Consciência da Vida.

Há alguns dias que todas as vezes que eu pisava na areia não via minhas pegadas.
Isso me intrigava.

Um dia encontrei um velho sentado junto a parede de uma velha casa quando eu estava indo buscar frutas no campo.
Olhei pra ele e me pareceu que não havia notado minha presença,quando passei em sua frente.
Então resolvi parar e apenas para chamar-lhe atenção perguntei-lhe:
- Saberia me dizer que horas são?
Não houve resposta. O pobre velho continuava sentado sem dar-me a mínima.
Insisti:
- Senhor, poderia me dizer que horas são?
Desta vez ele respondeu.
- São 10h12min. Não sei por que você quer saber as horas – completou demonstrando indiferença.
- Não entendi. Se perguntei as horas é porque tenho necessidades de saber.
Ele não me respondeu e eu segui em frente.
As arvores frutíferas ficavam algumas centenas de metros mais adiante e me dirigi pra lá.
Já havia me afastado alguns metros e ouvi o velho perguntar:
- Onde está indo?
Virei-me para ele e respondi de pronto.
- Vou colher algumas frutas no campo.
- Por que deveria colher frutas? Por que que elas te trariam alguma serventia?
Sinceramente não entendi onde ele queria chegar. Voltei um pouco e diante dele perguntei:
- Por que diz isso? Sabe muito bem que as frutas nos fazem bem. Gosto de frutas e as do campo não tem dono.
- Sei que elas não têm dono, mas mesmo assim não sei por que poderiam ter alguma serventia para você - disse o velho.
Sinceramente agora ele estava indo longe demais. Como não teria serventias pra mim? O que poderia ter errado em eu poder comer algumas frutas?
- O senhor poderia ser mais claro? – indaguei demonstrando irritação.
Ele olhou-me por algum tempo, depois balançou a cabeça para então dizer:
- Tenho pena de você. Vejo que precisa de ajuda e não se dá conta.
Aquelas palavras me deixaram ainda mais irritado
Na manhã seguinte eu fui novamente colher frutas e logo avistei o mesmo velho sentado no mesmo lugar.
Passei por ele e desta vez, vi que havia notado a minha presença.
Virei-me para ele e perguntei:
- Poderia dizer-me que horas são?
- A mesma hora de ontem, 10h12min. Pensei que não voltaria hoje – completou sem levantar a cabeça.
- Vou colher frutas como ontem.
- Fez boa colheita ontem?
- Gozado. Agora que perguntou não lembro...
O velho sorriu e balançando a cabeça disse:
- Nem poderia lembrar.
- Como pode saber disso?
- Eu já te falei que você precisa de ajuda, e você não quer ouvir-me.
- E por que eu precisaria de ajuda? Não entendo...
- Porque não entra em minha casa para podermos conversar?
O velho levantou-se e abrindo a porta dirigiu-se para um pequeno quarto e pediu que me aproximasse. Depois sentou-se num banco de madeira bem envelhecido, pegou um livro que estava sobre uma mesa ao lado, e folheando-o parou numa página e disse:
- É. Estas palavras devem servir para você.

Na manhã seguinte eu fui novamente colher frutas e logo avistei o mesmo velho sentado no mesmo lugar.
Antes que eu pudesse perguntar-lhe as horas ele disse:
- São 10h12min. Aguardava por você.
- Como sabia que ei ia perguntar-lhe as horas?
Ao invés de responder ele levantou-se e convidou-me a entrar novamente em sua casa.
Dirigiu-se para um pequeno quarto e pediu que me aproximasse. Depois ele sentou-se num banco de madeira bem envelhecido, pegou um livro que estava sobre uma mesa ao lado e folheando-o parou numa página.
- É. Estas palavras devem servir para você...
- Mas isso já havia acontecido ontem. Eu lembro que aconteceu exatamente assim. Mas por que não recordo além disso?
O velho estava lendo pausadamente. Parecia ignorar-me, mas sabia que eu estava ali diante dele.
As palavras que ele lia pareciam não fazerem o menor sentido. Eram confusas e eu não queria mais ficar ali ouvindo.
- Eu não preciso ouvir estas tolices.
Foi aí que ele parou de ler e disse:
Quantas vezes será preciso que eu tenha que te dizer, que você precisa de ajuda, meu filho? Você sempre teima em dizer que não precisa de ajuda, e todos os dias volta ao mesmo lugar. Enquanto você não se ajudar e ouvir as pessoas que desejam o teu bem, jamais sairá deste estado em que se encontra. Não sei porque as pessoas se negam a receber ajuda quando mais precisam.
- Que estado me encontro? Estou bem e não vejo em que possa ajudar-me.
- Meu caro, há dez anos tento te ajudar e você não se dá conta disso.
- Dez anos? Mas apenas há três dias nos conhecemos. Você não deve regular bem da cabeça, isso sim.
- Dez anos sim. Dez anos no meu tempo porque o seu tempo é outro, e certamente em sua lembrança no tempo em que vive, só se passaram três dias. Sua mente não consegue assimilar todas as vezes que conversamos porque teima em querer viver no meu tempo e não no seu próprio tempo.
Aquilo tudo não fazia o menor sentido pra mim. Aquele velho devia ser algum maluco e estava querendo confundir-me.
Ele havia se levantado e apanhara um velho jornal sobre a mesa. Abriu o jornal e mostrou-me o cabeçalho com a data de 10 anos atrás. Depois me indicou uma manchete numa coluna lateral onde pude ler:
“Jovem é soterrado enquanto dormia”.
Abaixo da manchete tinha uma foto.
Naquele instante houve um clarão em minha mente. Parecia que eu era projetado num vácuo sem fim. Parecia-me estar distante de tudo. Uma enxurrada de imagens desfilava diante de mim. Todas eram relacionadas à minha vida. Ouvia as palavras do velho em minha mente e agora elas faziam sentido.
Agora entendia tudo.
Olhei para baixo e vi o pobre velho lendo seu livro. Senti uma grande gratidão por ele, e apenas conseguir dizer:
- Obrigado meu velho amigo.

Carlos Neves





Carlos Neves
Enviado por Carlos Neves em 12/10/2008
Reeditado em 24/07/2013
Código do texto: T1223928
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.