Rêver...

Saímos todos juntos, a noite parecia quente. Você não foi, pois nos encontraríamos em sua casa às duas da manhã. Não sei como tudo se passou realmente, embora tenha vivido os fatos. Contaram-me que fomos ao Café com Letras e que cheguei em sua casa duas horas antes o previsto, completamente bêbada. Sua mãe, que também estava embriagada, deixou-me entrar e esperar.

Sei que devo ter achado tudo isso muito estranho e agora, ao tentar ordenar os acontecimentos, até improvável. Fui até seu quarto, deitei-me em sua cama e, de tão confortável, adormeci.

Meio que ainda sonolenta vi a porta se abrir docemente, quase sem ranger : era você, que veio caminhando leve, doce e linda... sorria gostoso. Era como se te visse, a me ver sonhar… Mas me assustei com a mudança brusca de sonho à realidade, embora a contigüidade os ligasse, o que fez com que de calmo o pulso se acelerasse e como que numa mistura de sensações senti meu corpo todo pular : a visão que tinha era embaçada, mas real.

Ainda não estava completamente lúcida e foi quando me cumprimentou. Respondi me virando de lado, tentando voltar ao sonho. Mas você se assentou na beirada da cama, puxou-me contra seu corpo e beijou meu rosto, ombro e mais abaixo ainda, minha canela. Como num reflexo, ergui o corpo e nos abraçamos… Um abraço tão demorado que ainda agora, ao relembrar, consigo sentir seu cheiro e, sutilmente e ao mesmo forte e decisiva, sua pele. Foi isso, naquele instante, que me fez enxergar. Ficamos assim, tronco a tronco, seios colados, cabeças sobre os ombros quando eu, insana, deixei meu corpo ir e te perdi de mim, transformando o lugar onde antes vivera o carinho, em um vão.

Feito o silêncio nos olhamos e, como se fôssemos habituadas uma a outra, iniciamos uma conversa informal. As coisas iam bem até que seu amigo entrou, sem nos pedir licença como se não fosse a hora imprópria. Logo estava se apresentando e não parava de falar! Pouco a pouco, isso fez com a nossa dissimulada informalidade se transformasse em transtorno e foi isso, justamente isso, que me levou ao erro de te dar aquele escrito. E mesmo com a entrada brusca do rapaz, nossa conversa triunfou, embora agora muda. Ainda com o envelope fechado nas mãos, olhou-o grave e indiferente. Sua insatisfação, no meio daquilo tudo, era nítida e se destacava mais ainda vinda de seus olhos grandes e verdes. E antes que me mandasse ir embora, saí dizendo que queria te rever, embora já soubesse ser o pedido inútil e a promessa insustentável.

Meus amigos me esperavam na sala e foram eles as minhas pernas para sair daquela casa que, pequena por fora, tornara-se imensa. No caminho, um deles foi quem me contou o que havia se passado antes d’eu ver você -mas eu sentia o cheiro louco do seu travesseiro…- ele me falava sobre sua mãe -… o toque macio dos seus lábios, os seus seios contra os meus…- ele me falava da cafeteria… e percebi que talvez ainda me sentisse tocada ! Lembro-me de olhar bem para a namorada e esvair em lágrimas, enquanto ela em indiferença.

Naquele mesmo dia, a noite, retornei a sua casa e, outra vez, sua mãe me deixou entrar. Em seu quarto vi o papel rosa sobre a mesa. Peguei-o. Dos vazios você fizera uma caderneta : estavam escritos telefones e nomes de alguns rapazes. Um José sei lá o que, com endereço e encontro marcados para aquela noite. Havia outros de quem não me lembro o nome. Calmamente, aconcheguei-me em sua cama e olhando o papel, permaneci estática. Naquele eterno instante, tudo que eu pedia era para novamente sonhar.