importou com isso, sempre dizia, não brigar com quem briga com você nem com ninguém.
Quando visitava a Esmerinda, Mariana sempre dizia, que João era o melhor amigo que alguém podia ter, amigo de verdade, mas assim que ela melhorasse de vida eles se separariam, a Esmerinda dizia que a felicidade dele era vê-la feliz. – eu dou meu corpo pra ele que ele gosta, pra mim isso era prostituição, João era o cabide dela. Para ele ela era uma criatura insegura, cada um dá o nome que quer, continuo achando o que acho até hoje.
A vida dele era de certa forma muito boa, uma esposa que aparentemente gostava dele, uma casa feita por ele mesmo, emprego, e até entraram no financiamento de um apartamento, ali no bairro de Todos os Santos. Sabe que ela reclamava até porque ele ajudava a arrumar o jardim do prédio? Que era novíssimo.
Em 1996, deu vontade de ter um filho, ela ainda tentou um menino, em uma maternidade ali na Praça XV, mas João não se empolgou, quando a avó da criança disse: -- prefiro que o meu neto passe fome do que doar, a alguém. Ela chorou e como sempre, quem foi confortar foi ele mesmo, ainda foi acusado de não ter se interessado pelo menino, isso era verdade, ele me contou que realmente não estava muito interessado no assunto, pouco se importando, afinal não havia a simpatia necessária.
Como a esposa chorou muito, entrou na jogada, queria vê-la feliz, e se inscreveram em um processo de adoção, junto ao juizado de menores, ali na Presidente Vargas, partiram para a adoção de uma criança, até visitaram uma creche ali na Gávea João queria uma menina, e conseguiram, quase um ano depois, na casa dele tinha uma menina (Ana Carolina). A menina nasceu em quatro de junho, e miava na hora de chorar, para ele um barato. Quando queria que ela dormisse cantava, a música carinhoso, do Pixinguinha. João passou dois anos, indo e vindo do juizado pra ver o processo de adoção, a Mariana nunca compareceu, até quando saiu a certidão, foi entregue a ele e quem queria filhos era ela, é mole ou quer mais.
A menina era linda, João não queria filhos, mas se apaixonou por aquela criança acabou virando o seu xodó.
Logo, exatamente no mês, que ela chegou, Mariana ficou desempregada, aí é que João sofreu, como a mulher chorou, mas a vida tem que continuar, claro que João não deixou a peteca cair. Abandonou a faculdade, e saia do trabalho correndo, apanhava a menina na creche, passeava. Com a Ana Carolina á tira-colo, claro, tudo pra sua esposa fazer cursos, ela queria fazer prova pro magistério, e acabou conseguindo, hoje é professora de matemática, inteligente ela era. segundo a mesma, teria conseguido tudo sozinha, sem ajuda de ninguém tenho a impressão que nasceu até por que quis sem o pai nem a mãe. O que esperar de alguém, que não fazia nada por ninguém, que acreditasse que foi ajudada? Duvido! Agradecimento é uma palavra que nunca pertenceu àquela família.
Só havia um problema, o salário que ele recebia, não dava pra pagar o apartamento e todas as contas, quem pagava o financiamento do apartamento era a Mariana mesmo, ele pagava todas as outras contas, condomínio, luz, telefone, gás. Isso sem nunca ter gostado daquele apartamento, nem ligou muito, não gostava de ficar preso. Ela ficou uma fera e revoltada, afinal era uma suposta conquista, mesmo sabendo que não deixava ninguém feliz.
Optaram, dois anos depois, por mudar para a antiga casa em Inhaúma, aquela que João construiu. Venderam o apartamento, procuraram outro lugar, ela não suportaria morar perto da família dele, deve ser porque sempre foi ajudada, sei lá.
Compraram um terreno em Nova Iguaçu, com uma casa. A casa precisava de uma reforma, digamos, total, o teto vazava, o encanamento, estava furado, o muro torto caindo aos pedaços, o terreno era um matagal, tinha até rã lá. Traduzindo um lixo. João começou a reformar em um sábado de carnaval, saia de Inhaúma e partia para Nova Iguaçu, num calor de quase quarenta graus, isso todos os dias de carnaval. A madame ficava em casa, sequer aparecida por lá.
Na terça feira, voltou cansado, acho que nunca vi João tão cansado, não me lembro um dia sequer, ele passar com rosto tão pesado, e avisou. -- amanhã não vou fazer nada, nunca estive tão cansado, nem quando jogava bola o dia todo..
Na quarta feira de cinza, decidiu curtir a sua filha Ana Carolina, que era (ainda hoje é) o seu coração, estava montando aquela famigerada piscina de plástico no terraço da casa, com a menina montada no seu ombro, como sempre. O coração dele reclamou todo o cansaço, o estresse, o calor na cabeça, e mais algumas coisas, enfartou, aos 42 anos e um mês, 14 de fevereiro de 1999. O mais interessante que fariam anos de casados logo no dia dezesseis.
Corre, corre danado, já no INSS, lotado, lotado não abarrotado de doentes. Olhou pensou, vou passar o dia aqui, quem vai tirar esta dor no braço? Sem o menor remorso, ou cerimônia se jogou no chão, só pra ser atendido o mais rápido possível, e foi, levaram em uma maca pra dentro.
Quando estava sendo atendido, a médica de plantão, que não era boba nem nada, percebeu que ele havia se jogado, esculhambou.
-- Sem vergonha, bebeu todas e depois vem se jogar pra entrar na frente dos outros, odeio quem não respeita os outros... Por aí a fora, só parou quando a Mariana disse que ele não bebia.
Médica já conhecedora acabou desconfiando do caso e o seu pedido de desculpa, foi a coisa mais espetacular que já vi, pegou o João levou pra dentro, o tratou com todo carinho possível, e quando confirmou o caso, ainda veio avisar que estava tudo sobre controle, quase que ele a beijou. Até arranjou uma clínica. Achei engraçado quando ele me contou, que alguém tinha feito a viagem sem volta, naquela hora e a médica veio dizer que estava tudo sob controle, o João pensou, to nem aí, a dona morte (Zé Maria pros íntimos),que veio me visitar mais uma vez, já tinha levado alguém, e não ia se importar logo com ele um João ninguém, que sempre foi um osso duro de roer, e o Zé Maria (dona morte) sabia que ia ficar esperando que ele decidisse acompanhá-la ela já o conhecia, de anos atrás, quando era ainda um bebê.
Foi parar em uma clínica, talvez um matadouro (não vou dizer o nome, o João pode não gostar), sei lá, só sei que, quando percebeu que ninguém sabia o que fazer, viu o Zé Maria de perto de novo, chamou a esposa e pediu pra sair dali. –vou morrer aqui, eles não sabem o que estão fazendo.
Foi Parar no Barra´Dor, nome bonito, atendimento perfeito, em uma quarta feira de cinza fez a angioplastia. Veia principal, durante todo tempo que esteve lá, estava com aquele astral, que Deus tinha dado no nascimento. Quando fui visitá-lo parecia que estava em um picadeiro. Imagine, quando saiu da UTI e foi pro quarto, saia e ia passear, pelo hospital, até a psicóloga ficou tranqüila.
Imagine como o astral dele estava. Uma final da copa Rio - São Paulo, Vasco x São Paulo e ele dentro do hospital, assistiu seu time o Vasco vencer as duas partidas, e o coração não reclamou. Ainda teve uma complicação, mas os médicos eram interessados, e sabiam o que estavam fazendo.
Dez dias depois, saiu de lá e foi pra casa, ficou de licença, aproximadamente trinta dias, ele não agüentaria ficar em casa mais tempo que isso, “uma coisa que cansava era ficar parado, se for um dia tudo bem, dois dias, vamos ver, mais que isso, que saco”. Muito poucos sabem o que sentem na verdade, alguém que infartou. João me contou dos sonhos estranhos que acontecia com ele, parecia o jogo do come-come e ele detestava este jogo, um dia percebeu que ele era o come-come, me disse que pela primeira vez em sua vida se sentiu solitário e a ânsia de encontrar amigos, a necessidade de fazer alguma coisa, imperam nestes casos, quando um dia me contou o que mais sentia. Descobriu que apesar de tudo que fez, pelos outros, esses faltaram, Mariana, Alex, Naza, fugiram como covardes, a única pessoa que o ajudou muito, ouviu seus sentimentos foi a Esmerina.
Ele voltou a arrumar a casa em Nova Iguaçu, aí entrou em cena o pai dela, José louro) seu Zeca, foi pra lá e começou arrumar, o que podia, ele era um pedreiro, e foi mais fácil. Pronto a casa estava pronta.
Voltou ao trabalho, deixe-me explicar certo ponto: havia na empresa que ele trabalhava (aquela seguradora, seguradora? Mesmo e das maiores), um sujeito que chegou com a permissão de quem está lá em cima, que chegou por causa de papai. Um tal de Marcio, Ele chegou com idéias novas, mas não conhecia as antigas, se sentia um verdadeiro ser superior, se você passou dos quarenta, já estava velho pro cabide do papai, João conhecia o sistema novo trazido pelo moço, como se elimina este quarentão que era um excelente funcionário e ainda não ficava parado? Ele conseguiu e no dia 7 de julho de 1999, com o apoio de um Diretor, também incompetente e um chefe de seção inoperante, ele que acabava de sair do hospital (três meses depois) estava demitido, depois de trabalhar 21 anos nesta empresa, sem nenhuma licença. (seguradora? Mesmo?). meu carro estava segurado nela, mas retirei assim que descobri o que aconteceu. Se faz isso com um empregado o que não fará comigo, to fora.
42 anos, cardíaco, desempregado uma filha de dois anos, abriu um buraco no chão e ele caiu. A esposa já havia conseguido um emprego, no governo, deixa pra lá.
Mesmo assim ele aceitou mudar pra nova casa, no mundo dela surgiu pessoas que nunca foram amadas, ou gostadas, que começaram a envolver uma mente desequilibrada, que só via dinheiro, e em casa um peso morto.
Ela não conseguiu segurar, acho que viu uma muralha cair e precisar de sua ajuda. No fundo se sentia tão inferior, que na verdade era mesmo, que precisou fugir, dizia coisas incríveis para seus irmãos. No fundo era um desculpa pela sua própria covardia.
Só sei que a vida sempre coloca as coisas no seu devido lugar, emprego? Esquece. Saúde? Esquece, e acabou colocando suas necessidades em cima de alguém que só vivia assim necessitando dos ombros alheios, de esquece em esquece continuou no seu mundo, até surgir a primeira briga (ela um dia disse que não conseguiria sustentar um homem de jeito nenhum, mas ele não precisava de sustento, e sim de carinho, respeito, talvez um pouco de amizade).
Desceu no último degrau, que um humano pode descer, até surgir às separações e a luta constante de lhe tirar até a casa em que ele morava, se ela pudesse colocá-lo embaixo de uma ponte, seria ótimo pra ela, a filha ficou na disputa, e em segundo plano, foi afastada ao máximo do João, era mais importante a tia da escola do que o pai, nunca entendi, porque uma orientadora, de criança entra neste meio, entre um pai e uma filha, não é muita ignorância?
Nesta época começou a freqüentar um centro espírita, ali em Comendador Soares, ela também freqüentava, a madame falava coisas que João só descobriu muito tempo depois, mas aí já não importava nada do que ela falava.
Ainda freqüentou um perto de sua casa, os dirigentes, fizeram de tudo pra ele ir embora, até reunião acabaram, ele acabou saindo mesmo.
Desempregado, cardíaco e ainda surgiu uma depressão, veneno puro, nem sei como ainda está vivo, qualquer um morreria, João não, é tinhoso demais pra morrer. Os processos de separação eram capciosos, quem o defendia às vezes era o próprio juiz.
Uma vez o juiz mandou os dois para fazer a separação consensual, João me contou que ela falou um monte de mentiras, que as atendentes do Fórum em Nova Iguaçu, trataram-no como cachorro, deram bronca e não quiseram ouvi-lo.
Ele lembrou que tinha uma amiga, dos tempos de passeata, cunhada de sua irmã Tereza, e foi até a OAB, Ana Paula, escreveu uma carta para o Fórum solicitando que ele fosse ouvido. Só assim que a defensoria pública o ouviu, e foi tratado como gente, até aquele momento João era ninguém, mas as coisas estavam começando a mudar.
aquela mulher infernizou ao máximo, chegou até ameaçar a mãe dele uma senhora de setenta e cinco anos na época, com pagamento da pensão alimentícia da filha, com o apoio exclusivo do seu irmão, um tal de Robson, padrinho da menina. A grande verdade que ela nem se importava com isso, o que queria era que João sumisse da casa que havia construído em Nova Iguaçu, e também uma barraquinha de doces, era como se fosse uma troca, que ave de rapina, pensei.
O coração não estava agüentando, pensou que ia enfartar de novo, o que não aconteceu. Em 2001 ele era um trapo humano, sem emprego, sem saúde e até sem a sua filha, que ela fez de tudo pra separar.
Foi nesta época que foi em centro espírita, Kardecista, com umbanda branca, apesar das pessoas não serem diferentes dos outros centros, sabia que o seu nome aparecia em algumas conversas, onde em qualquer lugar, as pessoas comentavam, mas não tinham coragem de encarar, surgiu até uma conversa, que João foi ali pra arranjar mulher, João ri quando lembra disso, é que pra vencer o espaço, a pessoa tem que saber chegar, ele acabara de sair de um buraco, ia entrar em outro?
Tinha uma pequena diferença, ali se trabalhava com a caridade, a dona do centro (mãe do santo, não, ela não aceita esta nomenclatura), tinha vontade de fazer, e fazia de tudo para ajudar as pessoas, João me disse: -- este centro é a minha cara. E foi ficando, ficando, e até hoje está lá. Muito parecido com Ezequiel Dias, lá em Bonsucesso que João freqüentou por mais de dez anos. A dor da solidão para um cardíaco é um veneno.
O mundo foi seguindo: até pensei que João ia morrer, até que de repente ouviu uma música: tente outra vez/ Raul Seixas.
Veja, não diga que a canção está perdida/ tenha fé em Deus tenha fé na vida/ tente outra vez.
Beba, pois a água viva ainda ta na fonte/ você tem dois pés para cruzar a fonte/ nada acabou não, não, não.
Tente, levante sua mão sedenta e recomece a andar/ não pense que a cabeça agüenta se você parar/ não, não, não.
Há uma voz que canta, há uma voz que dança uma voz que gira/ bailando no ar.
Queira, basta ser sincero de desejar profundo/ você será capaz de sacudir o mundo/ vai tente outra vez.
E não diga que a vitória está perdida/ se é de batalha que se vive a vida/ tente outra vez.
De tanto escutar esta música o seu ânimo foi mudando, porque não ia ficar no chão por causa de tudo isso, o mundo não podia se encerrar assim, e não se preocuparia com uma criatura daquela e começou a catar ferro velho. Subir a ribanceira leva tempo, a mudança foi muito importante pra sua cabeça e sua vida estava mudando, investiu um dinheiro que conseguiu em sua barraquinha de doces. João passou a reparar que as pessoas, choravam mais que ele e nem ao menos tinham motivos para isso, elas sem querer fizeram com que ele aumentasse as forças, via que os que estavam em sua volta eram mais fracos, procuravam dificuldades, para serem vítimas. No próprio centro, mesmo com estudo, as pessoas queriam que as entidades fizessem tudo por elas, se pudessem viver suas vidas, pra elas seria o ideal. No fundo viu que muitos a sua volta, parecido com Mariana. Começou a ouvir as suas músicas, as antigas, lembrou de uma. Ele também orava por ele, e a oração de João era de uma música antiga que nem sabia quem era o autor, nem como ela voltou á sua mente, depois de tantos anos, muitos anos mesmo.
Não queria ser o mar/ me bastava à fonte/ muito menos ser a rosa/ simplesmente o espinho/ não queria ser caminha/ porém o atalho/ muito menos ser a chuva/ apenas o orvalho/ não queria ser o dia/ só a alvorada/ muito menos ser o campo/ me bastava o grão/ não queria ser a vida/ porém um momento/muito menos ser conserto apenas a canção/ o ouro afunda no mar/ madeira fica por cima/ ostra nasce do lodo/ gerando pérola fina.
Sem parar um só momento, andando, lutando, sem agredir ninguém, ele era cardíaco, seu coração estava grande demais, com depressão, e sozinho nem tinha dinheiro pra comprar os remédios, e ninguém batia em sua porta para oferecer uma palavra sequer, aliás ouviu muitos debocharem de sua dor, mas como dizia Cazuza o tempo não para e o tempo foi seguindo, João percebeu que não era a sua filha a coisa mais importante pra ele naquele momento, a coisa mais importante, era se sentir importante, pra si mesmo. Aí surgiu uma nova antiga canção, ela o chamava para o seu verdadeiro amor: eu me amo/Ultraje a Rigor, sua terceira oração.
Há quanto tempo vinha me procurando/ quanto tempo faz, já nem lembro mais/ sempre correndo atrás de mim feito um louco/ tentando sair deste meu sufoco/ eu era tudo que eu podia querer/era tão simples e eu custei pra aprender/ daqui pra frente nova vida eu terei/ sempre ao meu lado bem feliz eu serei. Eu me amo...
Como foi bom eu ter aparecido/nessa minha vida já um tanto sofrida/ já não sabia mais o que fazer/pra eu gostar de mim me aceitar assim/ eu que queria tanto ter alguém / agora sei sem mim eu não sou ninguém/ longe de mim nada mais faz sentido/ pra toda a vida quero estar comigo/ eu me amo...
Foi tão difícil pra eu me encontrar/ é muito fácil um grande amor acabar, mas/ eu vou lutar por esse amor até o fim/não vou mais deixar eu fugir de mim/ agora tenho uma razão pra viver/ agora posso até gostar de você/ completamente eu vou poder me entregar/ é bem melhor você sabendo se amar/ eu me amo...
Na semana passada, entrei em contacto com ele, há muito eu o havia esquecido, ele sumiu. – e aí João como está este coração?-- continua enfartado, (esse não muda graças a Deus). – e os serviços? --Continuo desempregado. -- mas quem daria emprego? Perguntei. João com aquele jeito de sempre apesar de ter cinqüenta e um anos respondeu:
-- tenho um emprego dos deuses, e uma promessa minha, de ficar vivo até minha filha ficar grande, até ela me redescobrir, isso queria dizer que dona morte ia esperar sentada.
– então sua vida melhorou muito? E João com sempre pra cima me responde:
-- aprendi a criar na dificuldade, (porque gosto muito de mim) descobri que amigos podem ser encontrados em toda parte, (o maior está dentro de nós) e descobri que o que eu tinha em casa era um inimigo que já superei. Uma pessoa covarde o suficiente pra não lutar.
-- coitada perdeu a oportunidade de vencer uma luta onde o único que sabia lutar era você.
Alguém pode perguntar, e financeiramente? João está muito bem. (melhor do que antes quando era casado), a barraca de João, cresceu bastante, a Mariana fazia propaganda que comprava, mas era do bolso dele que saia metade, pelo menos a pensão cobrada com a justiça está em dia, o material escolar da filha foi comprado por ele. Sua filha continua do mesmo jeito só telefona pra pedir, igual a mãe, sua filha nunca deixará de ser sua filha. A cabeça virou um dínamo pra contar escrever, falar.
Conversando comigo, lembrou de tudo que leu nesse tempo todo, não importando, credo ou religião ou partidos políticos, não importava, ele com certeza não se importaria..
Há! Ao me contar a sua estória me pediu: -- não pense em partidos, ou na sua religião, nos seus dogmas, eu descobri, que não existe uma religião melhor ou pior que a outra, a diferença está no meu eu.
E não nas idéias dos outros, ou até simbolismos.
Se você está se procurando, procure em um lugar bem escondido, que ninguém pode chegar, só você, não estou inventando coisa nenhuma, mas sabe de uma coisa? Todos os profetas falaram a mesma coisa, da mesma forma, e nenhum deles se achou melhor que ninguém, faça o mesmo. – sabe Luiz, se eu contasse as coisas que aconteceram, todas passo a passo, talvez você ficasse espantado, mas eu estou vencendo, já sou um vencedor, agora o João ninguém, não é mais ninguém, é apenas João.
Rapaz, quando desliguei o telefone saí e fui comemorar, já cheguei pedindo uma cerveja bem gelada, com alguns amigos que nunca entenderam, porque João ficava com aquela criatura, tão derrotista, e sem iniciativa.
João nem falava muito de si mesmo, nunca falou, quando dizia alguma coisa, sempre apareceu uma pessoa com todas as explicações do que esta acontecendo em sua vida, por isso não falava, não se conta o que está guardado em seu mundo.
Eu sabia por que, João era desses caras que estão na vida pra nunca desistir de nada, enquanto as pessoas precisam de pedestais.
Pra se sentirem maior do que é, João não. Continua o mesmo, talvez me ensinando, que podemos cair, e não significa que erramos, apenas contamos com as pessoas erradas. Bebi todas e depois adormeci na casa de um amigo, tamanha era a minha felicidade.
luiz machado
Enviado por luiz machado em 15/12/2008
Reeditado em 18/12/2008
Código do texto: T1336115