Janela da traição
     
     No aposento escuro e abafado a apatia cravada na alma de Margarida prendia seu corpo na cama que, inerte e sem ação, só fazia transpirar. A garganta seca não emitia sons, só engolia soluços. Os olhos ardendo de verter decepções, semicerrados, vasculhavam o nada refletido na ausência de luz.


     De repente, um vento atrevido, alheio aos votos de castidade das paredes, violentou a janela, jogando-lhe as folhas para os lados. E o dia invadiu o recinto, rompendo o ar com sol e tudo! Acomodou seu mormaço pelos cantos e impregnou o ar daquele hálito mundano que brota das ruas. Ela bem que tentou ignorar tudo isso, revirando-se e dando as costas à invasão. Pôs a cara para um canto e queria deixar-se expirar.

     Mas o vento era teimoso. E chacoalhava as folhas da janela de um lado a outro, lançando-as contra paredes e batentes. Ora uma, ora outra, ora ambas. Nessa estrepolia da brisa dançando na janela a luz do dia oscilava, indo e vindo junto com aqueles movimentos descoordenados.

     A tristeza indignada de Margarida a fez levantar-se, enfim. Pisando duro, foi até a janela, a quem culpava por não ter servido de sentinela segura a seus anseios de reclusão. Quando estava por fechá-la, entretanto, varreu o horizonte com os olhos e notou outras casas e edifícios cheios de janelas e mais janelas. O mundo lá fora era um imenso monstro com milhares de olhos pregados nas paredes.

     Imaginou que todo mundo, igual a ela, tinha seu cantinho para se esconder da desilusão. Mas nas ruas havia gente andando para lá e para cá e - sabe Deus - cada uma com um destino diferente, cujo trajeto era traçado por fatalidades diferentes, na esperança de encontrar alguma redenção também diferente.

     Foi então que percebeu que a vida invadia todas as janelas sem distinção e não só a dela. Aquele dia ensolarado e de brisa forte era um convite para que os entrincheirados por trás das paredes do medo viessem para fora arriscar-se a viver também.

     Sua janela não resguardou-a como a solidão comandara. Ao contrário, traiu-a e, conspirando com o vento, deixou a vontade de viver entrar.

     Margarida abençoou o dia, agradeceu à janela e pôs-se em direção à porta.


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