IRONIA DO DESTINO
IRONIA DO DESTINO
Talvez nenhuma infância tenha sido melhor do que a do Almeida. Fazia tudo a que uma criança tinha direito e ainda com a vantagem de conhecer vários lugares, pois seu pai era como um nômade. Vivia ora aqui, ora acolá. O certo é que não demorava muito tempo em um determinado local. Era assim feliz o menino até que, ao atingir a adolescência e chegando a Serra Verde, conheceu uma linda menina. Ah! Linda menina, sim! Mais linda do que o mais lindo alvorecer. Sua face, macieira em for, com matizes do seu mais rubro fruto. Cabelos ondulados, dourados, como encaracolados e cacheados, os do Precursor. Sua casa ficava em frente à da sua amada e era o primeiro a avistá-la. Juntos iam ao Colégio e juntos estavam todo o tempo, que podiam.
Pelos campos passeavam, quando colhia cachos da acácia em flor para adornar os seus lindos e sedosos cabelos como se possível fora torná-los mais formosos. Sentavam à beira do rio perdendo a noção do tempo ao apreciarem a correnteza, nela colocando barquinhos de papel ou pedrinhas nela atirando. Na volta, colhiam frutos do mato ou sorviam dos favos, o mel. As abelhas pareciam já conhecê-los. O amor fazia-o até poeta e para a sua amada escrevia: “proporcionaram-me os deuses preciosa dádiva: sua existência em minha vida, que deu mais vida ao meu viver”. “A intensidade do todo de um segundo ao seu lado, é preferível à eternidade de uma vida, vivida sem emoção.”. “Como amo a vida por tanto lhe amar”...
Mas... um dia, mais tarde do que o costume (já passara da meia-noite), o pai avisa:
- Amanhã, bem cedo, antes do romper da aurora, partiremos deste lugar.
Ficou o Almeida como que paralisado. O peito só faltava explodir, tamanha era a sua dor.
- Que dor, meu Deus! Que dor, meu Deus!
Era só o que conseguia dizer e pensar numa constante repetição. Tão apaixonado, que chegou a esquecer que o seu pai era como um “judeu-errante”. Sempre em constante mudança.
Nem, ao menos, teve como dizer adeus à sua amada ou um bilhete mandar-lhe.
Em suas constantes mudanças, seu pai levou a família para terras do além-mar. E ao sobrevoar o oceano, Almeida já rapaz feito, tenta num esforço sobre-humano, parto difícil, doloroso expulsar suas lembranças na tentativa de sepultá-las para sempre, a fim de não enlouquecer e sucumbir de dor.
Novas terras. Novos rumos. Com família já constituída, esposa bonita, uma linda morena, Almeida prossegue o seu viver, agora já com três garbosos mancebos. Desejou ele, uma filha? Não se manifestava. Com quase meio século de vida, nasce uma linda menina – ironia do destino – de olhos azuis. Herança de antepassados longínquos. A mãe, sentindo aproximar-se, de si, a morte (parto difícil, idade de rico), chama o esposo e diz-lhe, quase num sussurro:
- Você fez tudo para me fazer feliz. Sou-lhe grata por isso. Mas, você é que nunca conseguiu sê-lo na totalidade, pois jamais esqueceu, de todo, o seu amor de adolescente. Não! Não se espante. Descobri isso, através de seus sonhos ou pesadelos, quando mencionava seu nome. Por isso lhe peço num apelo último e derradeiro: dê à nossa filhinha o nome de Ângela e partirei feliz.
Afagando os cabelos e beijando a fronte, quase gélida, da sua esposa, Almeida, respondendo, lhe diz:
- Perdoe-me se, involuntariamente, eu me traí. Você foi uma ótima esposa, não se vá.
- Por favor, preciso da sua resposta, insistia sua esposa quase já sem forças.
Descanse em paz, atenderei ao seu pedido. Obrigada e, mais uma vez, perdoe-me.
Morreu feliz.
E, para Almeida era como se Orfeu emergisse do profundo abismo, pois as lembranças do passado, mais do que nunca, afloravam-se-lhe, vinham à tona. E ele indagava em suas noites de insônia:
- Onde andará a minha doce musa da adolescência?
- Onde, a minha linda criança nascida no outono da minha existência?
Ângela! Ângela!
A milhas de distância e...
... tão próxima de mim, numa campa fria, pois que a criança Ângela morreu, logo depois que a mãe se foi.
-águia solitária-