O ACORDO
Crato, Ceará, terça-feira, dia 20 de maio de 2008.
O homem andava cabisbaixo pela calçada da praça da Igreja de Santo Antônio,
em Miranorte, no Tocantins. Já era a segunda noite. Mas por qual motivo essa segun-
da noite o deixava tão angustiado?
Então, o homem sentou-se num banco e olhou para a Igreja, onde estava acon-
tecendo uma missa. O som de lindos cânticos chegava aos seus ouvidos e ele esboçou
um quase sorriso.
O dia seguinte seria doloroso para ele, foi o que pensou... E ele não sabia ma-
is o que fazer!
Seu nome era Arlindo e estava com 62 anos, agora. Bem perto de sua aposen-
tadoria,. sua vida desabara de vez. Perdera o emprego e isso bastava. Como trabalha-
va avulso numa marcenaria, se vira sem dinheiro e sem seguro-desemprego. Por mui-
tos anos, comera muito pó e pegara até um pigarro na garganta. Uma vez, quase per-
deu um dos dedos no corrupio.
E agora estava na rua, velho e sem oportunidades.Só lhe restava a fé. Tentara
encontrar outro serviço, mas nada. E as coisas foram se complicando. Morava numa
casa alugada, com a mulher Isabel e seus 02 filhos, Alcides e Lucilda.
Começou a fazer pequenos bicos como servente, mas só ganhava o insuficien-
te para comer. Ainda bem que uma irmã o ajudava, às vezes.
No mês de março, não pagara o aluguel. Em abril, do mesmo jeito. O locador,
um sujeito chamado Chicão, já estava impaciente.. Por duas vezes, insinuara em pedir
a casa. O velho Arlindo tentava ganhar tempo, mas o cerco estava se fechando e a es-
perança que tinha era de que aparecesse algum trabalho, para por fim à sua agonia.
No mês de maio, a situação chegou ao limite extremo. Não pagou o aluguel e, na
manhã de quarta-feira, dia 11 de maio de 1988, seu Chicão bateu na porta.
__ É, seu Arlindo __ ele começou, __ o senhor deve entender que não dá para es
perar mais. Sei que o senhor sempre foi bom pagador, mas....
O velho Arlindo falou:
__ Entendo, seu Chicão, me dê mais quinze dias, que eu arranjo algum dinheiro
para o senhor!
Foi aí, que Chicão propôs um acordo:
__ Vou fazer o seguinte com o senhor. Lhe dou só três dias para conseguir traba-
lho fixo. Se conseguir, esqueço a dívida e o senhor volta a me pagar como antes. É tudo
o que posso fazer pelo senhor.
O velho não podia retrucar.
__ E se eu não conseguir?!
Bom, aí em quinze dias o senhor me entrega a casa.
O trato foi feito. E agora, Arlindo estava naquela noite de sexta-feira, dia 13 de
maio, se sentindo completamente vencido.
Olhou novamente para a Igreja. A missa tinha acabado e as pessoas saíam pa-
ra suas casas. Ele caminhou lentamente para lá. Pediu ao sacristão para ficar um pou-
co rezando ali. O rapaz disse que teria que fechar a Igreja dentro de meia hora.
Arlindo foi ajoelhar-se diante de uma imagem e rezou:
__ Nossa Senhora de Fátima, sei que demorei para vir falar com a senhora. Sei
que é quase impossível eu conseguir trabalho fixo amanhã. Só peço uma coisa. Mos-
ter-nos um meio de não sermos despejados.
Cansado, deitou-se num banco e pegou no sono. O sacristão, não o vendo, fe-
chou a Igreja e foi para casa.
De manhã, Arlindo acordou com o ruído da pesada porta da Igreja se abrindo.
Era o sacristão que entrava e lhe falou, preocupado:
__ Desculpe, moço! Eu deixei o senhor ,trancado na Igreja a noite toda.
__ Sossega, rapaz. Eu estava bem guardado, perto de Nossa Senhora de Fáti-
ma!
__ A propósito __ começou o sacristão __ o senhor não conhece alguém que
queira ser o zelador da Igreja? O padre paga um salário por mês!
O velho Arlindo quase não acreditou. Então, contou sua história para o ou-
ro e se ajoelhou novamente aos pés da imagem da santa. Depois de rezar e agrade-
cer por mais de meia hora, saiu correndo para casa, contar a novidade para a um-
lher e os filhos.
JECONIAS CARVALHO DIAS