O Escorrega
Talvez ainda nem andasse na escola. Sei que era muito pequena e nesse dia o meu pai levou-me a passear ao parque do Alvito em Monsanto. O dia estava bonito e era a primeira vez que lá ia com ele. Eu conhecia bem o sítio. Adorava o carro eléctrico, o avião, os carrosséis. Os baloiços eram os meus preferidos. Quando ia com o meu avô ou com a minha mãe, pedia para eles me empurrarem durante horas. No fim vinha para casa com aquela sensação de estar a voar para cima e para baixo durante muito tempo. Também me divertia no escorrega.
Por acaso nesse dia reparei que tinham trocado o velho escorrega por um novo, muito maior. Estava a ser um sucesso entre a criançada que fazia longas filas para experimentar a novidade.
Ficámos a observar, os dois, a alegre movimentação à volta do gigantesco objecto. Depois de uns minutos apercebemo-nos da presença de um menino muito franzino, de óculos, que não se cansava de descer pelo escorrega. Repetiu cerca de umas dez vezes a descida indo tomar o seu lugar na cauda da longa fila para voltar a sentir aquele prazer.
Achei-o muito corajoso. Era o mais pequeno daquele imenso rancho de crianças. E o único que não tinha medo de insistir na aventura que a mim me parecia extraordinariamente arriscada.
A certa altura o meu pai perguntou-me: “ Não queres experimentar?”
“ Tenho medo”. Disse eu envergonhada, admitindo a minha cobardia.
“ Então não vês aquele miúdo muito mais pequeno que tu que não pára de andar no escorrega? Vê lá se ele tem algum medo!”
Fomos para a fila. Eu tremia mas não conseguia recusar. Fui andando com o meu pai sempre a seguir-me. O menino pequeno voltou à fila e ficou atrás do meu pai. Deve ter pensado que aquele adulto também não conseguia resistir aquela maravilhosa brincadeira. Aceitou-o com normalidade na ordem da fila. Comecei a subir as escadas. As outras crianças desciam sem problemas rindo na aterragem. Cheguei ao topo das escadas e olhei lá para baixo. Um terror mortal invadiu-me. Quis recuar.
“Não consigo!”
“ Vai lá! Não tenhas medo! Desce
“ Tenho medo! Não sou capaz”
“ Está bem, pronto. Anda, eu seguro-te. Solta a escada e deixa-te cair que eu agarro-te.”
“ Pai, não consigo! “
“ Larga-te! Eu não te deixo cair!”
Hesitei uns minutos depois de olhar mais uma vez para o chão lá muito em baixo. Descer pelo escorrega estava fora de questão. Tinha de me deixar cair de costas nos braços do meu pai. Fechei os olhos e soltei as mãos da escada.
O meu pai segurou o meu corpo de criança num momento em que estava desprevenido, aguardando a minha decisão. Desequilibrou-se e caiu de costas em cima do menino lingrinhas que acabou por partir um braço.
Os progenitores da criança vieram a correr. Tudo foi tratado muito civilizadamente, apesar do choro brando do menino. Afinal tinha sido apenas um acidente. O seguro foi accionado e trocaram-se moradas e números de telefone. A brincadeira acabara e fomos para o carro.
Pelo caminho dirigiu-me as únicas palavras sobre o desastre: “ Nunca mais te levo a lado nenhum”.
Falava a verdade.
Talvez ainda nem andasse na escola. Sei que era muito pequena e nesse dia o meu pai levou-me a passear ao parque do Alvito em Monsanto. O dia estava bonito e era a primeira vez que lá ia com ele. Eu conhecia bem o sítio. Adorava o carro eléctrico, o avião, os carrosséis. Os baloiços eram os meus preferidos. Quando ia com o meu avô ou com a minha mãe, pedia para eles me empurrarem durante horas. No fim vinha para casa com aquela sensação de estar a voar para cima e para baixo durante muito tempo. Também me divertia no escorrega.
Por acaso nesse dia reparei que tinham trocado o velho escorrega por um novo, muito maior. Estava a ser um sucesso entre a criançada que fazia longas filas para experimentar a novidade.
Ficámos a observar, os dois, a alegre movimentação à volta do gigantesco objecto. Depois de uns minutos apercebemo-nos da presença de um menino muito franzino, de óculos, que não se cansava de descer pelo escorrega. Repetiu cerca de umas dez vezes a descida indo tomar o seu lugar na cauda da longa fila para voltar a sentir aquele prazer.
Achei-o muito corajoso. Era o mais pequeno daquele imenso rancho de crianças. E o único que não tinha medo de insistir na aventura que a mim me parecia extraordinariamente arriscada.
A certa altura o meu pai perguntou-me: “ Não queres experimentar?”
“ Tenho medo”. Disse eu envergonhada, admitindo a minha cobardia.
“ Então não vês aquele miúdo muito mais pequeno que tu que não pára de andar no escorrega? Vê lá se ele tem algum medo!”
Fomos para a fila. Eu tremia mas não conseguia recusar. Fui andando com o meu pai sempre a seguir-me. O menino pequeno voltou à fila e ficou atrás do meu pai. Deve ter pensado que aquele adulto também não conseguia resistir aquela maravilhosa brincadeira. Aceitou-o com normalidade na ordem da fila. Comecei a subir as escadas. As outras crianças desciam sem problemas rindo na aterragem. Cheguei ao topo das escadas e olhei lá para baixo. Um terror mortal invadiu-me. Quis recuar.
“Não consigo!”
“ Vai lá! Não tenhas medo! Desce
“ Tenho medo! Não sou capaz”
“ Está bem, pronto. Anda, eu seguro-te. Solta a escada e deixa-te cair que eu agarro-te.”
“ Pai, não consigo! “
“ Larga-te! Eu não te deixo cair!”
Hesitei uns minutos depois de olhar mais uma vez para o chão lá muito em baixo. Descer pelo escorrega estava fora de questão. Tinha de me deixar cair de costas nos braços do meu pai. Fechei os olhos e soltei as mãos da escada.
O meu pai segurou o meu corpo de criança num momento em que estava desprevenido, aguardando a minha decisão. Desequilibrou-se e caiu de costas em cima do menino lingrinhas que acabou por partir um braço.
Os progenitores da criança vieram a correr. Tudo foi tratado muito civilizadamente, apesar do choro brando do menino. Afinal tinha sido apenas um acidente. O seguro foi accionado e trocaram-se moradas e números de telefone. A brincadeira acabara e fomos para o carro.
Pelo caminho dirigiu-me as únicas palavras sobre o desastre: “ Nunca mais te levo a lado nenhum”.
Falava a verdade.