Os farsantes
Uma mulher entra apressada na igreja e se dirige ao confessionário, ajoelhando-se prontamente a fim de redimir seus pecados. Confessa ao padre que está traindo o marido com o sócio dele há alguns meses, tendo, inclusive, acabado de sair do motel, onde esteve com o amante. Tampouco queria o divórcio com o fim de se unir ao sócio do marido porque ele também era casado, e jamais se separaria de sua esposa. O padre, por detrás da malha do confessionário, consola a mulher e aconselha que ela reflita sobre seu caráter e sobre as conseqüências afetivas e materiais dos seus atos para ambos os casais. Recomenda que, toda a vez em que a mulher sentir vontade de trair seu marido, pense nos momentos em que seu marido a fez feliz e especial, e que eleve seu coração a Deus. Pede-lhe que vá diante do altar e pondere sobre o assunto enquanto reza um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. A mulher se despede do padre, levanta-se e sai da igreja. Não rezou. Nem refletiu. Só queria desabafar e aliviar a consciência. A mulher volta para a calçada e confere o relógio. Tinha que se encontrar com o marido, que logo chega, de carro. Entra, beija-o calorosamente, e seguem juntos à reunião do clube em que eram associados. Era noite de premiação empresarial anual dos associados.
No clube, sentam-se à mesa já de antemão reservada para eles. Chega o seu sócio, acompanhado de sua esposa. Todos se cumprimentam, conversam trivialmente, dão risadas, enquanto aguardam os pronunciamentos do anfitrião da reunião da noite, que se posiciona no palco para dar as boas-vindas à multidão. O anfitrião agradece pela presença de todos e divulga os vencedores do prêmio de empresários do ano. Um refletor ilumina a mesa dos dois casais. Os dois sócios levantam-se, contemplados pela multidão de colegas, que os aplaudem sonoramente. Os dois beijam a mão das esposas, que também sorriem para a multidão. O anfitrião pede que os dois amigos subam até o palco para discursar para os colegas empresários. Os dois, então, vão até o palco, agradecem pelo prêmio, pelo carinho que têm pelo clube, pela confiança dos demais colegas, e encerram o pronunciamento, sob mais aplausos dos companheiros, discursando que não teriam chegado aonde chegaram se não fosse pelo exemplo de união e fidelidade que desfrutam de seus casamentos, e da confiança que têm de que Deus os abençoa dia após dia para que prossigam com suas vidas virtuosas, gerando empregos e contribuindo para uma sociedade melhor e mais justa.
Um homem trafega pelas ruas da cidade. Está apreensivo. Traz em sua maleta cinqüenta mil em dinheiro. Não está apreensivo pela quantia que carrega em si, contudo pela origem e destino do dinheiro. A quantia fora angariada pela revenda de mercadorias roubadas, e o seu destino será ser lavado na casa lotérica com a qual o homem mantém outros negócios igualmente escusos. Porém, ao parar o carro em um sinaleiro, um motoqueiro encapuzado emparelha com o veículo e saca um revólver, apontando-o para o homem. O homem desespera-se, pensa em vacilar, em reagir, mas decide por entregar a preciosa maleta para o assaltante, que foge rapidamente, retornando pela pista contrária, saindo prontamente de vista, em meio aos outros carros.
O homem soca o volante em um relampejo de raiva e frustração. Não pode denunciar o roubo à polícia. Sabe que ele mesmo não conseguirá comprovar uma origem legal para a quantia que possuía. Resolve tentar acalmar-se, pois tem compromisso marcado. Prossegue dirigindo até se encontrar com sua esposa, em uma esquina próxima dali. Ela entra no carro, dá-lhe um beijo caloroso, e segue com o marido até um clube.
Um segurança está de serviço em uma loja, quando seu celular toca: é a gerente das filiais. A gerente libera o segurança do serviço para que ele execute o plano outrora esquematizado. Ela desabafa que está cansada de fingir que não sabe que seu marido está tendo um caso com a mulher de seu sócio. A mulher do celular confirma o trajeto pelo qual o sócio de seu marido irá passar em posse do dinheiro de suas falcatruas pessoais. O segurança confirma a porcentagem que irá levar nesta ação. Por sua vez, sua chefa lhe assegura que será muito bem recompensado.
O segurança tem autorização para se ausentar. Vai até sua moto, cobre seu rosto com um capuz, e segue o plano. Emparelha sua moto com o carro da vítima, ameaça-o com um revólver, rouba-lhe uma maleta e foge dali rapidamente, em manobras rápidas, dobrando a esquina, sumindo de vista.
Quase chegando no cruzamento da avenida, percebe uma viatura policial estacionada na esquina. Receia chamar a atenção e estaciona sua moto. Resolve dar um tempo, ficar escondido por uns minutos. Atravessa a rua e entra em uma igreja. Com medo de ser visto por algum fiel, esconde-se no confessionário, de onde pode observar o movimento das pessoas pelas frestas da tela sem ser notado. Porém, um fato não considerado acontece. Uma mulher entra apressada na igreja, ajoelha-se diante do confessionário e começa a falar de seus pecados com o segurança, pensando ser um padre.