MASCATE
Um incidente na fábrica me trouxera uma fagulha de esperança... Quem sabe, um lampejo de sorte: trabalhar por conta própria. Comuniquei a alguns amigos que havia me demitido da Nitro-Química. Um deles ergueu a voz:
- Quer ganhar dinheiro? Vamos mascatear em Goiás! Comece seu negócio. Se não der certo, volte a ser o operário de antes. Se topar, viajaremos amanhã mesmo. Não se preocupe; sei tudo que precisa comprar pra vender em Goiás.
Preparei minha modesta banca, que consistia apenas em dois cavaletes e quatro tábuas. O ponto, relativamente estratégico, ficava entre o restaurante e uma farmácia, defronte à estação rodoviária de Ceres. Ali, expus minhas quinquilharias.
A experiência foi favorável; pouco tempo depois, voltava a São Paulo para repor meu estoque. Um dia, porém, surgiu um cidadão e perguntou:
– Aí, cabra, você tem relógio bom?
– Tenho sim, senhor. Tenho três marcas; o senhor pode escolher.
– Quanto custa este? – perguntou ele, sacudindo uma das peças.
– Um mil e oitocentos cruzeiros.
– Vai vender pra quem com essa porcaria desse preço?!
– Pra quem quiser comprar... – respondi.
– Você vai aprender a respeitar uma autoridade, cabra!
Virou-se de costas e saiu. Voltou depois, numa viatura da polícia, com um sargento e um soldado. O sargento perguntou ao, então, militar à paisana:
– O rapaz é esse? – Apontou para mim.
– É; é ele mesmo.
– Você está preso por desacato à autoridade.
Nesse instante, passava um garoto por ali e, percebendo a situação, foi correndo avisar ao dono do hotel.
– Pai, o mascate está sendo preso.
– O sargento Melquíades está na viatura?
– Está!
– Vá lá e diga pra vir aqui antes de prender o mascate.
O sargento atendeu ao chamado do hoteleiro, e os dois conversaram por algum tempo.
– Seu padrinho é forte; mas, se você der bobeira, eu te pego na virada.
Mal a viatura afastou-se, o hoteleiro disse-me:
- Vá embora daqui. Você não sabe o que pode acontecer. Corre risco de vida!
LIMA, Adalberto;SILVA, Francisco de Assis. Fagulhas e Lampejos.