O sonho da ave

Era perder-se naqueles céus imensos, naqueles céus sem tamanho sentir todo o seu corpo e parte da alma tocados por aquela imensidão sem par, sem tamanho, era poder estar à altura de amar aquelas alturas tão distantes mas ao mesmo tempo tão demasiado perto. Aliás ela nunca se poderia perder nesta vastidão infinita, porque estaria sempre em casa dentro dela, porque a adorava demasiado para se deixar (e)levar por este objecto tão estranho mas ao mesmo tempo tão intensamente seus. Era descobrir um qualquer ponto cardeal no meio daquele nada, um ponto qualquer para se recordar dos incontáveis momentos de felicidade cada vez que lá passasse, cada vez que tocasse esse desmesurado todo o qual nunca acharia o fim por muito que os voasse. Agora que os seus músculos denunciam os anos a pairar no meio de nada, agora que o seu corpo se nega ao prazer da alma por se encontrar finalmente velho, gasto (pelo menos para a ousadia do voo) ela olha com a maior de todas as paixões (que são aquelas não correspondidas) esse azul inatingível e sonha no que já teve e que jamais alcançará. O sonho da ave era achar o fim dos céus e de assim de certa maneira ganhar a eternidade, sabendo que quando morresse esses céus não tardariam a acompanha-la. Era um amor egoísta este de não querer que o ente amado prosseguisse sem ela, mas não há certos amores assim? Censuráveis sem dúvida, mas nem por isso menos amor. Se fosse um dos elementos da mais ousada das espécies ela saberia que o azul tem fim, que é apenas uma pequena fronteira antes do sonho maior, o de conquistar uma parcela do espaço infinito, mas com isso perder um pouco da paixão imanente àquele azul sem fim cujo mistério estava afinal em precisamente imaginar esse azul como sem fim

O sonho da ave.

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