O VERDADEIRO AMOR NASCE: OU CEDO OU TARDE




Em uma localidade distante da cidade, conhecida por Ouro Fino, ali reside o seu único morador, um homem com o olhar leve e mergulhado na vetustez que repassa todas as manhãs daquele semi-árido, insólito das outras regiões. Entre os morros vermelhos da cor de laranja, a vegetação se resume em minúsculos arvoredos com as folhas debruçadas no consolo de sua insígnia raiz, nem mesmo o vento era capaz de arrastá-los para outros e difundidos horizontes que somente os olhos realizavam a conspiração ótica de um gigantesco vazio nas folhagens azuis do belo céu.

Naquela casinha à beira da velha estrada, o império solar comandava com devastação o sumiço da água das nascentes que outrora o passageiro inverno atrofiou aos lençóis marítimos a milhares de quilômetros de profundidade como se fosse uma nuvem branca solitária monopolizando com covardia o lábaro da abóbada celestial. Nem mesmo, a distribuição de água dos caminhões-pipas e a “energia para todos” desviam as sentinelas, evacuando a outros rumos onde se pudesse arquitetar uma soma aritmética de eleitores. É daí que surgem os “Leões brancos” da caatinga, adequados a romperem os finos compromissos de arrecadar riquezas públicas na orla da ganância que o povo não conhece, e se desenvolve nos auspícios fraudulentos e leoninos da magia do grande enriquecimento próprio. Estes sim. São os verdadeiros poliglotas e irrefutáveis amigos dos sertanejos que se hospedam nos melhores resorts de Dubai. Não, não se pode negar que são eles as maiores sombras do desperdício, os magnatas e reis capitalistas das misérias alheias à custa de um governo frágil do mesmo peso e medida que eles. São os renomes com troféus e medalhas dos medicados cartéis da mercancia do antigo Egito ou talvez um dos dissidentes europeus do velho mosaico. Sem endereço patenteado nas palavras e boa aparência tem-se a mais longínqua despreparação tecnológica advinda da clarividente ameaça de jamais surtir os efeitos do despropósito de nem mesmo figurar como terra do Brasil àquele velho local na margenzinha sem plural ou outra palavra adjetiva que detenha uma alma com significância de chegar na portela do reino dos céus.

É naquela paragem um dos melhores lugares na utilidade da energia solar, onde o sol acende muito cedo o farol, clareando sem piedade e enxugando as folhas do pau bombo, onde as lágrimas incolores derramadas na noite silenciosa reclamam em agonia as dores e suplícios à lua. E as corujas refletem em meio tom azul-turquesa de seus olhos o espírito vivo e empinado no lastro dos céus, relampejando à vermelhidão da fúria e ingratidão dos homens.

A lua coitada, com São Jorge, o cavalo branco e o dragão estão diariamente à noite em plena luta despontando com doçura sensual os embalos terríficos daquele embate sem vitória, mas, é a precisão cotidiana que mede desvairadamente o consolo das pupilas e dos seus filhos sertanejos.

Ainda posso relembrar que a minha mãe, à noitinha nos confortava na calçada da porta da Rua Bom Jesus dos Passos, diante da clareza lunar, sentávamos à espera do nosso pai enquanto isso, a irmã caçula chorava, chorava... A luz da lamparina se assombrava com a rajada de ventos que rebatia no pavio acesso e frágil trabalhados de punho de rede velha. Pondo em seu colo, e nos contava as belas e fantásticas histórias que o tempo apagou levadas pelo vento das nove horas, dobrando a esquina da Rua Professora Ana Correia. Assim ela cantava:

“Lua, luar, me dá pão com farinha,
Pra me dá pra minha galinha,
Que está presa na cozinha”
Xou xuá, galinha vai pra lá.

Ali, naquele passado embebido na modernidade não há mais lua, não há mais o vento que assoprava fazendo redemoinho às nove horas, nem mesmo o tamborete de couro (forro) que o poeta transformava num tambor.

Reativando a história do homem de Ouro Fino, naquela tarde de explosão calorífica sem qualquer sombra, o velho Januário tropeça numa pedra e quebra a perna direita acima do tornozelo. A dor invade os sentidos, a força se retrai e o sofrimento principia a catalogar sucessivos gritos. Sozinho, isolado e meio confuso, a permanência daquela aflição fizera aproximar o seu único companheiro o jumentinho com passos vagarosos balançava as orelhas compridas. Instantes em que Januário suplicou:

-Ó meu Deus! Quebrei a minha perna. Alguém me acode, por favor!

Ressoando naquele agreste bárbaro sem a mínima progressão humana, imergido nos acidentes geográficos do tempo, desfila a mansidão do caos perdido como um cosmo dum novo mundo desconhecido e inabitável ao homem social dos grandes centros urbanos. É naquele além que separa o franzino espaço marcado pelas idéias desbravadoras do Padre Malagrida e outros catequizadores do vestido negro do passado no deserto verde, e ainda escasso. A voz tremula expandindo no ócio amargo e doce com brevidade, ocasionava o rumor empurrado pelas ondas dos ventos numa comenda que se transformava num imenso suplício, perfazendo o papel da comunicação nas veias desérticas da solidão esmiuçada. Logo, o jumentinho do Januário se encontrava numa distância de mais de trezentos metros entre os relevos assimétricos e os vales desproporcionais das alturas. E tão rápido o contato do vento, fizera o jegue abanar a cabeça, suspendendo o focinho com as orelhas na recepção dos chamados. Dali partiu em precipitada carreira ao destino, avocando como resposta o rincho ensurdecedor, e tudo aquilo não era comum, de certa forma, podia-se ver o céu tão puro com a camisa mais bela das cores da plenitude em volta do seu corpo azul, e no fundo do báratro, o sol faiscava nas profundezas perdidas o brilho de majestade. Pelo outro lado, até a lua se ofendia na visão desnudada daquele lavrador sertanejo lançado na aflição desmedida em prantos lunares e solares. Tão distante do rei sol, a terceira testemunha ocular era a Estrela Dalva que nascia no fim do horizonte oposto ao sol numa veste branca prateado ofuscando na direção de Ouro Fino. Sem prontidão das galhas secas das candeias, o bigode de penas pretas e papo branco e duas listras grossas na face já havia cantado o seu último canto e levantado vôo no quinto mês do ano para outras terras infinitas, levando os filhotes aonde as plantações de mares de arroz infestado de herbicidas serviriam como alimentação. Alguns bigodinhos poderiam retornar ao leito do inverno fracassado daquele deserto no mês de janeiro na tentativa de remarca a terrinha de poucas arvores verdes com as novas recriações crucificadas pelos homens dos agronegócios e empreendedores do sul do país ou de outros países por onde poderiam degustar próximos as lagoas, riachos, córregos e rios.

Na altaneira dos cajuis com os últimos frutos de setembro, vislumbrava num canto imponente e festivo o vim-vim, legítimo primo do Bem-Te-Vi, pulando de galha em galha dando forças ao Januário estendido no chão e se alimentando daqueles minúsculos frutos do sertão. Sem sombras de quaisquer dúvidas, também não retardava o primo do Vim-Vim que assolava o seu cântico entre as folhas amarelas do cajueiro com seu jaleco amarelo e pardo no peito era um terno apaixonante, muito ostensivo e pulando com elegância o Cibite estralava repetidamente o canto. É de suma importância abrir o leque para não olvidar os maiores oceanos de plantação de cajus no solo piauiense e no Ceará, tendo este o último o maior produtor nacional da fruta na colheita de castanhas, com concorrendo no terceiro seleiro dos maiores do mundo.

Revivendo o episódio acima, adiante com plena visualidade vermelha no chão, o sangue da perna direita descia pelas fendas abertas das rochas avermelhadas, e com ar apreensivo, o jumentinho olhava o corpo estendido no solo do amigo Januário, apressado a prova da veracidade dos fatos mergulhada na consternação miserável. Embora ansioso e cauteloso, o jegue se aproximou do velhinho batendo sua pata com força no solo como se estivesse chamando à atenção do proprietário ou ofertando qualquer ajuda. Instantes, em que Januário se apóia com as mãos numa das patas, erguendo com equilíbrio o ponto de apoio da perna esquerda e vai se levantando com jeito até que alcançar o dorso do animal, manejando na mesma trilha que perfazia todos os dias com o excepcional animalesco.

O sol ainda brilhava no rosto do homem de menor prestígio nos limites extremos da sobrevivência, e o animal sentindo a ferida doerem nos olhos do seu dono, alavancou com passos aéreos e delicados rumando com destreza à porta da casinha de barro vermelho coberta com telhas artesanais. Sem se importar, o animalzinho penetrou naquele recinto rústico com o amigo abraçado no lombo.

À noite, o jegue permanecia em prontidão na porta do velho Januário com pertinência de socorrer a qualquer hora o seu único dono. Sabe-se que todos os dias o jumentinho laborava uma trajetória com o patrão carregando água com duas cangalhas feitas de troncos de árvores em forma de um triângulo e amarrados com palhas da palmeira de babaçu retiradas na lua nova. Era, portanto, um trabalho, que o jumento fazia sem cobranças e sem ordens, levando e trazendo com o seu detentor as vasilhas d’água de latas de querosene da marca jacaré. Porém, algo havia mudado nas trilhas do companheirismo até mesmo o sol, a lua, a estrela Dalva, as árvores e os pássaros sentiram a ausência na cantiga do Januário e os constantes assobios no som da Asa Branca.

Numa manhã, muito tristonho e lastimando a dor no fundo de uma rede listrada nas cores azul e branca estendida no meio do salão com as pernas inchadas nas laterais talas de babaçu amarrada com embira flexionada com uma mistura de mastruz e folhas de alfavaca depósitos na área molestada e conter a infecção. Já não podendo mais andar, e nem esforços físicos. Januário chama o jegue pelo seu nome “Douradinho”, enquanto a voz sem ânsia proclama a súplica ao amigo;

-Douradinho! Ô Douradinho! Não tenho mais perna pra andar e passear com você, e nem buscar água no cacimbão. Assim mesmo sem andar e enfurnado nesta rede, eu lhe quero muito bem.

O jumento com tal atribuição de sentidos sacudia as imensas orelhas em conjunto com a pata direita. De imediato, adentrava na sala onde estavam as latas de querosene. E deste feito, Januário puxava as latas com um pedaço de pau da proximidade da rede, colocando em seus devidos lugares no animal. Rápido, o jegue atravessava o teso do solo vermelho indo pela vereda marcada dos traços daquele cotidiano ao cacimbão aguado. Ali, de frente ao único e pequeno olho d’água, ficava inerte e quieto, apenas balançando as orelhas das insistentes moscas que atordoavam. O tempo corria através dos ventos numa embarcação de redemoinho furioso, assobiando entre os postes de carnaúbas e suas palhas que se posicionavam como torres de recepção televisiva ou quem sabe! Como se fosse uma (Tour Eiffel) no desenho e estrutura de Gustave Eifell do sertão nordestino, abrigando nas alturas, talos e folhas largas os ninhos e pousadas dos pássaros.

As horas e os minutos repartiam na convalescência, os desejos de abrirem a saúde do velho Januário com um cachimbo na mão, liberava pelas narinas a fumaça branca da paz. Nesse ínterim, o velho caboclo elaborava com os olhares, o reflexo do sol na parede advindo pelas fendas expostas no telhado, o relógio mais acertado das horas na posição marcada na parede de barro. Obviamente, não muito distante dali, o jumentinho continuava insensível como se esperasse alguém surgir da mini fonte ou a vinda de um terceiro ou até mesmo do seu dono. Algumas pessoas que passavam na rodagem observavam o animal com as latas dependuradas nas cangalhas, olhavam para um lado e outro, pressentia não haver ninguém nos arredores. E desse modo, João da Neuza desceu do seu cavalo e dera de beber, percebendo que o jegue aguardava uma ajuda. Sem demora, e por destino, o montador encheu as vasilhas depositando na cangalha, momento, em que se virou na direção do animal, e este já partira rumando para sua casa, apresentando o produto ao seu dono que ainda estava deitado na rede.

Essa maravilhosa missão não logrou êxito por muito tempo. Numa certa manhã, o jumentinho realizava sua última tarefa ao lado do cacimbão, com obediência e modos, posicionava-se na boa vontade de um vivente que por ali passasse e enchesse as velhas latas de querosene utilizadas no transporte de água. Com efeito, não demorou a insurgência de vários elementos desordeiros, sem profissões definidas, perigosos, nômades e talvez fugitivos. Aproximaram-se do jumentinho, laçando-o um porrete contra a cabeça do animal enquanto dois marginais seguravam através de uma corda lançada no pescoço, e de maneira bárbara e traiçoeira o jegue meio tonto não teve como se defender da cutilada, arrastando o animal ao caminho que leva ao centro da cidade de Caxias adjunto ao mercado central onde os criminosos comercializam os produtos de roubos e furtos a céu aberto no denominado e impuro “Troca-Troca”.

No sexto dia daquela semana, a preocupação campeia a mente do velhinho com a falta de água, tendo este se arrastado até o portal da janela com o intuito de observar algum cristão que por ali passasse. Em seguida, um homem vai passando quando Januário interpela:

-Ô compadre! Dá pra você me dá uma ajudinha agora? É que tou adoentado e não posso pegar água no cacimbão.

O moço continuando seus passos, e responde.

-Agora não, estou apressado que nem burro. Quem sabe quando eu voltar!

A melancolia bate no paupérrimo coração e o desespero encomenda mais ânsia e naquele lugar ermo ninguém passa. Já era tarde, aproximando do meio-dia quando surge um menino com uma sacola nas costas na estrada poeirenta.
As palpitações agitam no centro do peito de Janeiro, e grita.

-Por favor, garoto! Venha cá. Dá pra você pegar uma lata d’água no cacimbão. É pertinho daqui. Veja a minha perna e por isso não posso andar. E o meu jumentinho desapareceu há três dias.

De prontidão, o menor responde na ponta da língua.

-Não posso. Estou apressado e ainda vou pro colégio e a minha mãe não deixa.

A desesperança rodeia os quatro cantos da casinha de Januário, porém, a fé é extensa e maior sobre qualquer suspeita arraigada pelas respostadas transitórias e negativas. Os olhos cansados não se irritavam com o vazio escrupuloso e carreado nos pontapés dos ventos na encruzilhada do tamarineiro sem folhas. A sede o procura incansavelmente em sua garganta com a panela vazia no fogareiro. Novamente, a corrente sanguínea se agita, e lança no cérebro jatos de esperanças quando aponta na curva do desfiladeiro um jovem. Sem medir esforços, Januário o chama:

-Por favor! Venha cá. Quer pegar uma lata de água no cacimbão pra mim? É bem aí por trás do mandacaru. Veja! Eu estou doente e não posso andar.

O juvenil se aproxima e pega a lata vazia. Em poucos instantes, atende ao pedido de Januário, oportunidade em que oferta ao rapaz o valor de cinco reais. Surpreso o jovem diz:

- Só isso! Pois o senhor é pão duro demais.

Sentindo ofendido, a pele ficou totalmente arrepiada nas palavras indignas lançadas, o senhor idoso, tenta explicar sem solução e por fim aduz:

-Eu não tenho mais. Se tivesse eu lhe daria, pois ainda não fui pra cidade receber meu aposento.

Retrucou o maroto:

-Sem essa meu véi. Deixe quieto!

Partiu o guri expressando com um aceno de cabeça o descontentamento. E passado um dia, a água utilizada chegava ao final depois dessa levíssima hesitação em que pode experimentar as sensações físicas introduzidas com importância no pensamento. Adiante, passava um menino de aproximadamente uns quinze anos com um caderno na mão. Januário se levantou da rede e foi até a janela soltando aquela voz esganiçada e rouca.

-Ei, venha cá garoto. O que está fazendo por aqui?

Perguntou Januário com os braços apoiados na janela

-Eu moro nas Cajazeiras do Félix perto do rio das moças.

Com receio e temendo uma resposta negativa, o idoso indaga.

-Você pode pegar uma lata d’água no cacimbão.

Retrucou o jovem.

-Agora?

-Por que não? Veja a minha perna. Ainda não fiquei totalmente bom. E então? Vê alguma coisa?

Disse o jovem observando.

-Sim.

O menino largou os cadernos encima de um jacá e fora buscar a predileta água na fonte. Ao retornar, abaixou-se depositando no canto da sala. Imediatamente, Januário meteu a mão no bolso retirando a importância de dez reais e entregando. O juvenil intercala o ambiente com uma resposta, dizendo:

-Não moço. Não é preciso o senhor me pagar por uma lata d’água.

Rapidamente, Januário avaliou o que tinha escutado e pergunta:

-Tem medo de mim? Ou tem outros motivos pra não aceitar.

-Não acho de forma alguma que o senhor me faria um mal. Eu não recebo o seu dinheiro. Não... Não tenho necessidade de cobrar ou receber por um favor que não me custou nada.

Insistiu o velhinho com a cédula na mão.

-Eu estou lhe dando de coração pela boa vontade.

-Não será preciso. Diga-me uma coisa. O senhor mora sozinho nesta casinha?

-Sim, meu filho. Há mais de sessenta anos, e estou aqui desde quando minha mãe veio da seca de sete no Ceará com meu pai e compraram esta propriedade.

Com os cadernos nas mãos, o jovem inquire:

-Cadê a sua família? Onde eles moram?

Mergulhando na profundidade do pretérito diz o ancião sentado na beirada da rede.

-A minha mulher morreu de malária e os meus dois filhos faleceram de um raio. Aqui eu vivo só. Eu e Deus. O último amigo meu, o douradinho. Os ladrões da cidade de Caxias o levaram. E assim, eu vou vivendo.

Indaga o garoto:
-O senhor se incomoda se eu lhe procurar todas as vezes que passar por aqui?

-Não. De forma alguma

-Olha moço. Se o senhor quiser, eu posso colocar a sua água todos os dias e não será favor. E o senhor não precisa me pagar.

-Obrigado filho. Quem são os seus pais? Sente-se neste tamborete.

O jovem sentou-se, e começou a narrar os fatos incontidos na alma dum menino sertanejo.

-Eu só tenho mãe e dois irmãos caçulas. Sabe. Eu sonho um dia encontrar o meu pai. Saber como ele é. O que ele pensa e por que nos deixou no sertão. O que mais eu gostaria era saber o que ele faz. Sorrir com ele nas horas tristes. Mais isto nunca aconteceu. Minha mãe briga comigo, mais ela não fala do meu pai e nem diz onde possa está. É ruim agente vê os outros meninos na escola falando dos seus pais. O que me dói muito é quando acontece o dia dos pais. Dói pra caramba! Vendo eles na festa recebendo presentes e homenagens. A minha professora no ano passado me mandou recitar uma poesia do poeta caxiense chamado Erasmo Shallkytton. Pra falar a verdade, aquelas palavras do poeta me doeram demais, mexendo com tudo dentro de mim, e terminei chorando na presença de todos ali presentes. Era como se meu pai estivesse presente dentro da minha alma. Mais não me leve noutro sentido o que eu estou falando. Eu nunca tive ninguém pra falar tudo isto que estou lhe dizendo. Hoje, sou grande, e meu desejo é maior do que o meu coração. Se eu pudesse, eu colocaria o meu pai dentro da minha casa, e diria pra ele mesmo assim; Pai fique aí que eu vou trabalhar por você hoje. Ah, seria legal demais, tomar café, almoçar e jantar com ele todos os dias da minha vida. Afinal, nem sei quem é. Mais eu tinha vontade de conhecer e saber quem é ele e o que faz. A minha certidão de nascimento lá do cartório do doutor Sinésio Torres, não trás o nome do meu pai. Eu já fui lá várias vezes que eu fui feito por um homem, não gosto de vê na minha certidão escrita pai ignorado. É triste. Eu não quero pedir nada a ele nem tão pouco pedir pensão. Só se ele quiser me dá de livre vontade e se tiver condições. O senhor sabe que os pais de família no sertão não ganham nem um salário, E foi assim que a dona Matilde fez com o Juarez que é lavrador, largou ela e os filhos, por causa de chifre, e ela pra se vingar o processou com ação de alimentos. Veja só, quando o Juarez recebe duzentos e cinqüenta reais na venda da mandioca, deixa tudo na Justiça, e ainda fica devendo. O débito dele lá é mais de quatro mil reais, e já foi preso e processado mais de cinco vezes. Ele não tem dinheiro, não é empregado com salário fixo, tem mal a vida no couro. Agora, a mulherzinha dele, coitada, vive sustentando ele, quebrando coco pra passar. Nós lá de casa, de vez em quando a mamãe manda um arroz, um feijão e uma carne. Vingança não é comigo.

Januário conforta o rapaz e diz:

-Você tem um bom entendimento das coisas. Quem sabe um dia você verá o seu pai. E quanto o assunto da Matilde é demais. Quando ela recebe a pensão vai lá pro bar do Mauro gastar o dinheiro com os homens. É triste tudo isso. Mais Deus está vendo tudo isso contra aquele moço.

Já adiantado o tempo, o jovem se despede do ancião, rumando com destino a sua casa, afirmando que iria buscar água todos os dias para o idoso. Ele riu acenando com a mão direita da rede.

As semanas passam, e o jovem repetidamente faz as tarefas prometidas ao senhor Januário, e por tudo isso, já se contava três meses nestes afazeres, ganhando a confiança do amigo. E num certo dia, Januário convida o jovem a um passeio na cidade de Caxias (MA) e na oportunidade, fazer uma consulta médica e depois avisa ao mesmo que irá fazer um negócio no Cartório Notarial doutor Sinésio Torres, chegando naquele ambiente, o jovem indaga.

-O que o senhor vai fazer aí.

-Vou fazer um negócio. Respondeu Januário.

-Então o senhor entra que eu fico neste lugar lhe aguardando.

O juvenil um pouco intimidado ficou na calçada da Rua Dr. Berredo enquanto o senhor Januário fazia uma escritura. Momentos, Januário abre a porta de vidro e chama o jovem.

-Ô garoto! Como é o seu nome? Inquiriu Januário.

- Eu me chamo Zequinha, mais o meu nome próprio é Ribamar.

-E qual o seu nome completo?

-É José Ribamar Carvalho de Oeiras Xavier, nascido no dia 04 de maio de 1994, e fui registrado aí mesmo, aí no cartório tem tudo sobre mim. Que mal eu lhe pergunto. O que o senhor quer com o meu nome completo?

-Eu não iria lhe dizer agora. Mais você está me forçando. Fique calmo. Pois, a partir de hoje, você será dono de todas as minhas terras. E veja só. São mil e seiscentas hectares de terras.

Surpreso o jovem exclama;

-Eu não estou entendendo.

Entusiasmado Januário fala.

-Explique pra ele doutor Sinésio.

-Olha Ribamar, o senhor Januário escolheu você como futuro proprietário de todas as suas terras pelo bom menino que você é. Principalmente pela grande atenção e responsabilidade que você manteve no período de sua doença na perna. Foi este o motivo, e se você recusar a presente doação, o senhor Januário ficará muito triste. Aqui está a sua escritura de doação inter vivos com o seu nome e mostre aos seus pais.

O jovem Ribamar não teve palavras, e o amigo Januário riu, enquanto o menino permanecia pensativo no gesto com tanta honradez e brilho do ancião amigo. E não tardou, Ribamar apressou os passos pra chegar logo no lugarejo Cajazeiras do Félix, participou os acontecimentos a família. Em seguida fizera uma solicitação a sua mãe.

-Mãe! A senhora não me leve a mal, mais o senhor Januário virá morar conosco. Sei que a senhora nunca pode me dá um pai, e ele é muito bom pra mim e quem sabe, a senhora passará a gostar dele. Ele é sozinho, um sofredor e não há ninguém que possa dá uma palavra de conforto e alegria. Deixe mãe ele morar conosco!

-Sim meu filho que seja feita a sua vontade. Podemos ir lá agora e trazer os seus pertences. O que você acha?

-Que legal mamãe! A senhora é a mãe mais bela do mundo. Seus meninos! Vamos buscar o nosso pai. Ele me deu mil e seiscentos hectares de terras. Não se preocupe mamãe. Todos serão bem vindos a esta terra nova e no futuro dividirei a cada um o seu pedaço.

-Meu filho, ele não é o seu pai. Acalme-se. Eu não sou mulher dele e nem tenho nada que possa atravessar em nossas vidas essa união de momento.

-Mãe! Ele é tão legal e posso lhe dizer que ajudei a tratar de sua perna. Por isso ele gosta de mim assim.

Sem demora, Januário entrava pela porta principal, e os meninos batem palmas e cantam com alegria os parabéns ao novo lar.

Após alguns instantes, Ribamar interroga Januário na presença de todos.

-Senhor Januário o senhor aceitar ser o nosso pai. Meus irmãos todos concordam. Afinal não temos um pai.

Sorrindo, Januário afirma:

-É claro, e será a maior honra tê-los e tratá-los como filhos. Só que não sou esposo de sua mãe. Por isso, é vocês que decidem.

O James, o filho mais novo diz:

-Não tem nada papai, a mamãe é bonita, ela vai cuidar muito bem do senhor todos os dias. Olha papai! Ela correu apressado pra se pentear, colocou perfume e batom pra lhe receber.

A mãe envergonhada reprimiu.

-Não diga isso James. Por favor, senhor Januário são coisas de crianças. Não repare.

E não houve outro jeito, a união estava perfeita aos olhos das crianças do sertão, induzindo ao surgimento do amor enlaçado nos olhos despertados pelos inocentes. Foi assim, que a mãe dos meninos e Januário provaram pela primeira vez de suas vidas, o perfil de uma alma encomendada pelos doces lábios de várias crianças, reproduzindo o amor, nascendo a lealdade nos corações daqueles anjos sorridentes. Somente assim, Januário ficou forte, amorável, e voltou a mar e desvendar os mistérios que somente os corações são capazes de entender o elo desse sentimento que rompe barreiras, mas que vive sempre. O amor.


ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 21/11/2008
Reeditado em 13/10/2011
Código do texto: T1296703
Classificação de conteúdo: seguro
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