Pasárgada?
Rosa Pena
Rosa Pena
Um pouco mais de açúcar na calda do doce, mais algumas margaridas no vaso da sala. Por pouco tempo ainda terá que colhê-las. Breve nascerá uma árvore delas no assoalho. A luz da rua apagou e os carros começam a passar correndo em suas buscas insanas. Amanheceu e até Gal se calou no CD para esperar Baby, o pequeno príncipe que chega hoje.
Encontrará a mesa posta com a toalha xadrez e sentirá a mistura dos cheiros na casa. Canela na cozinha e alfazema no quarto.
Assim que ele chegar seu olhar ruborizará o teto, seu abraço sôfrego tirará a cor assustada das fachadas encardidas, sua simplicidade fará com que o prédio se encolha de vergonha de sua altivez. Sua voz silenciará as buzinas e os carros fugirão dos meninos com suas bolas de gude. O mar virá até a janela saudá-lo e não vai querer mais voltar. Os relógios darão vez às ampulhetas que não têm a pressa dos ponteiros e essa se esquecerá de descer a areia durante as noites de amor. Afrodite sorrirá cúmplice ostentando sua coroa de flores.
Passarinhos farão ninhos no asfalto e os vira-latas beberão o leite esquecido na porta. Todas as camisas perderão seus colarinhos, todas as campainhas ficarão sem som. Apenas palmas na porta e o carteiro gritando que a carta chegou da capital, que se mudou para onde a ponta do lápis não consegue alcançar.
Hoje Baby chegará quando o sol se pôr e a luz da vela acender. Encontrará uma mulher cor de canela com cheiro de alfazema, numa casinha branca cheia dos sonhos de Bandeira nas prateleiras.
-Acorda mulher! Não existe papai Noel!
Pasárgada era sonho do Manuel.