Imperceptível...

Acendeu um cigarro, colocou na vitrola um bom e velho blues, e dançou de frente ao espelho, consigo mesmo, abraçando-se tão forte que podia ali, sentir a própria alma.

A solidão era algo indiferente, os tapas na cara que a vida lhe dava já haviam anestesiado, um sadomasoquista da solidão, vontade de cuspir no asfalto que um dia abrigou os pés de quem nunca soube valorizar um grande amor.

Olhou algumas fotos, amareladas pelo tempo, sentiu uma vontade louca de jogá-las na fogueira e vê-las queimando, assim como ele queimava por dentro, ou de abrir a janela causando um grande vendaval, fazendo de conta que toda a dor foi queimada de forma acidental. Mas lhe faltava coragem, ainda mais quando tomava vodka e sentia o gosto de um amor que ao contrário da vodka era doce e que não queimava por dentro, mas que causava a explosão de loucura que aquela bebida lhe trazia.

Chorou, por longas horas chorou muito, em sua cabeça um filme e toda uma retrospectiva da tentativa de ser feliz, da vontade de dormir e acordar abraçado em alguém, chorou pela frustração de ver seu amor saindo pela porta com planos que eram individuais, onde nenhum o incluía, onde nenhum jamais o incluirá, e por um momento sentiu vontade de dar um tiro no coração, para que todo amor que habitava ali fosse a causa do suicídio daquele rapaz solitário, de olhos tão negros quanto a própria vida, vontade de ser matéria de jornal, para que assim todos vissem como o abandono fez com que ele pirasse, mas toda aquela raiva compulsiva foi se acalmando, fazendo com que ele tomasse a consciência de que para quem fica a vida continua, e que ele não passaria de um corpo doente,triste, e sem alma que a terra comeria, embora seu sonho sempre fosse ser cremado e todo aquela dor virasse poeira no vento, ele sabia que seria sorte se alguém o achasse morto ou ao menos notasse que fazia dias que aquele rapaz que morava no último andar nunca mais havia saído nem para comprar cigarro, nem para buscar o jornal, e talvez sentissem sua falta e ligariam para o corpo de bombeiros, ninguém o procuraria e ele seria enterrado como indigente, e em sua lápide haveria a seguinte mensagem: “aqui esta enterrado um corpo que foi morto desde o dia que conheceu a solidão...”.

Chorou mais um pouco, e adormeceu, quem sabe amanha não voaria janela abaixo na tentativa de ao menos no fim da vida ser notado.

Carla Carina
Enviado por Carla Carina em 28/10/2008
Código do texto: T1252501
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