Reflexões
O velho enxuga o suor do rosto com as mãos calejadas e observa o horizonte naquele fim de tarde. Comera pouco no almoço e não ficara na sombra nenhum minuto sequer. Talvez aquilo houvesse perturbado suas idéias. Ele nunca havia reparado na beleza avermelhada das nuvens no fim da tarde e nem parado para pensar na razão do Sol ficar tão grande antes do se pôr. Era como se enchesse os pulmões de ar antes de mergulhar na escuridão.
A pálida luz clareava o terreno onde ele havia capinado. Observou os pés de café floridos. Pequenos pontinhos brancos enfeitavam os arbustos anunciando os frutos vermelhos que surgiriam e seguida. Era como se alguém enfeitasse as plantas com algodão, como pequenas árvores de natal no meio do ano. Como ele nunca havia refletido que não só o café, mas tudo o que o cercava tinha o mesmo ciclo: Uma pequena semente jogada na terra consegue ter dentro de si um Universo, infinitamente maior do que ela mesma. Consegue gerar um ser que pode produzir infinitas cópias de si.
O velho sorri ao deixar a lavoura, carregando a enxada, companheira inseparável de trabalho. No pequeno barraco que mora, sozinho, troca a ferramenta pelo chapéu e se dirige a venda, ponto de encontro dos lavradores, todas as noites, naquele pequeno povoado, longe de qualquer cidade.
A labuta durante o dia lhe garantia aqueles momentos de felicidade à noite. Tudo era perfeito. A pinga, para relaxar os músculos e a cabeça. Incrível - ele refletia - como uma bebida lhe permitia retirar todo o peso do mundo de suas costas. Momentos em que ele vivia outra realidade, mais leve, mas alegre.
Despediu-se dos amigos e rumou para o pequeno barraco. De lá não via as luzes nem o barulho da venda. Era como se não existisse. Pensou: o que é a existência? No mundo há coisas que existem, mas há aquelas que estão só na nossa cabeça. Elas existem? Ou não? Só o que existe é o que podemos sentir, tocar e ver? O que é a "não existência?"
Deitou-se à cama, como já fizera tantas vezes, mas agora a refletir sobre o que viria a seguir: vou perder a consciência do que sou, vou deixar de existir para minha mente e só vou perceber novamente que existo, quando acordar. E se nunca acordar?
Mas não sentiu angústia. Não sentiu medo. Sentiu-se leve, como se finalmente compreendesse aquele infinito mistério que é a vida. Encheu os pulmões para mergulhar na escuridão.