PASSEIOS DE BICICLETA E FREIRAS
Praticamente fui filha única. Meu irmão, aos onze anos, saiu de casa para estudar em Belo Horizonte. Eu era muito sozinha. A coisa que eu mais queria era um irmãozinho. Minha mãe dizia: - Infelizmente não posso ter mais filhos. Meu pai sempre teve bicicletas e, nelas, esparramava as minhas horas de recreio e solidão. Eram altas para mim mas dava um jeito, enfiando a perna. Aos domingos minha mãe permitia que eu saísse, à tarde, com um tio solteiro, irmão de meu pai, para passear. Íamos em grupo, sempre cinco ou seis, rodávamos pela praça e íamos até a rodovia. Era uma delícia!
Durante a semana, eu era incumbida de buscar a correspondência no correio que ficava na rua do padre, ao lado da casa de uma tia avó, tia Ladomila. Quando a velha tia me viu de bicicleta, “ soltou os cachorros”: - Onde já se viu menina andar em bicicleta de homem?! Vou falar com seu pai. Resultado, continuei fazendo o meu programa mas a bicicleta ficava no pátio da casa do padre, que era nosso amigo, e eu ia a pé, morrendo de medo da tia Ladomila, buscar a correspondência.
Num dos meus passeios de domingo aconteceu um fato marcante. No nosso grupo tinha um namorado de uma moça que estudava na “Escola Normal”, interna. E que internato! As freiras eram mais do que radicais. No internato não tinha um espelho; os cabelos, assentasse ou não, partidos ao meio e banho só de camisola. O namorado da interna era amigo do meu tio. A namorada (interna) mandou recado escondido para meu tio, dizendo que, domingo, as freiras iam levá-las para chupar jabuticabas, num sítio quase dentro da cidade. “– Não deixe de levar meu namorado”, estaremos no fundo do quintal! “ Lá fomos a turma da bicicleta com o namorado. A moça no fundo do quintal, que dava para a rua, matou saudades e pode conversar com o namorado. Só que, a freira, pegou-os em flagrante. Meu pai, comerciante, fornecia tudo para a Escola Normal. Na semana seguinte, a Madre Superiora, por sinal brava e aborrecida, foi à casa comercial. Lá estava eu, ao lado do meu pai, e a madre Superiora vendo-me, disse com muita raiva: - Sr. Guarany, esta sujeitinha ai , levou os rapazes da bicicleta, para encontrar as jovens que ficam sob minha tutela! E, tudo na surdina! Ela merece castigo. Quase morri! Estava inocente! Ainda bem que meu pai acreditou em mim. Meu tio, confirmou. Mas, até hoje, nunca, mas nunca, me esqueci desse: “ Esta sujeitinha aí ”.
Lembro-me, ainda, de um episódio com outra freira, a vice-diretora. No meu último ano de normalista houve uma debandada no colégio – freiras abandonando o hábito. Certo dia, no recreio, a vice que por sinal também era muito brava, convidou-me para chupar jabuticabas, num pé que ficava escondido no terreno do colégio. Fiquei um pouco assustada, mas aceitei o convite. Entre uma jabuticaba e outra, uma conversa e outra, ela perguntou-me: “- Você já beijou?” Levei o maior susto! “– Nunca!” Disse eu. E, ela, bastante tristonha, disse: “- Eu, também, nunca beijei. Gostaria apenas de saber como é, se é bom?” Ainda assustada e constrangida, resolvi virar a mesa: “- Já beijei, sim. Muitas vezes. É a melhor coisa do mundo!” Anos depois, soube que a irmã do beijo também se casara; já mais velha, com um viúvo. Com certeza quis provar da melhor coisa do mundo.