A Queda
A primeira coisa que senti, foi o gosto de sangue na boca. Só quando me levantei é que percebi que a queda havia sido tão forte, que as pedras do asfalto estavam grudadas no meu lábio. A areia da rua entre os dentes. Ele disse que iria empinar, mas não empinou, só queria me assustar, era brincadeira. Era brincadeira, até, após a ladeira, ele alcançar o cruzamento. Na bicicletinha da minha prima, rosa desbotada com cestinha branca na frente, a bicicleta que eu aprendi a pedalar. Eu ralei o joelho no primeiro tombo que levei quando estava aprendendo a andar de bicicleta, mesmo assim não chorei. Era criança, podia chorar, ninguém me censuraria. Mas não chorei. Era tarde, cinza, nunca vou esquecer. Como nunca vou esquecer de como se pedala. Teria tanta raiva dele por me humilhar, se...
Tardes em que fomos pedalar e certa vez eu caí, ele sempre me deixava para trás. Nem me viu, só que me sujei todo, não tinha como disfarçar. Aquele shorts preto, nunca mais ficou da mesma cor depois que a minha avó usou água sanitária para limpar a lama. Todos tiravam sarro. Será que a mancha vermelha sairia com o tempo? Quanto tempo levaria? Quando ele namorava, na cama, dormia e eu ali, do lado, olhando eles dormirem, imaginando se eu passasse a mão nela, bem devagar, ela acordaria? Não encostei nele, não chorei, ele não dormia. Não iria mais acordar.
Nunca mais, é muito tempo. Pra sempre, também. Só que no fundo, eu me senti feliz. Apesar de tudo, eu não queria, não podia, não deveria, mas me senti feliz. E tirei sarro dele, pela primeira e última vez. Os bons morrem cedo, otário. Adeus.