Sobre o renascimento do sonho

“Dizem que de certa forma nossos sonhos são vontades únicas, particulares, que dão à nossa vida, única e somente, uma nova força de seguir em frente. Talvez seja verdade, mas a fato é que se sonhamos os outros, nas nossas utopias, somos responsáveis pelos desejos que transformam não uma, mas várias histórias de vidas num sonho único.”

Sobre o renascimento do sonho

Em Belo Vale a Rua 7, no bairro dos Guimarães, era o lar de Rubiano Vicente Torres. Homem intrépido, seco e sem por venturas já com seus vintes e poucos anos, era daquele tipo de homens que fecham seus portões e suas janelas para o mundo. A velhice somente lhe atenuou a clarividência fria dos gestos e trejeitos. Já caminhando pela casa dos cinqüenta e poucos anos não desdenhava para não comprar. Possuía um antiquário cujo carinho e zelo pareciam ser maiores do que aparentava ter por sua própria esposa. Lá era onde passava as tardes frias, as quentes, as amenas; todas as tardes de sua vida sem fatos. Vera Torres, sua esposa, pariu-lhe três filhos dos quais somente dois continuavam ao seu lado. Por ironia do destino, as duas meninas, gêmeas, nascidas com diversos problemas comuns aos bebês prematuros sobreviveram. O único varão, que se chamou Jorge por quatro anos, morrera vitimado pelo sarampo. A agudez do gênio de Rubiano fora esculpida por anos e anos de uma solidão a que ele mesmo sentenciou-se após a morte do filho. Tanto tempo de silêncio no coração, nos sonhos, fizeram com que construísse aos poucos um muro espesso em torno de seu coração; e em torno daquela muralha fez-se um abismo intransponível. Nada, nem ninguém, conseguia mais medir as medidas de seus sentimentos.

A mesma Rua 7 era também endereço de Mauro, jovem que acabara de cumprir o período militar obrigatório. Foram dois longos anos permeados de situações que jamais haveria de esquecer. As noitadas que passava com os outros oficiais nas folgas, onde aprendeu a beber, a gostar de mulheres que não conhecia, a sorrir quando todos sorriam, a ouvir os sons torpes que faziam aqueles bêbados com quem vivia abraçado, com quem chorava as mágoas de todas as vidas, mas que jamais havia conhecido. O pai lhe instigara a servir aos militares para que se tornasse homem de fato. Na lira dos vinte e poucos anos era um ser que nem de longe lembrava o franzino rapaz que caminhava descuidado e despretensioso, com dificuldade, cheio de livros sob os braços, pela mesma Rua 7, do Bairro dos Guimarães da cidade de Belo Vale. Alargou os ombros, cresceu pelos sobre o peito, enrijeceu os braços e atenuou as discrepâncias e nuances que lhe moldavam um belo de um caráter. Seus amores sempre foram as letras dos romances que carregava consigo por todos os lados. E não as abandonou enquanto serviu ao país. Nos tempos de quartel o pai limitou a enviá-lo somente os utensílios para as necessidades básicas. Claramente tal medida não comediu seus desejos. Passou a escrever seus próprios romances, viajar por entre as linhas de suas próprias histórias. Também, aos poucos, a mãe dava sempre um jeito de enviar a ele alguns clássicos que salvavam seus dias, alguns poucos dias. Como costumava brincar, podia viajar nos livros ou ser o maestro das histórias que queria e quando queria. Era o sonhador dos sonhadores no zig e zag de oficiais com camisetas brancas, anônimos, que podiam se transformar em qualquer personagem dentro das fábulas que inventava e reinventava nos confins de seu pensamento.

Já era fim de ano, início de dezembro, as crianças já coloriam as ruas com as cores da infância e enchiam os ouvidos com os sons da felicidade e carregavam o ar com a poeira de inocência que subia em cada esquina. O céu já brilhava com as cores do natal que se aproximava e Rubiano, atrás de seu balcão, havia vendido duas carrancas de cedro a um revendedor que não parecia entender nada sobre a arte da madeira. Na verdade, o homem que se apresentou como Rafael, sabia exatamente como persuadir e enganar até os vendedores mais astutos. Naquela tarde, comprou as duas carrancas por um quarto do preço que valiam. Vera aconselhou Rubiano a negociar, mas como era de costume quando a mulher intervinha em qualquer assunto, tomou para si, somente para si as rédias das negociações e precipitou sua decisão somente para mostrar quem estava no comando daquela família. As meninas, Augusta e Mariana, depois de chegar da escola e almoçar, passavam o dia no pequeno espaço forrado por um tapete atrás do balcão. Rubiano decidira assim para que aprendessem como negociar com os compradores mais capciosos. Jamais sequer prestavam atenção nas conversas do pai, a não ser que este lhes dirigisse um olhar intervencionista evocando a atenção das meninas. Vera era uma bela mulher entre as tantas que já haviam alcançado a casa dos quarenta anos. Tinha os olhos grandes, a boca com lábios volumosos e vivos. Os cabelos rebatiam por sobre o ombro com leveza, e quando molhados e presos por um ou dois grampos, davam a ela aquele ar de ternura que somente as mães dedicadas possuem. Ela passava quase o dia todo sozinha em casa. Varria o chão de ladrilhos vermelhos, esfregava as paredes brancas já marcadas pelas tantas intempéries passadas. Tirava pó, organizava os objetos da casa, e tentava organizar também os seus pensamentos. Preparava almoço, lanche, cosia e cozinhava, não sorria. Tinha uma expressão monocromática que repetia os gestos, os acenos, os sorrisos, quando precisava sair de casa. Jamais podia se dizer que era uma mulher solitária, mas era uma alma só.

Numa terça feira que parecia domingo Mauro saía pelo velho portão azul descascado de sua casa. Estava no meio de sua peleja de costume para abri-lo e depois fechar. Após dois arranques e um empurrão do lado certo, fechou-o. Mirou seu andar em direção à escadaria quando se surpreendeu, ao marcar um olhar depreendido na janela da frente, com uma cena que lhe despertou tamanha atenção. Pela Janela ao lado da porta de entrada dos Torres podia ver Vera, chorando lágrimas disfarçadas, recostada sobre a TV da sala. Mas naquele dia, o comum atraso para seus afazeres fez Mauro simplesmente continuar, sem pensar muito sobre o que havia visto. Nos dias que seguiram, 11 exatamente, por diversas vezes ao sair de casa ele se surpreendia com a mesma cena. Vera recostada sobre a TV desligada, chorando prantos silenciosos com lágrimas tímidas, disfarçadas, mas que exprimiam uma dor tão íntima, tão incipiente, que fez com que seu próprio interior começasse a latejar também. Sempre que via Vera chorando, logo pela manhã, sem motivo aparente, a imagem, junto com a angústia de não poder fazer nada, de não saber ao certo o que fazer, voltavam como revoadas de pássaros sem ninho fugindo de um grande predador. Queria fazer algo, mas como saberia o que fazer se mal sabia o que se passava por entre o resto daquelas mais de quatro paredes. Mesmo não parecendo o melhor e mais sensível dos homens, o velho Rubiano jamais deixou transparecer a imagem de ser ruim.

Numa manhã de quarta, assim que viu Vera, e suas lágrimas, e a Tv desligada, Mauro decidiu intervir. Aproveitou a compenetração de Rubiano em limpar a loja naquela quarta-feira de cinzas no céu. Seguiu rápido e certeiro à casa de Vera. Era um escadaria perpendicular à entrada da loja onde, por dentro, havia outra passagem que ligava as dependências comerciais à casa. Só o velho Rubiano usava a tal porta quando decidia vistoriar a loja durante a madrugada. E quando isto acontecia acabava por passar todo o resto da madrugada recontando, relimpando, reexasperando sua obsessão pelas suas antiguidades nada raras, pelo “santuário de lembranças e solidão” – como costumava se referir em pensamento a própria Vera, em pensamento, ao antiquário do marido.

Chegando à casa, Mauro bateu à porta e em poucos instantes lá estava Vera a abri-la. Ela se surpreendeu com a visita do menino que não via há anos. Já era um homem, pensou. Ele chegara para a visita justamente num daqueles momentos a que acostumou-se a ser testemunha sempre que saía de casa. Ela tentou disfarçar as lágrimas á lhe iluminavam as maçãs do rosto como pequenos rios em feixe saindo de seus olhos.

- Mauro! Que boa surpresa! Nem me lembro há quanto tempo não o via, entre!

Ele entrou e ficou espantado com a impecável organização da casa. Não parecia nada com um ambiente que tivesse duas meninas vivendo o furor de peripécias infantis. Todos os brinquedos cuidadosamente arrumados pela estante e pelas pequenas prateleiras cuidadosamente alinhadas pelas paredes. Ainda na estante, haviam a TV e uma velha radiola que Vera e o próprio Rubiano já não se lembravam mais do som. Mauro foi direto ao assunto.

- Também é bom rever-lhe Dona Vera. Venho porque me preocupo com todos que vejo pelas ruas, ou pelas casas. Me causa muita dor ver a dor nos outros.

Vera não entendeu nenhuma das palavras de Mauro, continuou com a mesma feição de segundos antes. Apenas deu de ombros, queria saber de que o menino falava.

A senhora dona Vera, me preocupam as lágrimas que insiste em derramar, e que insistem em me assombrar sempre que lhe vejo chorando, recostada sobre essa TV, quando saio de minha casa, todos os dias.

Vera ficou estática, quando de repente, junto com uma lágrima que lhe cortou o rosto, simplesmente abriu a porta da casa novamente.

- Seu ímpeto em ser útil aos outros não lhe serve nesse momento. Existem coisas que somente pertencem a um casal. Foi bom revê-lo. Adeus.

- Pois saiba que vou, mas que tenho além dos ouvidos, meu coração aberto para lhe ajudar. Até mais.

Mauro saiu pela porta, desceu os degraus, e foi direto ao seu portão. Virou-se e lá estava Vera em seu silencioso pranto novamente. Continuou seu caminho rumo a seus afazeres, mas não esqueceu do olhar, do semblante daquela mulher, pois estava com o coração desarmado para toda e qualquer forma de carinho.

Nos dias que se seguiram Mauro não mais a viu quando saía de casa. Ficou com medo de que Rubiano houvesse escutado a conversa e repreendido a mulher. Mudou em alguns passos seu caminho parar passar em frente ao antiquário quando tinha que sair de casa. Passou em frente à loja e cumprimentou-o como sempre o fazia, não notou qualquer mudança em seu comportamento. Quando descia pela ladeira da Rua 9, a rua dos mercados, viu a bela mulher que mesmo com a idade não perdera o brilho em seus cabelos dourados. Era Vera, entrando na mercearia. Pensou que aquela não seria uma boa hora para se desculpar, foi descendo pelo caminho, titubeante, como se tivesse voltado a ser o garotode quatro ou cinco anos atrás. Não sabia se seguia ou se voltava pelo caminho que viera, e assim que decidiu voltar já era tarde. Vera saía com uma pequena sacola com alguns legumes e um punhado de sal. Assim que cruzaram olhares ela, receosa, quase recuou, mas antes que pudesse dizer algo, Mauro lhe deu um bom dia de sempre, um sorriso cheio de dentes como nunca e ofereceu-se para levar a sacola. Vera notou que o dono da Venda olhava, e aceitou, quase que por imposição seu pedido. Subiram a pequena viela devagar, em silêncio, passaram pela porta da loja onde Vera acenou discretamente para o marido e para as meninas. Chegando à porta da casa, os olhos dela já brilhantes, emanavam a luz do sol que refletia por uma pequena nascente de lágrimas. Com os olhos fixos aos olhos dele ela falou:

- É que Rubiano, o homem mais belo e sensível que um dia conheci, simplesmente secou. Ele não sorri, não fala, não abraça, não ama. Meu marido não sonha mais.

Mauro não conseguiu dizer sequer uma palavra. Esperava por qualquer coisa menos aquilo. Entregouu-a as sacolas sem conseguir imaginar uma réplica apenas. Nem seu olhar transparecia qualquer sinal, qualquer luz que pudesse acalentar o sofrimento daquela mulher. Somente ates que ela fechasse a porta e entrasse ele conseguiu dizer quatro singelas palavras e dar-lhe a única coisa que podia naquele momento, um sorriso.

- Isso muda, vai mudar.

Mauro não conseguia acabar com a angústia de pensar numa pessoa que perde o amor do amor de sua vida. Começou a perder as noites de sono, não queria nada senão ver um sorriso correr pelos lábios de Vera. Semanas se passaram enquanto pensava no que fazer. Procurou amigos, procurou até a mãe, que lhe disse que rezasse para que Matheus e Yolanda – nome dos amigos a quem Mauro atribuiu o problema para preservar a intimidade de Vera e Rubiano. Numa noite, enquanto trabalhava na restauração de livros da biblioteca da escola encontrou uma nota no prefácio de um livro sem capa.

“Minha Gardênia,

Este livro que era meu, agora é teu. Assim como os sonhos que antes eram só de um de nós, serão juntos nossos sonhos a partir de agora até sempre. Se não puderes sonhar, deixes que sonho por ti, em ti, nosso amor.

Lucas...”

De repente seu corpo tremeu, no pulsar mais intenso do coração ele encontrou a solução que traria de volta uma luz de felicidade na vida de Rubiano, e conseqüentemente o brilho da felicidade também nos olhos, na vida de Vera.

Nas semanas seguintes, todas as segundas-feiras do velho Rubiano foram marcadas pela estranheza. Não sabia nem como, nem por quê, mas passou a receber uma carta sem remetente, somente com o nome “Sr. Rubiano das Antiguidades” no campo do destinatário. Eram poucos pedaços de papel, dois ou três, de onde brotavam histórias de sonhos de amor, pequenas epopéias de aventureiros que desbravavam terras e mares em busca de sonhos, de ideais. A primeira carta contava a história de um menino que perdeu toda família durante primeira guerra, mas que, doravante, se tornou um dos mais importantes militantes pela paz no mundo, buscando não em Deus, ou nos outros, mas em si mesmo, nas boas lembranças do passado, a força para seguir em frente. Já na primeira carta, preso pelo enredo, duvidou de seus olhos, de sua mente, ao se ver envolvido pelas letras que brotavam pelo papel de caderno com 32 linhas. Ao fim da história, uma dedicatória o esperava: “Assim sonhei por ti.” Foi o bastante para que se zangasse como há muito não se zangava, balbuciou, esbravejou, gritou, xingou. Amassou os pedaços de papel e logo subiu para casa. Olhou as meninas e Vera na mesa de almoço. O seu olhar certeiro e cheio de fúria despertou a curiosidade e o receio delas. Logo concluiu que nenhuma das meninas podia ter escrito a carta, e que a caligrafia não se parecia em nada com a de Vera. As meninas e a mãe, em silêncio, apenas observaram quando, com o mesmo olhar que irrompera pela porta da sala de jantar, Rubiano deu meia volta e voltou.

As cartas eram escritas por Mauro, que durante a noite escrevia contos, poemas, pequenos acrósticos. Não conseguia parar de inventar histórias para enviar ao velho. Rubiano, durante as primeiras semanas, tomava-se de fúria ao abrir a loja e ver o envelope no chão, quase no mesmo lugar onde encontrara o anterior. Mas como fez com o segundo dos papéis, amassou-o e jogou no lixo esperando pela noite para abri-lo sem que o remetente pudesse ter qualquer prova de que ele se interessa por aquela correspondência. Não conseguia mais conter sua curiosidade, e passou a ansiar por todas as segundas para receber a próxima edição. Durante a semana sempre se lembrava das belas histórias, como da mulher marroquina que abandonou suas tradições e fugiu com seu grande amor, um turista inglês por quem se apaixonou. Nas semanas seguintes, sempre ponderando seus gestos, acordava nas segundas mais agitado do que o normal. Só quando abria a loja e encontraa o envelope se acalmava. Investigou seus clientes, desconfiou de todos, inclusive de Mauro. Mas este, era cuidadoso, pagava um menino filho do dono da feira da esquina para que deixasse o envelope quando descesse a ladeira da Rua 7 com o pai para abrir a barraca. E aconselhava-o para que o fizesse com a maior descrição, e que mais rápida que a entrega, fosse sua saída do local do crime. Mas Mauro sempre passava pela loja para cumprimentar Rubiano e investigar sobre o humor do velho. Percebeu que estava no caminho certo quando este lhe mandou lembranças para seus pais. Fora justamente na semana em que Mauro enviou-lhe a história do homem que que perdera todos os entes queridos sem antes dizer-lhes o quanto os amava.

Durante quase um ano foi assim.. Mauro concentrava-se durante as noites, escrevendo dúzias de histórias que se endereçavam às segundas para a loja de Rubiano. Este, já não conseguia disfarçar a inquietude que lhe despertava a curiosidade de saber quem escrevia, por quê escrevia e sobretudo, a curiosidade de ler a próxima história. Até que numa fatídica segunda-feira de outubro, que já quase se transformava em novembro o envelope não chegou. Rubiano não entendeu, procurou por toda a loja, pelo passeio, pela rua. Zangou-se como no dia em que recebeu a primeira das cartas. Vera notou a clara mudança em seu humor, tentou sapear os motivos, mas nem desconfiava do que acontecia. Para Rubiano estava tudo acabado, não conseguiria descobrir nunca o remetente das cartas, e nem receberia mais nenhuma fábula. Não dormiu por várias noites, esperou pela próxima segunda, e pela próxima, e pela próxima. Mas anda chegava, nem sob a porta da loja ou da casa.

Até que numa segunda-feira de fevereiro, quando já se faziam quase quatro meses desde o último envelope, ao abrir a loja, lá estava ele, mais um. Correu, apanhou-o, subiu para a casa e abriu-o. Notou que lá dentro não mais haviam as duas ou três folhas de caderno, com 32 linhas, com uma fábula, mas um simples bilhete onde estava escrito: “E teus sonhos Sr. Rubiano, por onde andam¿”

O velho zangou-se com uma fúria que de nada se parecia com as esbravejadas anteriores. Irrompeu pela sala e chegando à foi logo soltando milhares de acusações contra Vera. Por entre lágrimas, esbravejos, palavrões, juras de inocência e acusações os dois de repente ficaram em silêncio. Rubiano por que se deu conta de que acabara de contar a mulher sobe os devaneios e anseios por que passou durante quase mais de um ano, entre a primeira carta e aquela ultima. Vera porque já imaginava, tinha certeza de quem estava por trás daquilo tudo. Rubiano voltou para a loja onde passou um longo e angustiante dia de dúvidas. Vera não quis procurar Mauro logo em seguida, pois temia a reação do marido caso ligasse as coisas, caso também descobrisse que era ele o garoto por trás das cartas. Chegou a noite, e se deitaram sob o mesmo silêncio que marcou os deitares das dezenas de noites anteriores.

Naquela noite Vera escutou Rubiano murmurar desde que se recolheu ao seu lado, e por toda a madrugada, as palavras do bilhete: “E teus sonhos Sr. Rubiano, por onde andam?” E assim adormeceram ele repetindo as palavras e ela tentando esquecer as que havia ouvido naquela manhã. Vera acabou adormecendo bem depois do marido, já pelas tantas da madrugada, e perdeu a hora de acordar. Ao abrir os olhos percebeu a luz do sol diferente que entrava pela janela, era a luz do sol das onze horas. Levantou num pulo mas percebeu que bem ao seu lado estava Rubiano sentado. Lembrou das meninas, de que tinham perdido a hora da escola.

- As meninas! Ela disse.

- Já comeram, e estão na sala brincando. Amanhã retomam o que perderam hoje na aula.

As palavras de Rubiano não soaram estranhas pelo diziam, mas pela maciez e ternura que Vera já havia esquecido que o marido era capaz de pronunciar. Entreolharam-se em silêncio por alguns instantes, e quando ela, espantada por notar que os olhos dele se faziam brilhantes por causa de poucas lágrimas que brotavam, quis dizer-lhe algo, mas ele antecipou-se.

- Perdão. Perdão por ontem, perdão pelos outros “ontens” de nossas vidas. Amo-te demais minha Vera.

Já com um mar de lágrimas descendo pelas bochechas já rosadas de emoção, Vera abraçou-o com a ternura de quem não via um ente querido, um amado há anos. Há muito não via aquele homem que estava sentado ali, seu marido, aquele com quem se casou anos atrás.

- Por que isso, por que hoje meu amor? - Ela perguntou.

- Porque essa noite, meu amor, sonhei com você.