Numa Grande Festa
Numa Grande Festa
Teve início, logo após o crepúsculo, num amplo salão, perto do mar.
De toda a parte, de todas as direções, vinham pessoas, aos pares, em pequenos grupos ou sozinhas.
Puxa, lá está ela, tia Verinha. Trocamos um grande abraço. “Você foi inesquecível na minha vida”, disse eu, “e você na minha”, tornou ela, com olhar radiante.
Quanta gente tem aqui. E que música linda.
- Mas…é você!
Longo abraço. “Nossa, como a gente se magoou…” Ela deu de ombros, e, num claro sorriso falou – A gente se atrapalha muito…
Agora não mais! – exclamamos, pois parecia não apenas uma idéia, parecia mais do que isso.
- Olá, vocês 3, sempre juntos, hein? Que surpresa. Ô meu, remoçou 20 anos. Tolice, deixa pra lá. Eu sei, depois me explicaram, ora, mas quem não ficaria chateado?
Maravilha de música. Está sem a letra, mas a melodia é conhecida.
- Filha! Como você está linda. Sua mãe está te procurando…
O salão repleto de arcos, e sob os arcos pequenos nichos com poltronas, plantas, fios de água, num deles pessoas conversam acaloradamente. Ao me aproximar, a tônica resultante do gesto foi pegajosa, no melhor sentido do termo, e a palavra chave “saudade”.
Por ali me detive com eles e elas, já que a saudade não pode ser curada, mas estancada. Queriam saber se fulano era ou não asmático. Rimos.
- Bom, você tinha uma bombinha, às vezes ficava no console do carro. Seu irmão vivia escondendo ela.
Rimos mais um pouco. Memórias ganham vulto quando compartilhadas.
Outros arcos, outros nichos, outros grupos. Acenos. Não há tempo presente. Há o presente no tempo.
- Oi, cara, mas que prazer te ver aqui!
- Olha, eu não quis o teu mal, foi o…ahhh, sabe como é...- ele sorria, por baixo do bigode. Nunca o tinha visto de bigode. A não ser em fotografia.
- Bobagem, que importância tem isso agora?
Disse-lhe que também não quis magoá-lo, que na época não compreendia direito, que não era o meu caminho. Tocamos um no ombro do outro, como pessoas que não tem diferenças.
Bichos de estimação perambulam pelo ambiente, cães, gatos, pássaros, se enroscam nas nossas pernas, sobem no colo...
- Óóoh, madame, estás deslumbrante. Os mesmos olhos castanhos. Hmmm, que abraço gostoso. Tinha esquecido o quanto eu gostava desse abraço. Eles vieram também? Eu sempre amei muito eles…
Um vão livre, com uns 60 metros de comprimento, abraça tantas pessoas e uma orquestra com 12 músicos, tudo permeado por uma luz dourada, bela como a aurora.
- Ei, olhe por anda…Não acredito! Quanta satisfação. Calma rapaz, assim você quebra a minha mão. Não sei, estou meio sem noção de ... É, aquele dia chovia muito. Você estava triste e eu sentia medo. Escuta, você sabe o nome dessa música?
Todos me conhecem e eu conheço todos. Todos nos conhecemos.
Mesas fartas espalhadas com frutas, bolos e pães, alguns casais dançam, crianças aparecem e desaparecem numa algazarra, não há teto neste salão, há estrelas.
Às vezes, entre um abraço e outro, ouço, “olha, eu não devia ter dito aquilo”, às vezes, sou eu quem fala isso.
“Deveria ter estendido a mão, você precisava”, ou, “nunca te agradeci o quanto você fez por mim”, essas palavras iam e vinham, numa dupla mão fluída, sem atrito, ora eu as pronunciava, ora as escutava.
Aqui, perto da orquestra, vejo quase de longe todos os presentes, não os distingo, talvez seja em virtude da luz dourada, diáfana, mas quando se aproximam algo nos acessa, nos acende, nos ascende, nenhum rosto é estranho, nenhuma emoção é equivocada, não há nada velado, para que depois tenha de ser guardado com remorso ou afastado com rancor, a luz e a música se fundem, a transparência é inigualável, todos os olhares brilham, numa grande festa a inveja, o ciúme, a discórdia e o medo, as fraquezas e os ressentimentos não tem lugar, há muito já evaporaram, já não tem importância alguma, e neste evento, assim livres, todos vamos nos encontrar. Por isso será uma grande festa.
Executada com uma batida diferente, depois me lembrei, o nome da música é “Eu sei que vou te amar”.