Dona Naura e os gatos

A razão de viver de dona Naura parecia ser o amor que tinha pelos sete gatos que possuía. Parecia, pois, na verdade, eles eram como netos que a “vida” insistia em não dar a ela. Os nomes dos bichanos eram os mais variados: Esperança, Momô, Sapeca, Pretinho, Aju, Nereu e Dream. O último tinha influência do filho de Naura, Joelso, que adorava inglês. No fim, como a velha não sabia pronunciar, o nome do pobre gato virou Didi.

Os gatos iam para todos os lugares com Naura, desde a casa da irmã no bairro vizinho, até no cabeleireiro. Claro, nem todos de cada vez e não dentro dos estabelecimentos. Bastou a vez que Sapeca arranhou todo o rosto da manicure. Foi aí que Naura ganhou o apelido de Neura. “Sua louca! Deveria ser Neura, e não Naura!”, gritou a mulher sangrando.

Certa feita, Naura levou Didi e Momô para visitarem sua irmã, Alenira. Fazia meses que as irmãs não se viam, só se falavam por telefone. O filho de Naura foi junto, de motorista, claro. Cada gato na sua devida casinha, com a roupa adequada a passeio (uma camiseta) e, é claro, a areia para as necessidades fisiológicas. Os gatos – castrados – comportaram-se bem aos olhos de Naura na casa da irmã. Ao chegarem, fizeram cocô normalmente na areia especial, taparam e foram se deitar no sofá. Alenira torceu o nariz, já que não tinha bichos e não suportava cheiro de merda. Se não deixava o marido defecar em casa (mandava-o ao banheiro da garagem), o que se dizia de animais na residência.

Pois bem. O dia foi agradável (para Naura). As irmãs conversaram sobre a família, que casou, quem se separou, quem pariu, quem foi embora, fofocas corriqueiras de “entes queridos”. Até então tido como secundário, Joelso estava escondido na frente da TV, vendo as futilidades de sábado à tarde. Foi então que foi chamado à conversa.

- Lindinho, você tá namorando? A tia quer saber. Conta, vai.

- Não, não tô, não tenho tempo. É muita coisa pra estudar - despistou o guri de 23 anos, que cursava Jornalismo.

- Ai, Alenira, namorar pra quê? Deixa o rapaz curtir a vida.

- Ué, pra quê? Pra te dar netos e fazer esses gatos sumirem do mapa!

Pronto. Encerrou-se a visita. Ligeirinho, Naura juntou as tralhas dos bichanos, catou-os um em cada braço. Alçaram retorno. Na estrada secundária, antes da principal que o quarteto tinha que tomar, o pneu do carro furou. Naura e Joelso desceram, ficaram rodeando o carro, pensando no que fazer. Nisso, saíram dois indivíduos do mato, anunciando um assalto, óbvio.

- Sai, tia, sai da frente, deixa a bolsa no carro e vaza!

- Tudo bem, tudo bem, só deixa eu tirar os gatos do carro.

- Pó pará, nada de tirá coisa nenhuma do carro.

Mãe e filho voltaram de ônibus para casa. Naura nunca mais foi a mesma. O maldito dia em que perdeu dois “netos” sempre vinha à memória.

O filho arrumou uma namorada. Embarrigou a pobre. Saiu da casa. Tiveram o Dirceu. Naura não estava nem aí para o neto. Não cumpria o papel de boa vó.

E o verdadeiro neto adoeceu, depois que passou uma semana na casa de Naura. Os pais tinham ido viajar. Uma diarréia das brabas. Ninguém sabia o que provocara o surto no guri. Alimentava-se bem. Quando voltou para a casa dos pais, levou consigo a mochila com as roupas e, também, um mimo da avó. Joelso, ao ajeitar as coisas no roupeiro, descobriu o saco de salgadinho com ração dentro.