Carla

Ela só tinha um sonho. Casar. Não pensava em mais nada, todo o resto era superficial. Estudava e estagiava, mas não tinha um objetivo profissional. Pensava no dinheiro também. Mal de toda sua geração que encontrava o mercado de trabalho saturado e o país em recessão. Gostava do que fazia, mas era preciso casar pra ser feliz.

O problema é que não tinha um pretendente e por isso passava horas em busca de um. Em sonhos, na rua, na internet. Onde quer que ela estava procurava por ele. O príncipe montado em um cavalo branco que arrebataria seu coração e a faria feliz pra sempre.

O casamento já estava todo planejado. Vestido escolhido, igreja, recepção e buffet. Até a data ela sabia. Só faltava o noivo. Por isso a sua busca desenfreada. Cada vez que um homem lhe dava bom dia ela se apaixonava.

Não era feia, muito pelo contrário. Olhos jabuticaba grandes, atentos e brilhantes. Um brilho que vinha da alma que esbanjava ternura e inocência. Fazia o tipo 'mignon', toda proporcional, com curvas delineadas e estruturadas. Cabelos compridos que o vento balançava. De longe lembrava um bonita índia, de perto mostrava toda a sensualidade de uma mulher latina.

Seu único defeito era sua maior obsessão: queria casar, precisava casar. Não enxergava a vida de outro jeito que não fosse casada. Não pensava em filhos e nem tinha vocação pra ser dona de casa, por isso estudava. Mas não queria ficar sozinha. E namorar não adiantava. Tinha que casar. Pensava, analisava, sonhava com o futuro, mas sempre e sem exceção estava casada.

Tudo bem, diz a lenda que toda a mulher sonha em se casar um dia. Ninguém criticava seu sonho, mas todos a sua volta acham loucura planejar uma vida em função disso. Em função disso e sem um noivo pré-definido.

De tanto as amigas insistirem que era preciso um par pra todos os planos começou a apelar. Frequentou igreja e procissões de Santo Antônio sem efeito. Foi a centros espiritas tomar passes e ver se por lá conhecia alguém, de preferência encarnado, mas se estivesse do outro lado não tinha problema também.

Foi a terreiros, macumbeiras, benzedeiras e cartomantes. Nada dava resultado. Até o dia que leu um anúncio nos classificados. “Trago o seu amor de volta em três dias”. Não tinha um amor, mas não custava tentar.

- Terreira Mãe Oxum de Macapá, em que posso ajudar? - A voz no telefone era acalentadora e transmitia muita fé.

- Eu li seu anúncio no jornal e queria ver se você pode me ajudar.- Nem ela mesma acreditou que tinha chegado aquele ponto.

- Qualquer que seja seu caso Mãe Oxum resolve. Não existe um amor que ela não consiga trazer de volta. - A mulher falou com tanta confiança que não tinha como não acreditar.

- Esse é o problema... - exitou e deixou a voz tremer - eu não tenho um amor. Mas quero um em três dias! - Tomou coragem e enfatizou.

-... A senhora gostaría de marcar uma hora pra ver seu caso?

Marcou a hora e aguardou anciosa a chegada do dia. Pensou em todos que haviam passado pela vida dela. Primeiro o noivo. Lindo, perfeito, tudo estava indo tão bem. Todo mundo comentava, só ela não percebia.

Até o dia que chegou sem avisar e ele estava aos beijos com seu vizinho. Ela até pensou em relevar e casar mesmo assim. Afinal o sonho dela era casar e se ele era gay isso não importava. Mas seu pai não deixou.

Depois tiveram outros. O desocupado, o maconheiro, o galinha. O advogado, o carteiro, o médico e o entregador de pizza. Só que no final todos davam o fora antes de marcar a data. Dessa vez tinha certeza, a Mãe Oxum ia resolver seu problema. Em três dia ia arranjar um amor e daí tudo estava planejado: um mês namorando, noivavam por dois meses e casavam. Não tinha erro.

Chegou o grande dia. Meia hora antes ela já estava na sala de recepção do consultório de sua salvadora. Tinha se enfeitado toda, estava bem maquiada e cheirosa. Nem ela sabia porque tantos preparos, mas pensou que se a Mãe Oxum gostasse dela podia ajudar as coisa. Arranjar um amor quem sabe em vez de três dias em três horas.

Foi atendida. Não conseguia fazer as mãos pararem de tremer. Queria muito saber o que aquela mulher toda de branco tanto olhava nas cartas em cima da mesa. Muito ansiosa queria logo perguntar se poderia arranjar o amor mais rápido, afinal tudo já estava pronto pro casório, só precisava mesmo era do noivo. Ficou com medo de atrapalhar a concentração da vidente e aguardou os minutos de silêncio como mais uma provação pra realizar seu sonho.

- Carla é seu nome, né minha filha? - A voz da Mãe Oxum parecia meio assustada.

- Sim, sim... E então? Que dia posso pegar o meu amor? - Ela não se conteve mais e falou com grande exitação. A mesma de quem compra um carro zero.

- Pois é minha filha seu caso é mais complicado do que pensei. Não tem amor no seu caminho. - Disse a mulher com certa tristeza de quem não ia poder provar a eficiência de seus trabalhos.

- Como assim não tem amor no meu caminho? Eu quero um amor, foi isso que vim fazer aqui. Até me arrumei toda pra senhora gostar de mim e arranjar o meu amor mais rápido... Meu casamento já está todo pronto, eu só vim aqui porque preciso do noivo.- Carla se exaltou e até levantou e bateu com força na mesa.

- Carla, né?! - Perguntou Mãe Oxum e seguiu falando com um ar de quem estava vendo coisas além – Eu não disse que você não ia casar. Disse que não vejo um amor em seu caminho. Mas não se preocupe daqui a três dias sua vida vai mudar e ano que vem você vai estar casada.- A mulher sorriu e sem mais delongas despachou a obsessiva.

Carla saiu aliviada. Afinal ela não queria um amor até o dia que leu o anuncio. Ela só queria casar e se ela ia conseguir fazer isso, o resto não importava. Ia esperar pra ver o que ia acontecer em três dias e se nada mudasse ia voltar na Mãe Oxum e pedir o dinheiro de volta.

Esperou paciente o primeiro dia e nada. No segundo acordou elétrica, mas nada ocorreu de novo. No terceiro dia acordou pensando que aquele era o dia da virada. O dia que ia pegar seu marido. Tomou um belo banho, se perfumou, botou seu melhor vestido e saiu pra rua. Era naquele dia. Sabia disso, a Mãe Oxum não ia deixá-la na mão. Foi ao banco. Precisava tirar um extrato e ver se o salário já tinha entrado pra cobrir o limite do cheque especial. Além do mais, o cheque do buffet de casamento ia entrar esse mês.

Caiu como uma folha de outono quando puxou o extrato. Seu saldo era de 3 milhões de reais. De onde tinha vindo todo aquele dinheiro? O que ela deveria fazer? Teria sido usada como laranja em alguma corrupção governamental? Respirou fundo. Pensou rapidamente e transferiu todo o dinheiro pra uma outra conta que tinha.

Foi pra casa, pegou duas calcinhas, um sutiã e um casaquinho. Foi pra rodoviária. Comprou passagem pro primeiro ônibus que saia da cidade com o destino mais longe possível. Depois de uma viagem de 6 horas rindo a toa chegou em outra cidade de onde comprou uma passagem pra capital. Na capital foi direto ao aeroporto. Comprou uma passagem só de ida pro Caribe.

Quando chegou no Caribe é que pensou no que havia feito. Tinha fugido com o dinheiro. Mas esqueceu do seu maior sonho: Casar. Um mês depois de tanto procurar pelo Caribe, achou o cara certo.

Bem apessoado, charmoso, um tipo “latin lovers”. Era esse seu marido. Comprou ele numa feira. Custou em torno de mil dólares, uma bagatela, como ela mesma pensava. Voltou pra sua cidade, fez o casamento de seus sonhos e provou pra todo mundo que quem quer muito uma coisa consegue. Mesmo que custe uma bagatela.

Luísa Aranha

Luísa Aranha
Enviado por Luísa Aranha em 25/10/2008
Código do texto: T1247964
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