O ESCRITOR E O PERSONAGEM
Quando o escritor já estava na metade de sua obra prima, tomou a difícil decisão de matar o personagem principal, seria a única forma de definir sua idéia. Mas ao tomar esta decisão o escritor não imaginava que fosse irritar o próprio personagem, que revoltado saiu das paginas do livro para reclamar seus direitos.
O escritor assustado ao ver seu personagem fora das paginas do livro, não apenas como fruto de sua imaginação fértil, e sim em carne e osso, achou que finalmente estava louco, em seu intimo dois pensamentos surgiram, que precisava mudar algumas características de seu personagem, pois estava meio feio e que se estava louco significava que finalmente estava alcançando a genialidade.
- Então vai ficar me olhando com essa cara de quem esta vendo um fantasma. Quero saber o por que quer me matar? – Disse o personagem.
O escritor percebeu que o personagem tinha aquela voz ameaçadora que ele tinha descrito tão bem na primeira página, ficou satisfeito tinha feito um bom trabalho até ali.
- Bem, é uma pergunta difícil, pois sua morte não foi um pensamento súbito, foi bem pensado e pesado, de qualquer forma, sua morte significa a definição de toda a idéia que o livro pretende transmitir.
- Então é assim, sou apenas um personagem que nasceu para defender suas idéias e que agora para defini-las tem que morrer. – disse o personagem, coçando o queixo, outra característica que lhe foi dada.
- Eu não definiria melhor.
- Então porque ao invés, de escrever um romance, não escreve uma tese, é absurdo criar alguém, lhe dar características e sentimento, para depois matá-lo sem defesa alguma, isso é assassinato, me recuso a morrer.
- Você é um personagem de livro, como pode ser assassinato? Não estou matando ninguém real.
- Agora não sou real, depois de horas conversando e te ouvindo falar e falar sobre sua querida obra prima.
- Claro que converso, você é uma criação minha, preciso te conhecer para te descrever.
- E ainda não sou real? Olhe bem para mim, você não conversou comigo e sim com seu ego, pois sou tudo o que você queria ser, mas sabe como é, assim nascemos assim morreremos. – O escritor ao mesmo tempo em que se achava irritado, achava maravilhoso, seu personagem era incrível.
- Bela frase, mas você não é o meu ego.
- Não adianta se enganar nós os personagens, somos uma parte do ego de nossos criadores, que nos criam para dizer ao mundo o que eles, ou melhor, vocês não têm coragem de dizer pessoalmente.
- È psicólogo também?
- Pagina 40, cursei um ano e meio de psicologia, esqueceu?
- Quase, mas de qualquer forma, você vai morrer.
- Como disse me recuso a morrer. – O personagem, em seu porte de rei, se mostrava irredutível.
- Sou o escritor, dito as regras, você não decide o que quer.
- Será mesmo que quem domina é personagem é você? Ou sou eu que te domino?
- O que andou lendo?
- Aquilo que você disse que eu tinha lido, aproveitando, o momento para criticar sua péssima memória, a personagem que faz a dona de casa, esta insatisfeita com o fato de ser a ameba do livro, ela pediu um pouco mais de inteligência, e que se lembre que ela é jovem, como disse no inicio do livro e não de meia- idade como esta agora.
- Sério? Preciso fazer algumas mudanças, tinha esquecido que ela era uma jovem mãe, quanto à inteligência, preciso analisar o contexto. E por ultimo, sou quem domino o que escrevo.
- Possessão, cuidado vai acabar como o personagem que morreu no início do livro, nós não somos suas propriedades, agora somos pessoas. Desprovidas de carne e osso bem verdade, mas ainda somos pessoas.
- De qualquer forma, vai morrer.
- Como já disse me recuso a morrer.
- Quanta teimosia.
- Você me faz assim, lembra, pagina um, capitulo um, “teimoso, irredutível, persistente, amado e odiado, a lenda que se tornou realidade”, sou apenas fruto de sua criação desenfreada.
- Talvez eu mude sua personalidade, para alguém menos teimoso, mais compreensivo.
- Faça isso, quem sabe destruindo toda integridade de sua querida obra prima, ele vá para a lista dos mais vendidos. – disse o personagem ironicamente.
O escritor não sabia o que fazer, estava impressionado com o seu personagem, mas desesperado, pois ele precisava morrer, afirmar tudo o que o livro precisava dizer. Mas como matar alguém, que não quer morrer? De repente, o escritor soube o que fazer, iria achar uma solução brilhante para todos os seus problemas.
- Esta decidido, você vai morrer – Disse o escritor – De uma forma brilhante!!! Será o personagem mais famoso da literatura, todos irão lembrar-se de você, será uma referencia literária, e daqui a 500 anos, ainda será lembrado, como o inesquecível personagem. Pode morrer, mas será imortal.
- Eu não tinha pensado por este lado, mas é claro que você esta me dizendo isso, porque não só eu me tornarei famoso, mas você também quer ser imortal como seus ídolos, não é?
- Pode ser.
- Ainda não estou convencido, quem garante que seu livro será uma obra prima? E que todos iram admirar por toda a eternidade?
- Não há garantia, não existem garantias neste mundo, sou apenas um escritor tentando escrever uma obra, com muitas idéias para organizar em poucas páginas, se alguém ira entender, se vai gostar ou como vai entender não sei. A única certeza agora é que você vai morrer, num dos finais mais surpreendentes que já se ouviu falar, esta é a minha garantia, seu final será brilhante.
O personagem era orgulhoso, vaidoso e o escritor sabia disso, melhor que ninguém.
- Esta certo, aceito. Mas com uma condição, quero morrer no ultima pagina e que não seja doloroso nem sofrível, que seja elegante, indolor e inesquecível.
- Ótimo, agora pode voltar de onde veio, preciso terminar o capitulo.
- Claro, mas antes, queria dizer que o meu irmão não gostou de ser a minha sombra, ele queria ser mais independente e menos burro, e a minha amiga quer ser um pouco mais rebelde, se é que você me entende.
- Vou pensar no caso deles – Disse o escritor se despendido.
E assim, o personagem voltou para as paginas dos livros para esperar seu fim, e o escritor continuou sua obra. A partir daquele momento tudo já estava decidido, naquelas páginas em branco.