Cego, Surdo e Mudo.
- Como chamamos a pessoa que não quer enxergar? – indagou Antonio com um ar malicioso ao amigo que, atenciosamente o escuta enquanto toma de sua cerveja.
Antonio insistiu.
- Denomina-se cego, quem por nascença ou alguma doença fatal, não enxerga. Mas e quem não quer enxergar?
- Oras! Uma besta é claro!
Exclama Neto com um ar ingênuo e embriagado.
Por outro Antonio não continuasse a conversa, entretanto talvez cansado de ver a passividade do amigo ou pelas tantas horas no bar resolve levar o tom da conversa para um nível prosaico de revelações. E num repente quase agressivo estanca:
- Então tu és uma bela de uma Besta!
Irritado, porem inerte a acusação do amigo procurava ingerir o descalabro. Quando iria se defender é interrompido:
- Uma Besta, é isto que você é! Enquanto está aqui sabes onde estas tua mulher?
Ser ofendido vá lá, Agora ofender sua esposa era demais. Levantou-se aos trancos. Deu um murro na mesa que lançou ao chão, copos e um prato com petiscos.
Completamente alterado profere:
- Canalha, jamais, em nenhum momento, ouse questionar a minha mulher.
Cambaleando toma o rumo da saída. Antes ainda rifa para todos ouvirem:
- É uma santa entendestes. Uma santa!
O cego
Chega a casa por volta das dez e meia da noite. Horas mais cedo do que de costume quando saia com Antonio para encher a cara. Se este não proferisse qualquer coisa que o havia desagradado ainda se encontrava a beber.
Sorrateiro como um bêbado ao entrar em sua casa. Sobe as escadas aos barrancos. Tudo para não incomodar sua senhora. Que provavelmente já devia estar dormindo. Quando se aproxima do quarto percebe que não há ninguém.
No auge do seu desespero. Imagina horrores. “Provavelmente alguma emergência.”, pensou consigo. “Isso! sua mãe deve ter tido um piripaque”. De fato, a velha já estava no bico do corvo, assim ficou mais fácil de acreditar em si mesmo. Dormiu de roupa e tudo.
Não percebe que as altas horas da madrugada um cheiro libidinoso adentra em seu quarto. Era Laura, no ápice de seus trinta e poucos anos e irradiando o requinte da mais nobre sensualidade acabara de chegar. Suave como sua pele, não faz um barulho sequer. Desnuda-se de seu belo vestido. Daqueles que deixam os ombros nus e com um decote generoso. Cobre-se com seda. Pronta para deitar olha para o marido com asco e sussurra em seu ouvido:
- Mais uma vez pequei, e não me arrependo.
O surdo
No dia seguinte, com a cabeça a ponto de explodir. Neto levanta-se e o café já esta posto. Lembra-se da insinuação de Antonio. Chegou até a sonhar com o amigo lhe dizendo algo. “Um canalha! como pode levantar suspeita de uma mulher dessas”, cogita.
Para Neto não tinha fundamento nenhum o que o amigo ponderava, até o perdoou chegando a juízo de que foi tudo efeito do álcool.
Senta-se a mesa e questiona Laura:
- E sua mãe, vai bem?
- Sim, passa muito bem.
Responde olhando fixamente em seus olhos com um sorriso cínico e pecador.
O Mudo
Dias depois, se indispõe no serviço e volta pra casa cedo. Entra pelos fundo e ouve a mulher ao telefone, ria freneticamente e sem perceber a presença do marido, disparava algumas vezes:
- Um paspalho, é isso que meu marido é.
Neto volta para trás desnorteado. Tinha adoração por aquela mulher. Não podia ser. Pela primeira vez se via desconfiado.
Sem saber o que fazer resolve procurar Antonio. Não o via desde o entrevero no bar.
- Amigo é pra essas coisas. – inflama Antonio ao receber o amigo em seu escritório.
- Não sei o que fazer, estou perdido.
Comovente ao desespero do amigo Antonio prossegue:
- Negocio é o flagra, vai por mim. Fulana se encontra num lugar assim, assim... Descreve como se tivesse decorado todos os passos de Laura.
Vendo Neto sair, Antonio lhe entrega um calibre 38 e ainda o adverte:
- Não se esqueça diga que vai sair comigo.
Da rua, liga para casa. É breve, sem muitas palavras avisa sobre o encontro com Antonio.
Aguarda em uma padaria próxima do apartamento que Antonio descrevera como local dos encontros entre sua mulher e um qualquer. Quisera poupar-se. Afinal não importava.
Vê quando Laura chegar em um taxi. Repara como esta bela num vestido que deixa seus ombros nus. Mais alguns instantes e um gole a mais na cachaça sobe até o numero indicado pelo amigo. Invade o quarto num rebento sem precedentes. Laura o fita e cínica diz:
- Pequei, e não me arrependo.
Lembra-se de seu sonho. Talvez não fosse um sonho.
Mudo. Conjectura sua cegues. Constata sua surdes e encosta o revolver em sua fonte e dispara.
Sem a dor de uma viúva Laura, cínica. Vai até o morto e sem sujar-se de sangue mais uma vez sussurra:
- E não me arrependo.