No fim, quatro
Melissa saiu de casa às 20h. Estava apressada, pois tinha de passar no supermercado e buscar a amante, que estava desde as 17h na lan house. Lá se foi afobada. A cada mercadoria colocada no carrinho no super, ela se lembrava de um “tópico” a ser discutido com Laura. Queria ter uma conversa para planejar o futuro da relação. Aliás, relação estranhíssima.
Laura tinha vindo de São Paulo morar em Gravataí. A princípio, era só a amiga “sapata” da irmã caçula de Melissa. Com o andar da carruagem, tornou-se amante da mais velha, que era casada fazia dois anos.
O trio – por incrível que pareça – morava na mesma casa: Melissa, Laura e Valdeci. Este, como a esposa bem o classificava, era um bronco. Trabalhava em Porto Alegre o dia todo, vinha para casa apenas para dormir (e como roncava). Tinha engordado também. Mal conseguia transar com Melissa, o que era um alívio para ela. Como ele chegava à tardinha, enchia a pança e ia dormir; as duas ficavam até altas horas conversando, vendo TV e, claro, aprontando. A cena era hilária: o traste roncando no quarto, e as duas num colchão no chão da sala com a TV propositalmente ligada. Assim iam até às 5h.
Melissa riu sozinha no caixa do supermercado ao lembrar a história toda. Pagou pelas compras e foi buscar Laura. Em casa, as duas tiveram bons momentos de diálogo. Quer dizer, desta vez, foi mais um monólogo da parte de Melissa. Submissa, Laura concordou com tudo. As duas fizeram juras de amor eterno, se abraçaram e se beijaram. Não contavam com a presença metida de Dora, mãe de Melissa, que há tempos desconfiava da filha e, agora, obteve certeza. Aterrorizada na entrada da casa, a velha soltou um pum de nervosa, som este que já era conhecido por Melissa. Armou-se um pequeno circo, ameaças foram feitas, Dora foi embora.
Dois dias depois, Melissa conseguiu trapacear a mãe, dizendo que aquilo era uma fase, que ela jamais casaria com uma mulher, etc. e tal. Disse que seu amor por Valdeci era tão grande que cabia na barriga dele.
Na real, Melissa não agüentava mais o futuro ex-marido. Uma das coisas que mais a chateava eram os amigos adolescentes dele, que vinham para jogar carta. Ficavam no galpão dos fundos. Quando Valdeci bebia então, era o fim do mundo. Mijava-se, cagava-se, pedia desculpas à amada; cenas infernais.
No sábado, Melissa tinha combinado de jantar com Laura na praia. Avisou o marido, informando que voltaria bem tarde (o que já era de costume). Nenhum problema. Ele tinha programação também: o adolescente Marquinho iria jogar carta com ele. No jantar, as coisas não foram muito animadas. Melissa estava com ciúmes de Laura. Houve discussão, e elas não passaram no motel como combinado depois. Desolada e chorando, bem dramalhona, Melissa voltou para casa, já com nojo de encontrar o maldito bêbado.
Mas não foi isso que houve. As luzes do galpão estavam apagadas. O carro na garagem. Melissa estacionou o seu, pegou a bolsa e foi a casa. Pisando ovos para não acordar o grosso, ela entrou silenciosa. Mas não havia tanto silencio em casa. “Essa não, ele tá vendo TV ainda. Que naba! Vou entrar sorrindo então, fazer o quê?”, lamentou Melissa. Tirando os saltos, deixando a bolsa na mesa, ela abriu a porta do quarto e pegou Marquinho e Valdeci transando. Mais silenciosa ainda, fechou a porta, foi à cozinha, acendeu um cigarro e riu baixinho, riu muito. Estava feliz novamente.