REFLEXO DO BALANÇO DA CADEIRA

O pôr do sol era as suas costas, as costas do seu apartamento no décimo andar. Ali à varanda, sentado em sua cadeira de vime que balançava, ele só podia contar com o céu se transformando nas cores do ocaso. Mas tudo bem, remoia olhando para baixo, vendo a cidade diminuta lá embaixo. Nem parecia aquele mundo assustador de quando era criança, ou aquele mundo assustador de sempre.

Atrás de si, no interior do seu apartamento abafado o silencio conluia com o calor. Às vezes ele tinha sede, muitas vezes tinha fome. Era um homem quase velho, cansado de olhar tudo aquilo. Tudo sempre rápido, mas de vez em quando parava para respirar, sentia conforto com a cabeça no travesseiro.

Balançava-se na cadeira para trás e para frente, ia e vinha esquecido do apartamento, esquecido da poeira guardada sobre os moveis de mognos; lançava olhares sedentos para o “lá embaixo” diminuto. Sentia-se protegido nem bem porque sabia. Sorria à toa, sozinho, esquecido de uma fome por preguiça, sedento de uma sede que não de água. Podia ainda ser desses cujas paixões culmina em violência.

Trabalhara certa época da vida nem tanto por conta do salário – que quase não valia de nada – mas porque não sabia o que fazer se deixasse o trabalho. Os pais sumiram antes de deixá-lo órfão. Fora mesmo assim? Se o perguntassem sobre a sua historia jamais saberia contar senão inventasse fatos.

Olha rapaz foi essa minha vida sempre um “causo” sério, e se riria, porem parecia mais disposto ao silencio, cochilando com a tepidez do fim de tarde, aconchegando-se com um aroma de café perdido, trazido pelo vento. Ali de cima parecia impossível que aquelas arvores pelas calçadas trouxesse algum aroma. Podia vir daqueles arbustos em morros longínquos que da sua visão ali pareciam se recortar no horizonte.

Meu Deus! Tinha seu momento de espanto, admiração e quase fé, é que no céu, nas poucas nuvens que se espalhavam iam-se pintando cores de um amarelo enlouquecido, pouco a pouco – bastava um cochilo, um pestanejar – e tudo parecia se transformar em lilás, logo num roxo púrpuro. Então como de nada adiantava a alegria que durava, dava-se por satisfeito, recostava-se no espaldar da cadeira e acelerava um pouco o ritmo.

Poderia deixar adormecer um pouco o pensamento, mas não conseguia. Sempre a vida dentro de uma outra vida com outra vida. Qual das vidas vivera realmente? Dormindo sonhava, o sonho sabia-se cercado de inefáveis mutações. E tudo parecia tão real, tão com sentido dentro daquele mundo, que pudera ser aquele momento ali também uma ilusão.

Será que todos eram assim como ele também? Lembra-se bem de muitas das vezes que num metrô, num trem, ficava sentado a frente de outras pessoas e ficava olhando-as com o mesmo ar curioso e de pena que olhava para si mesmo dentro do espelho.

Num projeto audacioso qualquer se via esquecido, todavia lembrando-se que estava esquecido.

Balançou mais forte a cadeira, cerrando os olhos, mastigando um sorriso no rosto cansado e monótono, contraído, virado de lado; as mãos fortes segurando cada braço da cadeira para acelerar o ritmo, e quando abrisse os olhos veria a noite já estampada, o interior da casa – atrás de si – escuro por causa das luzes apagadas.

Por Deus jamais sentiria saudade de verdade, porque a vida toda era apenas saudade.

Rodney Aragão.