CELA 33

Por favor não considere o que lhe vou contar um mero relatório que não é, é um conto que resolvi escrever, em primeiro lugar, para mim mesma.

R é o menor diminutivo comum utilizado pelos presos da sua instituição em relação a um colega, aqui mencionado: o preso da cela 33.

Recebi-o para uma triagem das suas capacidades e personalidade, o que foi possível com normalidade, havendo colaboração e interesse por parte de R.

R, foi o nome que me deu como sendo o dele. Numa primeira abordagem não o inquiri sobre esta forma de se apresentar, consultei a sua ficha cadastral: Raul...

Por minha iniciativa, depois de ter lido os dados recolhidos dos testes a que o submeti, resolvi pedir de novo a sua presença, para melhor o entender.

Revelou-se uma pessoa fechada, mas com uma enorme necessidade de se abrir e sem a componente de expiação que geralmente encontramos associada à confissão.

Registo um aspecto a considerar, acrescentando a esta exposição o ter perguntado aos dois presos seguintes como se chamava o preso que os antecedera.

R, foi a resposta em ambos os casos. Com uma explicação esclarecedora, por parte do segundo recluso inquirido. Pois, segundo ele, foi quem o baptizou.

Claro que tentei saber o quando, o como, o porquê? Sendo remetida a ocorrência para a data de admissão de R. Tido como perigoso, por assassínio praticado.

R foi colocado numa cela com outro colega. Não ficou esclarecido o motivo de ter agredido o parceiro de cela, esse com anterior coabitação sem problemas.

Rrr... Terá sido a resposta dado por R, ao supostamente responsável pelo seu baptismo. Isto, quando este lhe terá perguntado o nome, no refeitório, apenas para travar conhecimento.

Recusando R a falar e identificar-se, foi este colega quem o apresentou. Aos presentes, à mesa, sem deixar que lhe fizessem mais perguntas: – É o R!...

Perguntei donde lhe tinha vindo a inspiração? Respondeu ter sido por respeito, R de Rrr... Uma forma por certo copiada?, dum personagem da Balada de Hill Street.

R, quando voltei a falar com ele, não quis ser tratado pelo seu nome, não insisti. Tendo obtido como razão, querer ter R por nome. Na prisão, subentendi...

Recuso-me a alongar-me mais sem lhe dizer que me apaixonei perdidamente por R, peço-lhe que análise a possibilidade de lhe dar liberdade condicional.

Refiro a minha intenção de, nessa situação, vir a procurar R como mulher. Não é, não pretende ser, uma motivação extra para o juízo que faça deste pedido.

Reflecti antes do fazer, creio que ele, pelo que escreve, pelas atitudes que vem desenvolvendo com os demais, não é perigoso em sociedade.

Com este R, ganhei o gosto pela escrita, começando a interessar-me pela literatura e por aqueles que a praticam, teorizando sobre o que tento: a tentação da escrita.

Uso a Doutora como uma fonte inesgotável de inspiração, aquilo que faço é a psicanálise da forma geométrica das grades nas janelas da prisão.

«Reflecti sobre a personalidade da pessoa desse homem e é nela que baseio o meu pedido, deixado como proposta à entidade hierárquica por si representada.»

A angústia assume a forma final duma conclusão, uma dádiva dos deuses à consciência carente dos homens, crentes que todas as explicações têm uma história.

Esta explicação, senhor Director, importei-a directamente de Paris, para ver se mato a cegonha que "trás água no bico"... sempre com a ideia dum conto.

Tinha de acabar por não querer continuar, contei: 1, 2, 3... Já está.

R

{R – É um personagem, estou a tentar dar-lhe vida! É autor do conto "O P(R)ESO" e de todos que assina.

Em que se destingue dum heterónimo? Ainda não sei, é capaz de também ser??}

Francisco Coimbra
Enviado por Francisco Coimbra em 23/03/2006
Código do texto: T127381