Duas noites, uma saudade.
Não era tarde quando a confusão entre os pingos da chuva fizeram-me adormecer. De certo que o mérito não fora apenas seus. Visto que um livreto de Machado influenciara muito em minha involuntária vontade de fechar as pálpebras. Deste último, vem também estes vocábulos encabulosos, verbos em tempos perdidos e períodos curtos e longos. Pois bem, andemos a narração.
Não havia mantido contato com meu amado no dia anterior nem tanto no dia em que segue. Dois dias parecem-me duas semanas ou mais. Vejo que não mais poderia viver sem ele. Ou sofreria um bocado até me acostumar a sua ausência. Talvez nunca me acostumasse. Durante o dia no trabalho procurei ouvir entre a algazarra dos pequenos um toque polifônico vindo de meu celular. No entanto, não ouvi. Fiquei a pensar mil asneiras. Como sempre. É incrível como a saudade nos faz suscitar inúmeras situações, por hora, ridículas. Especulações que tentavam justificar o fato do não encontro. Mesmo que distante, somente por palavras. Em casa segurei-me para não o incomodar no trabalho. Consegui!Tentei distrair meus pensamentos assistindo a Tv, não adiantou; tentei bordar, não consegui; tentei ler, e o sono logo veio ao meu encontro. Precisava do sono para que pudesse aliviar um pouco a mente. E em meio a minha imensíssima (desculpe-me José Dias) vontade de continuar os passeios pela Rua de Matacavalos, o sono levara embora minha sanidade.
Na verdade, naquele momento tão pouco me importava qualquer devaneio de Capitolina. Queria mesmo era entender o porquê de não poder ouvir a voz de meu amado. Fechar os olhos significava ver seu sorriso. O sorriso na verdade era um esboço desenhando em sua face um ar de ingenuidade, bondade. Por entre os olhos e a boca lembranças remetem-me aos cinco sentidos, as cinco sensações. A barba por fazer, arranhando levemente meu rosto, meu corpo, enfim; O par de sobrancelhas unindo-se ao par de olhos de chocolates incomodavam-me ainda mais pelo fato de não estarem frente a mim e somente no pensar. Percebo o quanto acostumara a sua presença. Sinto-me perdida durante a noite. Faltam-me uns braços onde me apoio para dormir. A aliança em meu anelar direito parece refletir a imagem em terceira pessoa e fazer ecoar as palavras ditas por ele quando entregara a mim o anel -“O outro presente é este aqui”. Fora o melhor de todos. Tem sido o melhor entre todos. Por isso a saudade me afronta, fazendo-me pensar em mil inutilidades, talvez tentando testar minha segurança, o meu amor. Tudo que mais queria era tê-lo aqui, agora. Durante o sono não sonhei. Acordei com minha mãe segurando o telefone e dizendo-me – É o Fernando, você atende? – Ora, lógico! Levantei rapidamente, como quem está em uma fila imensa e é chegada sua vez – péssimo exemplo, não?
Atendi e pude aliviar, ou quiçá, atenuar a saudade. Como é gostoso ouvir a voz do amado quando este diz reciprociar (desculpe o neologismo, quem sabe, daqui a cinqüenta anos digam com respeito e admiração, oh que bela escritora) a saudade. Por mim, passaríamos a noite conversando, ou melhor, eu adoraria passar a noite ouvindo-lhe falar. É estranho como em tão pouco tempo posso eu estar tão empenhada neste namoro. Conversamos, contamos os acontecimentos de todos os últimos dois dias, declaramos nossa saudade, e nos despedimos. Quisera eu tê-lo aqui para adormecer entre seus braços ouvindo sua respiração ao pé do ouvido. Ser aquecida pelo calor de sua pele... Não me é possível agora. Mas dormirei tranqüila tento em vista a possibilidade de encontrá-lo amanhã.