Um final de semana na praia: Destino (in)certo
Quatro paulistas, Talmar, Fabior, Renato Ingrato e Silvio Santo-Chato, combinaram de passar o fim de semana na praia com suas respectivas amigas-coloridas que conheceram através do MSN. Porém, a única das amigas coloridas que morava na capital de São Paulo era Bozza. Aline a Virgem-Feia e Ferveu moravam no interior do estado e a quarta delas morava em uma cidadezinha pertinho de Caraguá.
Aline a Virgem-Feia chegou a São Paulo bem de manhãzinha e foi direto para a casa do amado, Renato Ingrato. Lá, ficou o dia todo assistindo tv a gato enquanto o amado tentava escolher qual das suas duzentas cuecas de banho ele levaria para a praia. Estava indeciso entre pelo menos umas cem delas. Na dúvida, colocou todas em uma mala e, assim, por volta das três horas da tarde, os dois pombinhos desceram rumo ao litoral.
Ferveu chegou na casa da prima em São Paulo logo após o almoço e ficou esperando sua carona. Queria partir logo para o tão merecido final de semana prolongado na praia e ansiava por chegar logo. Tinha conseguido uma carona com Fabior, seu amigo-colorido. Sairiam de São Paulo por volta de três horas da tarde para não pegar o trânsito da hora do rush. Estariam na praia rapidamente naquele e daria ainda para pegar os últimos raios de sol na orla marítima.
Por volta das três horas da tarde, Ferveu foi para a varanda da casa de sua prima esperar. Ficou lá preenchendo palavras cruzadas e tomando um mormaço por muito tempo sem que Tabior aparecesse. Esqueceu-se do tempo graças a isso e até pensou que ele havia desistido da viagem, quando, enfim, apareceu um carro buzinando a um quarteirão de distância. Ela consultou o relógio de pulso. Eram mais de oito horas da noite.
A luz fraca do poste na frente da casa da prima de Ferveu permitiu que ela avistasse de longe uma ruga de preocupação nos olhos de Fabior, que estava no banco de trás. Ele quem dirigiria naquele dia, mas o seu carro estava no dia do rodízio em São Paulo, e ele foi multado ao virar a esquina de sua casa. Era Bozza quem estava dirigindo. Ela se aproximou da casa em um velho fusca ano 75. Com um toque mágico do martelinho do mecânico e um mês inteiro na funilaria, a bolinha amarela, que ao longe mais parecia uma abóbora com quatro rodas, transformou-se na carruagem elegante que serviria como meio de transporte para eles naquele dia.
O jeito era encarar mesmo aquele fusca apertado. Mas eles sabiam que o sacrifício valeria a pena. E, ademais, frases prontas foram feitas para calar a boca dos tolos e dos insatisfeitos, e em qualquer caso, não custava repetirem que cavalo dado não se olham os dentes.
Ao lado de Bozza estava sentado um moço muito branco e desconhecido de Fervel. Cabelos amarelos e anelados, olhos claros. Bonito de se ver de longe. Apenas de longe... Era Talmar. E ao lado de Fabior, um terceiro, Silvio Santo-Chato, um moreno e de cabelos cortados em formato de tigela.
Talmar e Fabior se levantaram para ajudar com a malas e Ferveu mal pode conter um riso de ironia em seu interior, que se transformou em uma gargalhada incontrolável: como coubera em um fusca tão pequeno aqueles homens gigantescos? Fabior já era grande e másculo demais para caber em um fusca com seus 1,80 metros de altura. Imagine aqueles outros dois moços, grandes por todos os lados. Deviam ser uns dez centímetros maior do que Fabior. Iam, afinal, para a praia ou participar de um jogo de basquete?
Colocaram as malas de Ferveu no banco traseiro entre as pernas dela e de Silvio Santo-Chato, o outro carona, que ficou quase que imobilizado. Ferveu estava demasiadamente apertada entre as malas e os dois gigantes, no banco de trás, mas calaria sua boca com uma variação da frase feita: carona dada não se olha o aperto.
Já estava tarde demais para pegarem a estrada e, sem dúvida ficariam parados no congestionamento antes de saírem da capital paulista. Mesmo assim, partiram imediatamente. Horas depois, deixaram para trás a cidade toda iluminada e adentraram na escuridão densa da rodovia. Estrelas saltitavam aqui e ali no céu escuro, cheio de nuvens carregadas. Certamente o calor anunciava que poderia chover naquele final de semana. De vez em quando, Bozza parava no acostamento para passar repelente de pernilongos em seus braços e limpar da fronte o suor que escorria por culpa daquele calor insuportável e do medo de ficar ali parada no meio da estrada por culpa do fusca, ou por culpa dela não saber dirigir direito. Mostrava em sua face sinais de cansaço. E tinham ainda pela frente mais da metade do percurso. Pela velocidade com que estava dirigindo, chegariam ao destino por volta das cinco horas da manhã. Mas ela não tinha pressa. O importante é que logo estariam na praia para um final de semana inesquecível.
Em pouco tempo, apesar da lentidão do trânsito e da motorista, estavam em uma estrada a ermo. Os caronas seguiam calados e pensativos. Se conheciam, mas nem lembravam de onde. Não tinham nada para falar e nem se deram conta disso. Alguns quilômetros encolhidos em um banco sacolejante de um fusca barulhento e logo após o terceiro estouro do carburador, Ferveu lembrou-se de onde conhecia Silvio Santo-Chato. Melhor seria se o carro tivesse ficado caladinho. Lembrou-se de que o Silvio Santo-Chato era morador de uma república de alunos da computação e que, em um dia de festa, jogou um coquetel molotov para o alto para comemorar e este caiu bem em cima dela, que ferveu de raiva e com as queimaduras que esse garoto provocou e nem sequer prestou primeiros socorros. Esse incidente renderia conversa e troca de gentilezas para o resto da viagem, não fosse Bozza animar-se a ligar o toca CDs do carro. Uma música do Balão Mágico animou o grupo, que começou a sorrir e a relembrar da infância, apesar do zumbido dos pernilongos, do barulho do motor e do balanço do carro que embalavam os cinco ocupantes do fusca naquele trajeto que faltava para chegarem à praia.
Por volta da meia noite, após rodarem por quatro horas, metade delas gastas no congestionamento da capital, saíram da estrada deserta para entrar em uma vicinal bem iluminada. Percorreram mais uns dez minutos até chegarem em um hotel muito simples na cidade de Caraguá, em uma rua cheia de casinhas apagadas entre os vaga-lumes e o barulho do mar. Era ali que eles ficariam o final de semana.
Ao chegarem ao hotel, estavam com o estômago cheio de fome e desestressados da viagem, com as roupas-sujas já lavadas previamente e cheirando a amaciante. Ali encontraram Renato Ingrato e Aline a virgem-Feia, que de tanto esperarem pelo restante do pessoal, já estavam até mesmo pensando em ir para o quarto e começarem a brincar de médico e paciente.
Talmar, o mais esfomeado de todos sugeriu que saíssem para comer e aproveitar o resto da noite em alguma baladinha. E assim fizeram. Porém, o único restaurante aberto naquela hora da noite só servia frutos do mar e, como afinal, na praia não se deve comer outra coisa, abocanharam uns camarões graúdos e cheios de pernas. Ao saírem do restaurante dirigindo aquela bolinha amarela, já não mais apertados dentro do Fusca, pois Silvio Santo-Chato, que estava sobrando mesmo e era o único que não tinha uma amiga-colorida naquele dia (pois sua amada não apareceu) foi para o carro de Renato Ingrato e Aline a Virgem-Feia.
Encontraram uma boate aberta que estava tocando só a música do créu. Não se sabe se foi pela velocidade número cinco do créu que já se repetia pela décima vez ou pelas perninhas do camarão fazendo cócegas na garganta, mas Fabior começou a passar mal e tiveram que voltar correndo para o hotel. Ao chegarem, como Fabior já estivesse melhor após tomar um anti-ácido, inventaram de brincar do jogo da verdade, mas como todo mundo só dizia mentiras, isso acabou deixando Fabior um pouco pior do que estava na boate, pois ele esperava ouvir algumas verdades e nesse instante saiu correndo para o banheiro de seu quarto e não retornou mais para fazer parte do jogo. Como o único realmente interessado naquela brincadeira era ele, nesse caso, o melhor a ser feito era irem dormir para acordarem bem dispostos para aproveitarem a praia.
E assim fizeram.