VÍRGULA 17 : ESTUDANDO EM GOIÂNIA (COR)

(corrigido)

ESTUDANDO EM GOIÂNIA

Virgula 17

Artur de Lima, o tio carrancudo, conversava pouco com medo de pagar imposto por excesso de palavras, extremamente pão-duro, gastava o essencial, não excedia a nada a não ser o ócio, pois de certa feita, trabalhou com uma padaria, claro, como dono, lá nas perdidas décadas de 1940. Vendeu o negócio e nunca mais trabalhou, com o dinheiro da venda e algumas economias amealhadas, conseguiu comprar uma casa em Goiânia, outra em Anicuns, como também uma chácara próxima à represa do Orion. A única preocupação que tinha era pescar diariamente, com método sempre no mesmo horário retirava algumas minhocas, duas varas finas de bambu, alguns poucos anzóis e pronto, estava pronto o terror dos lambaris, trairas, piaus, conservando um método extraordinário, só pescava o suficiente para o seu consumo, era solteiro, portanto pegava pouco, esse era o seu trabalho, único trabalho quando estava em Anicuns, porque em Goiânia, não fazia nada, nada de nadiquinha.

Dona Alaska de Lima, viúva do turco Nagib, não teve filhos, mas como conversava. Vivia somente a fim de jogar conversa fora, tinha um mérito, cuidar da sua mãe a Dona Senhora, octogenária. Bem me esquecia gostava ela também de implicar com os parentes, todos, irmãos, cunhados, principalmente sobrinhas, como ela falava as pragas da Das Dores.

Justamente com essas figuras é que Gema vai morar, num pequeno barracão na rua 70 próximo do Colégio Santo Agostinho, onde a educação que as irmãs repassavam era de fino trato, situando-as como uma das melhores do país.

- Gema, se arruma logo, as irmãs não permitem atraso. Vamos menina apresse.

Já no primeiro dia a fama de megera da sua tia alastra-se por cima dela. Não dava trégua do levantar ao deitar, sempre achava uma nesga de implicância para alfinetar a sobrinha.

- O quarto está escuro, é assim mesmo que eu gosto, habitue-se...Em gestos rápidos enchia com jornal as nesgas das venezianas, impedindo a entrada de claridade da rua, diga-se de passagem, da fraca iluminação pública da época. Mas ela tampava, não queria ser incomodada nem pela iluminação artificial, nem pela natural quando raiava esplendoroso o astro-rei na sua incansável luta milenar.

Os dias correm rápidos, a menina enturma-se, torna-se necessário freqüentar e ver freqüentado a sua casa. É exigência da dinâmica implantada pelas irmãs agostinianas, trabalho de equipe, sem o qual o ensino torna-se mais difícil.

Aparecem os primeiro obstáculos com seus tios, pois havia necessidade de oferecer um lanche quando se era anfitriã; nas casas das colegas a mesa farta, em contrapartida ali era minguados, os biscoitos contados, os bolos regrados, leite, café e chá medidos, Gema se envergonhava. Não era a educação que estava recebendo das irmãs, lá a finura e a etiqueta social eram primordiais. A sua tia casca grossa de primeira. Tudo era contado, medido, conferido. As colegas, devido a amizade, não comentavam nada com ela, mesmo assim se constrangia com a situação.

- Menina atrevida, ô praga nojenta da Das Dores, que é isso no seu dente? Goiabada né está comendo doce escondido, (nota a dona Senhora rindo) vai ver que deu também para minha mãe?

- Só um taquim... (falou a velha senhora).

- Um taquim que nada, você não sabe que pode matar a vovó. Ela não pode ingerir doce é diabética.

- É, mas que estava gosto, estava...Ironiza a vó.

- Vocês vão ver só vou esconder bem escondida a goiabada...

-Tia, é minha, foi mamãe que mandou.

-Eu sei, eu sei, mas aqui em casa nem de ter ordem. Ordem é ordem, ninguém pode ingerir nada antes da hora, tem que me respeitar e esperar que eu dê. Não quero mais desobediência. Assunto encerrado.

No outro dia aparece a tia Ana em uma rápida visita.

-Estou de mudança para Brasília. Preciso vir mais vezes aqui para vê-los.

Já no final de semana, pega a sobrinha e vai fazer com ela um rápido passeio.

- Tia Ana, não estou agüentando mais, tia Alaska é muito implicante. Tio Artur muito embirrado. Acho que vou deixar de estudar. Gosto muito quero ser gente, mas com eles não agüento.

- Não filha tenha paciência, não leve esse problema para sua mãe agora, deixe pelo menos que o ano termine.

Continuam passeando pela encalorada Avenida Anhangüera, após se deliciarem com um gostoso sorvete de frutas da Fonte Expresso, em companhia da prima Suely, logo após terem deliciado com pipocas e churrasquinhos da Av. Goiás. No final da tarde de domingo o tio Orion veio buscar suas familiares no seu inconfundível Mercedes martelinho.

- Corta as cartas menina..., (era o lazer daquela gente, barato e só de brincadeirinha, família de pão-duro, é pecado jogar a dinheiro),... Corta e distribui a todos...

- Ah não tio, o Senhor está roubando...

Sr. Artur ao ouvir tal afirmativa da sobrinha, virou a mesa, ruborizou, gaguejou, babou de raiva, gritou todo possesso:

- Ladrão não, sua praga da das Dores, vê com fala comigo, sou seu tio, quero respeito, muito respeito, não vou te dar agora um corretivo em respeito à sua vó. Não jogo mais.

- É isso mesmo, essa menina está precisando de uma boa surra pr'a ver se respeita a gente, completou impertinente a viúva dona Alaska.

- Calma gente, é um brinquedinho só, rematou a dona Senhora.

A menina em prantos correu para o quarto indo se remoer com seu travesseiro.

Goiânia, 16 de outubro 2008.

jurinha caldas
Enviado por jurinha caldas em 17/10/2008
Código do texto: T1233047
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