Na Vila – Caso 1
Cidade do interior tem suas particularidades. O convívio diário faz com que todos se tornem uma grande família. Alguns partem e deixam amena saudade... Outros se imortalizam pela excentricidade, pela pureza, pelas artimanhas ou pela simples candura. E tornam-se mitos, sempre lembrados, com suas histórias e suas peripécias contadas de geração em geração. Assim aconteceu com o Juarez. Engraxate desde a mais tenra idade, de família pobre, desprovido de beleza e de juízo também, conquistou o carinho e estima de todos. Devido a leve demência nunca se casou, nunca estudou, contudo tinha uma fé fervorosa, era comum vê-lo encurva-se e benzer-se sempre que passava defronte a igreja católica, em sinal de reverência. Despertava carinho, compaixão e a amizade de todos. A mim, especialmente, tratava de uma forma extremamente carinhosa. Vivia me visitando e oferecendo seus serviços de engraxate, mesmo eu não tendo por hábito engraxar sapatos. Sabia o quanto eu gostava de cajá, e constantemente levava para mim. Às vezes eu estava entretida com afazeres domésticos ou até mesmo no meu local de trabalho, ouvia-o me chamar: Sândi, Sândi (era o máximo que conseguia pronunciar do meu nome, devido a dificuldade que tinha para falar) e lá estava o Juarez com vários cajás na mão, os olhos brilhantes e um enorme sorriso nos lábios. Eu pegava os frutos, meio constrangida, mas ao olhar para aquela expressão de expectativa e ansiedade, esperando o agradecimento, eu retribuía com um sorriso... a expressão de felicidade que surgia em seu semblante me cativava, e proporcionava-me prazer semelhante ao dele. Ainda me comove tais lembranças...
Juarez ficou órfão, mas não abandonado. A Vila o acolheu, e desde então, sem ninguém jamais haver combinado, mas como se fosse um coletivo pacto, Juarez passou a fazer as refeições cada dia em uma casa. Ele não precisava pedir, bastava entrar e imediatamente o conduziam até a mesa e o serviam. À noite recolhia-se em sua humilde casa, e dormia o sono dos inocentes...
Passaram-se os anos e Juarez foi acometido por uma enfermidade incurável. Partiu, deixando toda a Vila de luto. Não foi um homem de grandes feitos, não deixou nenhuma obra grandiosa, não conquistou o amor de nenhuma donzela. Mas se imortalizou no coração de todos aqueles que o conheceram, e tiveram a graça de conviver com um homem cuja pureza excedia a das crianças, cuja vida foi pautada em apenas viver um dia após o outro, e sem saber, deixou um legado de amor, de carinho, de feitos imortais, pelo simples fato de ter existido.