O sêmen do padre Jesuíno
A faxineira entrou no quarto religiosamente às oito da manhã. Ouviu o barulho do jato de urina que vinha do banheiro contíguo ao quarto do padre, e imaginou que aquele santo homem era afinal, igual a todos os espécimes masculinos: tinha pênis e também precisava aliviar a tensão da bexiga.
O simples fato de pensar nesse apêndice anatômico de um homem de Deus lhe ruborizou a face macerada, cravada de rugas pelos anos sofridos. Ângela beirava os 50 anos, era uma beata. Não era feia de estampa, apesar do andar meio de banda. Tinha seios opulentos e firmes, talvez por que nunca tivera filhos, bem como nunca se casara. Houve dias em que alguns paroquianos de língua mais afoita aventavam mirabolantes histórias sobre o padre Jesuíno e ela. Mas eram só boatos. Ângela não era apenas fiel a Deus, mantinha-se casta perante aos prazeres da carne. Nunca havia provado nem o gostinho. Bem, pelo menos isso foi só ate aquela manhã. Mas logo dou mais detalhes. Ainda sobre Ângela:
Conformava-se com a artrite reumática, e oferecia a Deus todas as suas dores. Dizia que a doença nos ossos era sua grande amiga, que a deixava mais próxima ao Senhor Jesus. Já abrira as cortinas do quarto e preparava-se para trocar os lençóis quando o bom sacerdote saiu do banheiro, e, como sempre fazia, saudou a empregada com um largo sorriso e um bom dia.
- Bom dia, sua benção, padre.
- Deus a abençoe, Ângela – e foi para o refeitório, tomar seu café matinal.
Sozinha no quarto, a mulher deu prosseguimento à sua labuta de rotina. De chofre, algo lhe despertou a atenção. Havia uma mancha sobre o lençol da cama, e, ao tocar o dedo médio, sentiu a viscosidade do líquido. “Será creme de barbear?”, pensou a mulher. Levou o mesmo dedo a um centímetro das narinas e inalou. Não, não sabia o que era aquilo, mas pareceu-lhe ter cheiro de Kiboa, a meleca. Mas podia ser também o creme do bolo que o padre levara para o quarto na noite anterior. Aquele glutão, sempre comia alguma coisa antes de dormir. Ângela levou o dedo à boca, sorveu vagarosamente a massa gelatinosa, estalando várias vezes a língua para apurar o paladar e engoliu.
- Hm, parece pudim. Mas sem açúcar.
O padre se contorceu e sentiu o alarme do choque elétrico subir-lhe a coluna vertebral. A loirinha de corpo calipígio gemia feito gata no cio. Estava próximo ao gozo, com o jovem negro por trás lhe encravando sua ferramenta descomunal. Ambos os corpos suavam no frenesi daquela dança ritmada e erótica. Gozaram. Os três. Jesuíno desligou a TV, virou para o lado e adormeceu como um dos querubins do Paraíso.
- Quer dizer que as dores sumiram? – perguntou a cozinheira – Como assim?
- É um milagre, Valdirene – disse Ângela, radiante – Foi logo que saí do quarto do padre.
- Ele a abençoou? Você fez alguma reza especial? Viu algum sinal do Céu?
- Não, não. Fiz o que sempre faço toda a manhã...ah, tem uma coisa que preciso lhe contar...
- Conta, não me esconda nada...
Padre Jesuíno, que havia ido a cidade visitar uns doentes, chegou próximo ao meio-dia e foi direto ao refeitório. Fazia seu almoço sempre na companhia de outro padre, mais novo, o Ramirez, de Ângela, que ficava de cabeça baixa o tempo todo em sinal de subserviência, e de Valdirene, que falava sem parar, contando ao padre as fofocas da TV e das novelas.
A cozinheira ao sentar à mesa, foi logo dizendo, com lágrimas nos olhos:
- Padre, aconteceu um milagre. Ângela foi curada do reumatismo.
- Isso é verdade? – pediu Jesuíno, cético que era. Desconfiava até das Escrituras e remoía-lhe a alma a biografia do Messias ser tão parecida com a de Mithra, Adônis e outros deuses redentores pagãos. Que os evangelistas copiaram alguns milagres das terras helênicas e romanas disso ele não tinha dúvida. Para ele, muitas curas e milagres do galileu foram extraídos dos contos em torno de Dionísio, o deus que ressuscitava todo ano e Asclépio, capaz de ressuscitar mortos. Havia decerto curas possíveis, mas estas tinham efeito sugestivo. A fé é capaz de muita coisa. O tal efeito placebo. Ah, que poder tem a sugestão sobre os mais emotivos e crédulos.
- Verdade verdadeira, padre – atestou a própria agraciada pelo anjo da misericórdia – veja, consigo até fazer flexões. E olha meu ombro, não conseguia levantar o braço sem doer os ossos.
- Você mudou o medicamento?
- Não, padre, são os mesmos remédios de sempre. Aqueles corticóides que me fazem engordar. Mas não vinham mais fazendo efeito. Até que hoje...
- Até que hoje... – repetiu o padre.
- Até que hoje Deus resolveu me curar. Ele ouviu minhas preces, padre.
- Ouça Ângela. Sinto-me feliz por sua cura. Mas Deus vai testar sua fé. Pode ser que as dores voltem, mesmo assim, continue na sua fé. E não esqueça de rezar o rosário hoje à noite.
- Ângela, fale do creme – insistiu Valdirene, dando uma cotovelada na amiga.
- Creme? Que creme?
E Ângela explicou tudo aos dois padres, que ouviam estupefatos a narrativa da mulher. “Meu Deus”, pensou padre Jesuíno, “minha porra tem poder de cura”.
Um mês se passou desde aquela manhã do “milagre”. Jesuíno decidiu se confessar. Não conseguia mais dormir direito. Embora seu ato de prazer solitário rendera a felicidade e a cura de um ser humano, ele precisava entrar em um confessionário e contar sobre suas diversões noturnas.
E Ramirez era o mais apto a ouvir suas confissões.
- Date gloriam Deo – fez o padre Ramirez por trás da janelinha do confessionário. Deus abençoou seu líquido seminal, meu irmão. A igreja tem registrado preciosas relíquias de santos como ossos, sangue, cordas vocais, dedos. Mas sêmem sagrado é a primeira vez na história.
- Não brinque com algo tão sério, Ramirez – pronunciou o penitente.
- Não estou brincando, Jesuíno.
- Eu quero minha absolvição, padre.
- Ora, Jesuíno, bater uma punhetinha não é pecado. Eu mesmo faço as minhas de vez em quando...
- Uma santa mulher bebeu meu sêmen. Por descuido meu. Preciso de sua absolvição...
- Ao contrário, irmão. Você merece toda a glória dos céus, todos os cânticos sagrados dos anjos celestiais. Jesuíno, você é um santo.
Nesse instante, padre Ramirez sai do confessionário, toma a mão de Jesuíno e a beija com fervor.
- Padre Jesuíno, preciso que você cure minha gastrite.
(Fernando Bastos – www.pensarporsi.zip.net)