O VIAJANTE

Um viajante, que desde muito jovem ao mundo se deu, vivia debruçado sobre seus mapas e livros de Geografia, a fim de descobrir, a cada tempo, um novo destino, um novo por que se aventurar.

Não havia outro prazer, a não ser o desbravar novos horizontes; por terra e mar, sempre estava este já senhor, a viajar. E cada novo lugar visitado, cada cidade honrada por se fazer destino daquele homem, retribuia em igual generosidade, ao oferecer-lhe tantas possibilidades. Novos sabores, novos aromas, novos amigos, e, claro, novas e belas mulheres, era o que motivava o homem a colocar sua mochila nas costas, sair de sua casa e trilhar qualquer caminho. Testemunha do seu bravio caminhar, sua velha mochila de couro. Não havia espaço para bugingangas supérfluas. Carregava consigo muito menos do que o básico para sua sobrevivência, por acreditar que a cada nova parada, pudesse adquirir o que de fato lhe bastava. Levava pouco, mas trazia, ao fim de tudo, sempre muito.

Uma trilha, uma pedra; uma cidade, um brasão; um novo amigo, uma nova moeda; a última amante, uma carta de amor! Perfumes, papéis, mechas de cabelo... lembranças de cada passo dado, cada percurso interrompido. A mochila voltava cheia, abarrotada, às marras fechada. Um pacote estufado de memórias. Dentro dela se misturavam países, línguas e costumes. Dentro dela havia amores e desamores. Pactos e rixas. Produto de disputas, fragmento da mais recente lascívia.

Mas era fato: a mochila estufada, ao passo de mais de não sei quantas viagens, já pesava. Marcava os ombros, doía o lombo. Inegável, fazia algum bem trazer sempre consigo uma "história". Era o registro da sua existência, provas do que vivia. Mas o acúmulo do passado, começava a comprometer o presente e a impedir o futuro. Por causa do peso daquela imensa mochila, tornara-se impossível realizar novas viagens. A mochila, antiga e muito gasta, não mais suportava aquele peso. Não era fácil para um senhor conviver diariamente com tanta carga. O espírito tão inflado de memórias, a "mochila" entupida até as tampas, não admitia novos recortes.

Começava a doer, e a vida daquele desbravador era impedida de prosseguir.

Para o adiante, era preciso se desfazer daquele fardo. Era preciso aliviar os ombros e deixar aquela mochila em casa. Uma nova viagem só mesmo valeria a pena se ele fosse em branco, de mãos vazias e coração desarmado; de peito aberto para o que a vida ainda podia oferecer. Para seguir em frente, começar de novo, e bem, não dá para querer levar tanta bagagem.

Vamos largar a mochila no chão, e continuar a caminhada?

" A virgindade do espírito é que nos permite o fascínio."