CONTO DE NATAL 2008
Quando olho, aqui de casa, vejo de um lado a montanha coberta de mata densa, verde, subindo sempre. E do outro lado, contornando-a, a cidade estendida a meus pés, espalhando-se vale abaixo até sumir de vista por detrás de outra montanha verde escura.
E todos os anos, nesta época, a parte que sobrou da minha alma de criança estremece, cresce, e acabo assistindo com olhos maravilhados de menino aos preparativos para o Natal.
As luzes e os enfeites, assim vistos de longe, na praticidade da minha varanda, são tão bonitos, tão maravilhosos, que nunca senti verdadeiramente a necessidade de chegar mais perto.
Foi assim até um dia, em que o acaso me colocou no centro da cidade, sem carro e com tempo disponível. Nesse dia aproximei-me vagarosamente, apreciando o momento. Já estava erguida na praça, como todos os anos, uma grande árvore de Natal. Não enorme, que a cidade é pequenina, mas grande mesmo assim.
Os preparativos já iam avançados, já estava firme no seu tripé, e já havia, de um lado e de outro, sobre uns estrados forrados com pano, algumas caixas de madeira enormes, embrulhadas como presentes, num gigantesco apelo á tradição de oferecer e partilhar.
Outras caixas, menores mas muito grandes , de papelão, também estavam embrulhadas e amarradas com grandes laços de fitas coloridas, compondo o aspecto dessas pequenas montanhas de presentes, acrescentando vida e simbolismo á praça.
Eu olhava para a árvore quando me pareceu ver alguém movimentando-se fortuitamente, atrás dela. Prestei mais atenção, e vi que se tratava dum senhor já de idade, que se dirigiu a um dos estrados e lá colocou, no meio das gigantes, uma pequena caixa de presente com um grande laçarote de fita dourada.
Depois contornou o estrado e parou, quase se assustando e parecendo muito surpreendido ao ver-me a olhar para ele.
- Boa noite ! – cumprimentei
- Boa noite ! – respondeu - Ótima, na verdade ! Está tudo ficando muito bonito, não está?
- Está mesmo, realmente ! – concordei, olhando em redor, enquanto conversávamos um pouco.
Pouco depois despedimo-nos, e ele foi embora sempre exibindo um sorriso de puro contentamento. Estranhando que não houvesse mais ninguém, a não ser nós dois, acabei por ir embora também, contente por ter estado ali.
A imagem dele indo embora satisfeito, sorrindo feliz, acompanhou-me durante todo o dia seguinte, recorrentemente. De tal forma que voltei á noite na esperança de voltar a encontrá-lo, para podermos conversar mais um pouco, mas não consegui.
Os trabalhos na praça, entretanto, tinham avançado, desde a véspera, e já se notavam diferenças. A maior de todas não estava sequer na árvore, nem na sua iluminação, mas na quantidade de presentes a seu lado, embrulhados nas cores mais diversas e com laços de fita de todos os tamanhos e feitios. Eram muitos.
Lembrei-me do velho senhor colocando furtivamente, de noite, um pequeno presente junto dos enormes presentes falsos, apenas de enfeite, que ornavam a praça. Agora, esse pequeno presente, já era apenas um no meio de muitos, impossível de distinguir qual.
Voltei muitas vezes, nas noites seguintes, e o número de presentes não parou de aumentar. E todas as noites apareceu alguém que eu não conhecia, por ali pairando discretamente, parecendo apreciar os enfeites da árvore e da praça, com quem sempre acabei trocando algumas palavras, conversando um pouco.
Hoje, tal como faço todos os anos desde aquela primeira vez, vim até á praça. E mais uma vez encontrei velhos conhecidos, que cumprimentei alegremente.
Junto aos enormes presentes falsos montados em cima do estrado, junto á grande árvore de Natal, já havia outros presentes bem menores, quando cheguei. Não sei se algum deles é do velho senhor, que nunca mais tornei a encontrar.
Discretamente acrescentei o meu, e quase me assustei quando senti que uma outra pessoa me observava curiosamente. Mas era apenas mais alguém que viera ver os trabalhos da decoração de Natal.
Cumprimentei a pessoa, com intensa satisfação. Depois saí passeando pela praça, apreciando tudo.
Mais uns dias e ela estará enfeitada com todos aqueles brilhos e cores de que a meninada gosta, e já as luzes piscarão em ritmos aleatórios de alegria e paz, conferindo á velha praça aquele ar dourado e especial das épocas de festa.
Depois, alguns dias mais tarde, começarão a escutar-se baixinho, nos altifalantes da praça, as músicas típicas desta quadra. E haverá anjinhos adejando as asas brancas, no coreto, em leves movimentos mecânicos.
Sabiamente iluminados, vai parecer que flutuam no ar enquanto tocam as suas pequenas liras, e alguns mexerão até as cabecinhas, onde se distinguirão bocas abertas, cantando, embora todo o mundo saiba que são dos corais da cidade as vozes que se escutam.
Quando se passa junto das escolas de música, escutam-se já os ensaios das bandas, preparando-se para os desfiles próximos, também com temas da quadra.
Nas janelas dos bares, e nas vitrines das lojas ao redor da praça, abundarão enfeites luminosos e cordões peludos e brilhantes, de cores garridas, onde bolas espelhadas coloridas irão refletir luzinhas e velinhas de fingir.
Nos vidros, e um pouco por toda a parte, mesmo com neve de mentirinha ou com a mais prosaica das canetas, mais uma vez surgirá escrita uma expressão que não podemos deixar cair no esquecimento, por ser a mais perfeita tentativa da humanidade de criar um dia no ano – pelo menos um ! – em que as pessoas falem de beleza, de amor e de paz:
Feliz Natal !
Que seja um voto. É o que desejo com sinceridade, e também a todos os que me lerem.
Dezembro de 2008, quase Natal.