O Soldado
Meu nome é Wilson Botelho.
Tenho 31 anos e estive engajado em um pelotão de reconhecimento, pertencente ao 3º Batalhão de Infantaria da 1ª Divisão da FEB, na Itália durante a II Grande Guerra, com patente de Cabo. Como eu já havia feito serviço militar, me destaquei nos exercícios de combate e logo fui promovido a Cabo.
Antes de vir pra este inferno, eu era balconista numa loja de tecidos no Rio de Janeiro.
Envolvido pelo patriotismo romântico que assolava os corações de tantos brasileiros, me engajei como voluntário. Não fazia a menor idéia do que poderia ser uma guerra, muito menos de como seria minha vida neste país tão distante.
Existia um clima de expectativa no ar prenunciando algo de grande. Alguns falam na tomada da colina de Monte Castelo. Não sabia se era ou não verdade, mas sabia que neste momento, haviam nos ordenado fazer um reconhecimento uma área infestada de nazistas.
O pelotão era formado de um tenente, um sargento, um cabo (que era eu) um soldado operador de rádio e quatro soldados.
Saímos logo que escureceu.
Percorremos um longo trecho sem sermos vistos pelo inimigo. A sorte parecia estar ao nosso lado.
Mas tudo que é bom dura pouco.
- Abaixem-se! – falou baixinho o nosso sargento, fazendo sinal que o inimigo estava logo adiante.
Senti um nó na garganta. Era minha primeira missão em patrulha. Desde que havia chegado, não tinha tido a oportunidade de dar um único tiro e nem visto um único nazista.
Ficamos deitados no chão molhado, imóveis e atentos. Meu coração acelerou e sentia dificuldades de engolir a saliva.
Ouvimos passos vindo em nossa direção. Olhei para meu companheiro ao lado e percebi sua tensão. Eu devia estar com a fisionomia igualmente a dele. Assustado.
O sargento fazia insistentes sinais ao tenente apontando para sua esquerda. Mas ele parecia não entender. Quando entendeu os sinais e virou-se, era tarde. 5 alemães estavam a menos de 10 metros dele e um já o tinha visto e dera o alarme.
Então foi o mesmo que estar num pesadelo. Os estampidos ecoaram e em todas as direções ouvia-se o silvar das balas passando sobre nossas cabeças.
Respondemos ao fogo.
Alguém gritou que estava ferido. Depois não ouvi mais seus gemidos. Os disparos continuavam e por minha vez re-carregava meu fuzil com munição. Uma bala alojou-se no tronco da arvore que eu usava para me proteger. Vi de onde foi o disparo e respondi mirando bem o vulto ao lado de outra arvore adiante uns dez metros. Depois o baque abafado de algo caindo pesadamente ao chão acompanhado de um gemido.
- Temos que sair daqui – Gritou o sargento – Ou todos seremos mortos.
- Sargento, nós temos uma missão e vamos cumpri-la – Respondeu o tenente.
- Uma merda! Em poucos minutos vai ter chucrutes aqui que nem um formigueiro.
- Tem que obedecer às ordens, sargento – Insistiu o tenente.
O tiroteio continuava e eu já estava ficando ainda mais nervoso. Quando olhei para minha direita dei de cara com um alemão. Só tive tempo de me atirar no chão por trás de um tronco e ouvi o zunido da sua bala sobre minha cabeça. Houve outro estampido e vi o alemão cair mortalmente atingido. Olhei para trás e vi meu companheiro sorrindo.
- Desgraçado. Este vai prestar contas no inferno de suas crueldades – dizia meu companheiro mantendo o sorriso no rosto.
Mas este sorriso mudou repentinamente para uma expressão de terror e como se tivesse sido empurrado com força para longe. Um estampido de um fuzil foi a causa daquela mudança de expressão do meu amigo. Uma bala havia atingido seu peito em cheio, jogando-o para trás. Vire-me e vi o responsável pelo disparo que já se movimentava armando seu fuzil. Não esperei e disparei. Seu corpo se contorceu para frente e depois caiu de costas.
Houve um breve silêncio.
O sargento, dois soldados e o operador de radio rastejavam em minha direção.
- Vamos cair fora daqui – disse o sargento.
- E o tenente? – perguntei procurando vê-lo se estava por perto.
- Está morto e os outros também – respondeu - Vamos sair logo daqui que devem estar chegando mais alemães.
Saímos dali com muita cautela. Alguns metros adiante, acabei por me perder do resto do pelotão. Não conseguia localizar nenhum dos meus companheiros. Não sei como aconteceu, mas não os via e nem podia chamá-los porque corria risco de atrair os alemães sobre nós. Andei agachado por um longo tempo, e não ouvi nenhum disparo. Bom sinal.
Sabia o caminho de volta e tomei todos os cuidados necessários para seguir sem ser visto, quando a alguns metros avistei um vulto. Joguei-me silenciosamente ao chão e fiquei atento. O vulto andou alguns passos em minha direção e parando a poucos metros pude ver que se tratava de um oficial brasileiro. Fiquei aliviado.
Então ele falou:
- Cabo, você tem que levar uma mensagem urgente ao Q.G. Diga ao Cel. Justino de Prado, que as coordenadas da artilharia inimiga são estas e diga que foi o Tem. Medeiros que mandou. Ele saberá de quem se trata.
Então o Tem. Medeiros me passou as coordenadas, o que prontamente anotei num pedaço de papel de chocolate.
Depois ele ordenou:
- Agora, saia daqui o quanto antes. Vou dar-lhe cobertura.
Nem precisava mandar. Sai dali o mais rápido que podia.
Quando cheguei à base, o resto do pelotão já havia chegado e todos estavam preocupados comigo, imaginando que eu tinha sido feito prisioneiro.
Contei ao sargento sobre o Tem Medeiros e sua mensagem.
- E o que está esperando homem? Vá falar com o Cel. Justino.
- Mas o Q.G. fica muito longe daqui – argumentei.
- Ora, não seja por isso. Aquele caminhão está indo pra lá. Pega uma carona com ele.
Foi o que fiz.
O motorista disse que eu poderia ir na boleia e durante a viagem, comentou que não sabia se era certo um Cabo entrar no Q.G. pois ali só entrava oficiais.
Não dei importância ao que ele disse. Estava com uma informação muito preciosa e isso era mais importante que as normas.
Quando cheguei, fui direto ao prédio do Q.G. e um oficial me parou perguntando:
- Cabo! O que faz aqui?
Prestei continência e me apresentei, informando que trazia informações urgentes para o Cel. Justino de Prado.
- Espere aqui. Não pode passar desta sala. Vou informar ao coronel da sua presença e saber se ele pode atendê-lo.
Esperei uns quinze minutos até que apareceu na minha frente um homem de meia idade, corpo bem gordinho. Devia medir 1.60 de altura no máximo. Vi logo a patente de coronel.
- É você o Cabo que tem informações para mim?
Novamente continência e apresentação de praxe. Depois falei mantendo posição de sentido entregando um papel com as anotações das coordenadas que fiz para ele ler.
- Estas informações me foram passadas pelo Tem. Medeiros há algumas horas quando eu estava em missão de reconhecimento.
A fisionomia do coronel até então estava somente carrancuda, mas ao me ouvir mencionar o nome do Tem. Medeiros mudou completamente. Seus olhos pareciam que iam pular fora. Sua boca ficou contorcida e a testa cheia de pregas. Seu corpo parecia atingido por algo invisível, mas muito forte, pois ficou envergado para trás. Então ele soltou seu vozeirão sobre mim.
- O que você está me dizendo? Você está zombando de mim seu soldadinho de bosta!
Agora eu não entendia nada. Ele continuava a falar enquanto desenrolava o papel com as coordenadas que eu havia anotado.
- Mas falei com ele, senhor, ainda há pouco e me pediu pra entregar isso ao senhor...
- Cale-se! – berrou – Pois fique sabendo que o Tem. Medeiros faleceu em combate justamente numa missão há um mês. Hoje cedo foi sua missa de mês que mandamos celebrar. Ele não poderia ter entregado isso a você, se está morto e enterrado.
Senti o teto girar sobre minha cabeça. A sala rodava e o coronel parecia distante. Minhas mãos estavam geladas e minhas pernas não conseguiam manter meu corpo de pé. Tudo ficou escuro.
Desmaiei.
No dia seguinte soube que nossos canhões arrasaram a artilharia inimiga.
Carlos
Meu nome é Wilson Botelho.
Tenho 31 anos e estive engajado em um pelotão de reconhecimento, pertencente ao 3º Batalhão de Infantaria da 1ª Divisão da FEB, na Itália durante a II Grande Guerra, com patente de Cabo. Como eu já havia feito serviço militar, me destaquei nos exercícios de combate e logo fui promovido a Cabo.
Antes de vir pra este inferno, eu era balconista numa loja de tecidos no Rio de Janeiro.
Envolvido pelo patriotismo romântico que assolava os corações de tantos brasileiros, me engajei como voluntário. Não fazia a menor idéia do que poderia ser uma guerra, muito menos de como seria minha vida neste país tão distante.
Existia um clima de expectativa no ar prenunciando algo de grande. Alguns falam na tomada da colina de Monte Castelo. Não sabia se era ou não verdade, mas sabia que neste momento, haviam nos ordenado fazer um reconhecimento uma área infestada de nazistas.
O pelotão era formado de um tenente, um sargento, um cabo (que era eu) um soldado operador de rádio e quatro soldados.
Saímos logo que escureceu.
Percorremos um longo trecho sem sermos vistos pelo inimigo. A sorte parecia estar ao nosso lado.
Mas tudo que é bom dura pouco.
- Abaixem-se! – falou baixinho o nosso sargento, fazendo sinal que o inimigo estava logo adiante.
Senti um nó na garganta. Era minha primeira missão em patrulha. Desde que havia chegado, não tinha tido a oportunidade de dar um único tiro e nem visto um único nazista.
Ficamos deitados no chão molhado, imóveis e atentos. Meu coração acelerou e sentia dificuldades de engolir a saliva.
Ouvimos passos vindo em nossa direção. Olhei para meu companheiro ao lado e percebi sua tensão. Eu devia estar com a fisionomia igualmente a dele. Assustado.
O sargento fazia insistentes sinais ao tenente apontando para sua esquerda. Mas ele parecia não entender. Quando entendeu os sinais e virou-se, era tarde. 5 alemães estavam a menos de 10 metros dele e um já o tinha visto e dera o alarme.
Então foi o mesmo que estar num pesadelo. Os estampidos ecoaram e em todas as direções ouvia-se o silvar das balas passando sobre nossas cabeças.
Respondemos ao fogo.
Alguém gritou que estava ferido. Depois não ouvi mais seus gemidos. Os disparos continuavam e por minha vez re-carregava meu fuzil com munição. Uma bala alojou-se no tronco da arvore que eu usava para me proteger. Vi de onde foi o disparo e respondi mirando bem o vulto ao lado de outra arvore adiante uns dez metros. Depois o baque abafado de algo caindo pesadamente ao chão acompanhado de um gemido.
- Temos que sair daqui – Gritou o sargento – Ou todos seremos mortos.
- Sargento, nós temos uma missão e vamos cumpri-la – Respondeu o tenente.
- Uma merda! Em poucos minutos vai ter chucrutes aqui que nem um formigueiro.
- Tem que obedecer às ordens, sargento – Insistiu o tenente.
O tiroteio continuava e eu já estava ficando ainda mais nervoso. Quando olhei para minha direita dei de cara com um alemão. Só tive tempo de me atirar no chão por trás de um tronco e ouvi o zunido da sua bala sobre minha cabeça. Houve outro estampido e vi o alemão cair mortalmente atingido. Olhei para trás e vi meu companheiro sorrindo.
- Desgraçado. Este vai prestar contas no inferno de suas crueldades – dizia meu companheiro mantendo o sorriso no rosto.
Mas este sorriso mudou repentinamente para uma expressão de terror e como se tivesse sido empurrado com força para longe. Um estampido de um fuzil foi a causa daquela mudança de expressão do meu amigo. Uma bala havia atingido seu peito em cheio, jogando-o para trás. Vire-me e vi o responsável pelo disparo que já se movimentava armando seu fuzil. Não esperei e disparei. Seu corpo se contorceu para frente e depois caiu de costas.
Houve um breve silêncio.
O sargento, dois soldados e o operador de radio rastejavam em minha direção.
- Vamos cair fora daqui – disse o sargento.
- E o tenente? – perguntei procurando vê-lo se estava por perto.
- Está morto e os outros também – respondeu - Vamos sair logo daqui que devem estar chegando mais alemães.
Saímos dali com muita cautela. Alguns metros adiante, acabei por me perder do resto do pelotão. Não conseguia localizar nenhum dos meus companheiros. Não sei como aconteceu, mas não os via e nem podia chamá-los porque corria risco de atrair os alemães sobre nós. Andei agachado por um longo tempo, e não ouvi nenhum disparo. Bom sinal.
Sabia o caminho de volta e tomei todos os cuidados necessários para seguir sem ser visto, quando a alguns metros avistei um vulto. Joguei-me silenciosamente ao chão e fiquei atento. O vulto andou alguns passos em minha direção e parando a poucos metros pude ver que se tratava de um oficial brasileiro. Fiquei aliviado.
Então ele falou:
- Cabo, você tem que levar uma mensagem urgente ao Q.G. Diga ao Cel. Justino de Prado, que as coordenadas da artilharia inimiga são estas e diga que foi o Tem. Medeiros que mandou. Ele saberá de quem se trata.
Então o Tem. Medeiros me passou as coordenadas, o que prontamente anotei num pedaço de papel de chocolate.
Depois ele ordenou:
- Agora, saia daqui o quanto antes. Vou dar-lhe cobertura.
Nem precisava mandar. Sai dali o mais rápido que podia.
Quando cheguei à base, o resto do pelotão já havia chegado e todos estavam preocupados comigo, imaginando que eu tinha sido feito prisioneiro.
Contei ao sargento sobre o Tem Medeiros e sua mensagem.
- E o que está esperando homem? Vá falar com o Cel. Justino.
- Mas o Q.G. fica muito longe daqui – argumentei.
- Ora, não seja por isso. Aquele caminhão está indo pra lá. Pega uma carona com ele.
Foi o que fiz.
O motorista disse que eu poderia ir na boleia e durante a viagem, comentou que não sabia se era certo um Cabo entrar no Q.G. pois ali só entrava oficiais.
Não dei importância ao que ele disse. Estava com uma informação muito preciosa e isso era mais importante que as normas.
Quando cheguei, fui direto ao prédio do Q.G. e um oficial me parou perguntando:
- Cabo! O que faz aqui?
Prestei continência e me apresentei, informando que trazia informações urgentes para o Cel. Justino de Prado.
- Espere aqui. Não pode passar desta sala. Vou informar ao coronel da sua presença e saber se ele pode atendê-lo.
Esperei uns quinze minutos até que apareceu na minha frente um homem de meia idade, corpo bem gordinho. Devia medir 1.60 de altura no máximo. Vi logo a patente de coronel.
- É você o Cabo que tem informações para mim?
Novamente continência e apresentação de praxe. Depois falei mantendo posição de sentido entregando um papel com as anotações das coordenadas que fiz para ele ler.
- Estas informações me foram passadas pelo Tem. Medeiros há algumas horas quando eu estava em missão de reconhecimento.
A fisionomia do coronel até então estava somente carrancuda, mas ao me ouvir mencionar o nome do Tem. Medeiros mudou completamente. Seus olhos pareciam que iam pular fora. Sua boca ficou contorcida e a testa cheia de pregas. Seu corpo parecia atingido por algo invisível, mas muito forte, pois ficou envergado para trás. Então ele soltou seu vozeirão sobre mim.
- O que você está me dizendo? Você está zombando de mim seu soldadinho de bosta!
Agora eu não entendia nada. Ele continuava a falar enquanto desenrolava o papel com as coordenadas que eu havia anotado.
- Mas falei com ele, senhor, ainda há pouco e me pediu pra entregar isso ao senhor...
- Cale-se! – berrou – Pois fique sabendo que o Tem. Medeiros faleceu em combate justamente numa missão há um mês. Hoje cedo foi sua missa de mês que mandamos celebrar. Ele não poderia ter entregado isso a você, se está morto e enterrado.
Senti o teto girar sobre minha cabeça. A sala rodava e o coronel parecia distante. Minhas mãos estavam geladas e minhas pernas não conseguiam manter meu corpo de pé. Tudo ficou escuro.
Desmaiei.
No dia seguinte soube que nossos canhões arrasaram a artilharia inimiga.
Carlos